Palestrantes: Adriana Meza (NEL), Luiz Carrijo (EBP), Ann Simonetti (EOL)
Grupo de Pesquisa EOL: Jorge Agüero, Estela Carrera, Javier Cabrera, Josefina Cherry*, Roxana Chiatti, Graciela Martínez, Bárbara Navarro*, Bibiana Ortolani, Álvaro Stella, Noemí Vélez, Dalila Yurevich*, Ana Simonetti* (coordenadora)
Introdução
Ao receber o convite para trabalhar e confirmado o grupo de pesquisa, com entusiasmo seguimos os tempos de ensino de Lacan para localizar como foi variando sua concepção de “desejo” e abordar as questões relacionadas ao gozo, se envolvido nesta medicalização. Seguimos com leituras e debates sobre a época, a saúde, as tensões entre a psicanálise e a ciência, e a psicanálise em sua perspectiva da política do sintoma. Parte do resultado desse trabalho é o qual refletimos aqui, outros irão certamente surgir durante a conversa.
Certas características da civilização atual
1- Pontos
A era atual, com a proposta de melhorar o padrão de vida dos cidadãos, empurra ao consumo, instalando um gozo que não se dirige ao Outro. Em “O Outro que não existe e seus comitês de ética”, Miller (2005) afirma, referindo-se a ela que “o gozo não se situa a partir do significante amo, na vertente da sua negativização, mas no lado (do plus-do-gozo) como tampão da castração” (p.79). Como Lacan situa, uma promoção do objeto a como excedente do gozo é na raiz do consumismo.
Assim, em Radiofonia, afirma que a ascensão ao pico social do objeto a é um efeito do discurso. Efeito esse que podemos julgar como devastador.
Antecipando nossa época, produz neste momento seus quatro discursos, onde o analítico situa o sujeito como outro, no lugar do otro, operando sua divisão. Em contrapartida, a ciência, ao tornar o amo do consumos o sujeito, retira-o dessa divisão, impedindo-o de assumir o seu desejo. O analítico falha nesta produção de objeto.
“Bastaria a ascenção ao zénite social do objeto chamado por mim de “a” minúscula, pelo efeito de angústia que provoca o esvaziamento a partir do qual o nosso discurso o produz, ao falhar em sua produção. “(Lacan, 2012, Outros Escritos, p
“… torna-se evidente para nós porque, quando já não sabemos que caminho tomar… se compra qualquer coisa, inclusive um carro, com o demonstrar intelgiência, se assim se pode dizer, do seu tédio, ou seja, do afeto do desejo de Outra-coisa borrar coisa duplicado (com O maiúsculo). “(Lacan, 2012, Outros Escritos, p. 436)
Isso desvia a atenção do esvaziamento, do não há relação sexual, e o tédio que vem neste lugar sinaliza desejo de Outra-coisa. O sujeito não pode habitar o seu desejo em em tanto amo do consumo. O que faz o sujeito no curso da experiência analítica, senão separarse do objeto?.
Em “A Terceira”, de 1974, Lacan ao questionar o que a ciência procura para distrair o não há relação sexual, responde que os gadgets e que o futuro da psicanálise virá desse real, até chegarmos a ser inspirado por eles.
É em 1994 que Miller em Uma Fantasia parte desse sintagma de Lacan: a ascensão ao zênite social do objeto a… e propõe interrogar se estamos no momento em que a bússola da civilização moderna é o objeto a. O que encontramos: falta o S1 sólido que produz o discurso analítico, e o sujeito toma o S1 da época, é identificado com eles, ainda que não sejam transitórios: lembremos os floguers e emos adolescentes que surgiram há poucos anos e perderam sua predominância.
Miller argumenta que a ascensão ao zênite social do objeto a implica em uma transformação no discurso, de modo que o hipermoderno torna-o dominante, no lugar de outrora em que ocupava o ideal.
Também dizia: O plus de gozar subiu ao lugar dominante,… mas ao ser assexuado em tanto não está em relação ao Outro, é um estado do corpo próprio, comanda, mas o que comanda? Um “este” falha. Isso significa que, onde há uma divisão, o mercado oferece um objeto que sutura essa divisão, que apaga o problema.
Então estamos lidando com as conseqüências dessa dominação, que existe como um “derrame”. Predomina então o pathos dos laços: a devastação, o estrago, o desmanches de casais, dispersão e dissolução com reconfiguração das famílias, alteração e transformação do corpo.
Logo, a prática analítica tem de lidar com a os novos reais dos discursos hiper onde o Um-totalmente-só será o padrão pós-humano, nos adianta Miller. Podemos entender esse Um-totalmente-só que vem da alteração dos laços, da sua ruptura, que é a incapacidade, a recusa de consentimento para o outro.
Outro elemento que se liga diretamente para a transformação da ordem simbólica: ao déficit sacar realidade simbólica mais prevaleçe o real: o imperativo Goza, hoje, Consome! Vemos como a cultura não muda porque o avança o saber da ciência, mas porque se produz um novo tipo de gozo.
A desorientação dos sujeitos em quanto o que fazer com o seu gozo, com seus corpos, com seus laços, nos leva a receber queixas novas e é a política do sintoma que nos aproxima desta clínica.
2 As Comunidades do Gozo
À falta do orientador da distribuição dos modos de gozar, esses se misturam e ao mesmo tempo se segregam. Uma maneira comum de ordenamento são os agrupamentos que permitem ao isolamento uma saída alternativa. Deste modo se conseguem conquistas “comuns”, são construidos nomes que amparam, são identificaçoes veículo do laço social. São do tipo horizontal, diferentes daquelas descritos por Freud. São lábil, fracas em geral, que enquanto que incluem, produzem múltiplas segregações ao dissolver as particularidades em favor de um “todos” universal. Lacan sobre a segregação e a ascenção do racismo, disse: “No extravio do nosso gozo, … se agrega a precariedade do nosso modo – que desde agora só se situa no plus de gozar … – como esperar que prossiga aquela humanitarieria de elogios com que se revestiam nossas exaçoes Deus, recuperando assim a força, acabaria por existir…. “[1]
Tais comunidades que vem nessa época no lugar do Outro que não existe, se orientam pelo plus do gozo, proporcionando um espaço de inclusão para os sujeitos desorientados onde aquele aparece como um direito.
O plus de gozar é da ordem da produção industrial, o que se pode opor o objeto a que é o produto singular de uma análise. “o que o plus de gozar materializa é o fracasso do “gozo que faria falta”, ou seja, o adequado, que nos tiraria do gozo pela satisfação. É essa busca do outro gozo que, paradoxalmente, solda o sujeito com o plus de gozar”[2]
Essas comunidades se caracterizam por serem soluções frágeis, precárias. Há uma fraqueza nas classificações que demonstra a debilidade do discurso de hoje. Esta debilidade não é em relação a algo “light” ou líquido, pelo contrário, a psicanálise a revela, com a solidez da concentração da substância gozante. Assim, podemos entender que a crise das normas resulta na crise das classificações.
Comentamos o seguinte caso que ilustra esse ponto. Trata-se de uma mulher que, além de sua prática religiosa em diferentes grupos e função missionária, levando a imagem de uma virgem para as casas que colocam sua fé nela, também tem interesse em participar de grupos sociais de atenção de diferentes tipos de gozo, chamados por ela de “grupos de identidade”. Assim, atendia grupos familiares de alcoólatras, como seu pai era, as mulheres que amam demais, de pais com filhos com problemas de drogas, oficinas de violência doméstica. Ensinavam a ela a estar atenta a possíveis situações da vida de relação afetiva que poderiam afetar sua vida familiar e assim também poderia muito bem ensinar e proteger seus filhos dos perigos potenciais.
3 – A Sociedade Medicalizada
Os laços estreitos entre o discurso da ciência e o discurso capitalista chegaram ao ponto de fazer existir um mercado da ciência convertido em fábrica de doenças para justificar a necessidade das mais variadas práticas terapêuticas e preventivas.
No mesmo movimento a neurologia foi avançando sobre a psiquiatria, as neurociências e psicopatologia geral. O desaparecimento da clínica em prol da Saúde Mental, aparelho burocrático, persegue fins terapêuticos com o corte utilitarista do mercado.[3]
Para o seu sucesso se propõe um ideal de normalidade que pode ser mensurável, observável com as técnicas de avaliação de vários tipos, mas com a mesma base: estatística e/ou biológica. Por isso a criação de normas comuns para todos. A classificação que pode ser aplicada ao universal funciona como um mecanismo de controle social “com o ideal de medicalização geral da existência”[4]
O Estado e seu aparato de saúde monitora a existência dos sujeitos: de que doenças padecem, o que comem, quais são seus costumes, para controlar os corpos de tal modo que agora “a biopolítica é a política.“[5] Pretende-se que os corpos sejam disciplinados, controlados, monitorados o que vai junto ao acesso ilimitado do gozo proposto pelo mercado.
Eric Laurent diz “Hoje, o que temos em comum, não é o laço social, nem político nem religioso, mas o nosso corpo, a nossa biologia, (…) o corpo é o fundamento de uma ciência da felicidade.“[6] Os ideais dessa perfeição geram um impulso à saúde, um imperativo de bem-estar imparável, que é encontrado nas distintas práticas médicas, estéticas, esportiva e até mesmo “espirituais” que desencadeiam consumos incontroláveis.
Desde a psicanálise, embora argumenta-se que o discurso do amo delineia o campo da saúde, existe por outro lado a noção de da saúde antinómica onde o sintoma é a verdade sobre o homem. Singularidade essa que é um obstáculo ao “para todos.”
Em um momento de biologização do que é humano, ainda mais, tecno-biologização do humano, aquele que domonstra mal-estar, se não é localizável, mapeado, medido, comprovado, é marginalizado. Assim, a saúde como direito, a saúde democratizada, encontram sua impossibilidade em sua própria busca..
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Desejo Medicalizado
Enquanto interpretávamos as condições atuais da sociedade e do mercado, em nossas discussões encontramos a possibilidade de pensar o “desejo medicalizado” de maneiras diferentes, seja porque em qualquer caso seria a medicalização frente à invasão do gozo, ou porque responderia à ilusão de uma fábrica de afetos ou humores, ignorando as raízes fantasmagóricas de cada caso.
Medicalizar, segundo Maria Moliner (Dicionário da Língua) é “que venha a prevalecer a importância do médico em alguma coisa, por exemplo: a sociedade se medicaliza”.
Apelamos a Lacan que fala sobre o lugar da psicanálise na medicina: “Atualmente, este lugar é marginal e, como tenho escrito mais uma vez, extraterritorial. {…}” Psicanálise e Medicina. Lacan, J. p.86 Intervenção e textos 1
Sabemos que neste momento a psicanálise deixou aquele lugar para entrar com plenos direitos para o social, marcando sua diferença radical de outros campos. Lacan diz que o médico tornou-se para o mundo científico, o seu instrumento distribuidor de todos os novos agentes terapêuticos, químicos ou biológicos. Se você responder com rapidez a essa demanda, o médico põe a perder sua função mais importante, ser ele próprio a medicina do doente.
Encontramos hoje a presença do médico preso à recusa de reconhecer o desejo que a demanda do paciente veicula. A este respeito diz Lacan aos médicos: “Deixe-me delimitar melhor como falha epistemo-somática, o efeito que terá o progresso da ciência sobre a relação da medicina com o corpo. {…} Um corpo é feito para gozar de si mesmo. A dimensão do gozo está excluída totalmente do que eu chamei de relação epistemo-somática.. Bem, a ciência não é incapaz de saber o que pode; mas ela, como o sujeito que gera, não pode saber o que ele quer.” Página 92 (Psicanálise e Medicina). A teoria psicanalítica chega a tempo com Freud e certamente não por acaso, no momento da entrada no jogo da ciência.
Lacan se pergunta: o que poderá opor o médico aos imperativos que o converterão no empregado dessa empresa universal da produtividade? Vemos como absolutamente mudou a sua função de considerar as demandas do paciente, onde ele ocupa um lugar de suposição de saber o que poderá usar para capturar o que é essa demanda exatamente uma vez que se trate do gozo do corpo.
Neste contexto, e fazendo uma leitura do que encontramos em nossa prática, é que consideramos o seguinte para localizar do que se trata o desejo medicalizado
– Medicalização é a tendência do mercado, que se oferece como uma promessa de felicidade. Já existia em uma época anterior, acontece que a aceleração da produção dos “objetos da ciência” que servem para o corpo, ainda mais com o instrumento de publicidade, vende a promessa com diferentes nomes no mercado e instala a demanda nos sujeitos – não necessariamente doentes – ainda para saber como previnir o impossível.
– O corpo que goza, tão medicalizado é o corpo que não fala e ao qual lhe amordaçaram a palavra com químicos, próteses, etc.
– O desejo-medicalizado, entendemos também que é uma resposta à existência de alguns sujeitos, que obstruídos com as propostas da ciência poden encontrar alí uma resposta à sua questão da existência e mais, a dor da existência. Isso nos apresenta a uma dissociação entre o sujeito e o objeto, fazendo do sujeito, objeto.
-Hipótese:
– A medicalização do desejo visa normalizar o sujeito. Esta época em que constatamos a falha da norma edípica é um caminho para o acesso do sujeito ao vivo do gozo. Paradoxalmente alcançar o vivo pode se transformar em um incentivo imparável ao consumo.
– Haveria um empurre positivo do gozo, onde o desejo é a defesa. Para o sujeito separado do Outro se faz possível um laço, assim como pode ser uma condição de ingresso ao social para alguns. Estamos no campo do sentimento delirante da vida.
– Faz funcionar um “desejo”, onde não existe nenhum. Um artifício produzido por um objeto (medicamentos, cirurgias, próteses, aparatos para o mapeamento do mais impensado do corpo, receitas de vida). Aqui nós temos o outro lado do consumo em que constatamos, como muito sujeitos, para gozar dos objetos, precisam de substâncias viciantes que o mercado fornece ilegalmente e cuja distribuição o Estado combate. Uma espiral infernal.
– Usado desta forma é um véu ao desejo do sujeito, ao contrário da promessa, não fabrica o próprio, mas o esconde com um véu.
– Desejo medicalizado é um nome que designa a parte do real ou do gozo em nosso tempo. O articulador em vez de ser o falo, é o corpo. Isto é o que nos coloca na época “ordinaria”. O falo como significado universal do gozo, marca a separação entre linguagem e o real. Ao não governar o S1 fálico na época do domínio do objeto, aquele que representa a relação da linguagem com o real, deve haver outra coisa que faça para introduzir os sujeitos no discursivo, e hoje, é o corpo. O Outro do gozo é o corpo.
Tensões Que Levanta a Psicanálise
A psicanálise nasceu como uma resposta ao mal estar da época, e Lacan veio para implementar no seu ensino que o psicanalista é o guardião da realidade coletiva, embora esta sequer esteja dentro de sua competência. Enquanto estabelece o fantasma particular como a realidade psíquica, existe uma função que define a incidência da introdução do simbólico na relação dual. Assim entendemos a função de guardião, anunciado em 1966.
Seu ensino nos permitiu localizar o desejo como o desejo do Outro, enquanto o fantasma como resposta à pergunta sobre o desejo do Outro. A libido foi para o simbólico com o nome de desejo e o falo como seu significante. No seu última ensinamento, o desejo permanece no campo simbólico, não sem relação ao gozo, que não entra em relação ao outro, e que está fixada a libido, oposta à mobilidade do desejo. A pulsão diz respeito ao corpo gozante, o desejo ao corpo mortificado.
O princípio ético e político da psicanálise de orientação lacaniana exclui a noção do êxito, não repousa sobre aquele que marcha, como ocorre nas práticas sugestivas, mas sobre o isso falha. Nossa direção não deve ser a rejeição ao saber real da ciência, o que levaria a manobras intermináveis de psi. Admitir que há saber no real, mas, ao mesmo tempo, propone proponer que neste conhecimento há um buraco, que a sexualidade esburaca este conhecimento.[7]
Num mundo em que tudo gira em torno do significante “utilidade”, a psicanálise se oferece como uma ferramenta útil com a política da psicanálise que segue a bússola da singularidade do sintoma. No campo dos “direito à saúde”, o desconforto persiste, assim como o inconsciente. Por isso, ainda existem os psicanalistas.
O que se propõe para esta fratura que põe a nu a fragilidade, da fraqueza do mundo, da ordem simbólica e não assegurado?
- Capta o buraco, um pedaço do real e constrói sua borda. Então, devemos interpretar a civilização, a sociedade, a época.
- Se interpretada, deve encontrar a forma que o seu dizer incida: esclarecer, advertir e adiantar perspectivas.
- Propõe uma maneira de entender e fazer com a fragilidade, com a desorientação não só para cada sujeito, também para as comunidades.
Dada a nova aliança entre o mercado e a ciência, a psicanálise levanta algumas tensões:
- A singularidade do sintoma é o que faz o laço com o discurso, em contraposição ao desejo medicalizado. Esse só pretende fazer entrar na norma universal.
- Faz uso da política do sintoma para conversar com outros discursos.
- Transfere o objeto do fantasma para a causa da psicanálise, tendo como produto o analista e o desejo do analista.
* Compiladoras e redatoras de pesquisa
- Lacan, Jacques. “Televisão” em “Outros Escritos”, p.560
- LasagnaPhilippe “Plus de Gozar” in scilicet “A ordem simbólica não é mais o que era”
- Eric Laurent “O Delírio da Normalidade”
- JAM “Uma Fantasia”
- Eric Laurent “Eu não quero ser aquele louco” Page 12
- Eric Laurent “Nós transformamos o corpo humano em um novo deus”
- Miller, JA. “Uma Fantasia”.