(1966) De nossos antecedentes. Jorge Zahar Ed., Rio de Janeiro, 1998. p. 70; p. 72; p. 73; p. 74-75

“Assim, não equivale a ceder a um efeito de perspectiva ver aqui este primeiro delineamento do imaginário, cujas letras, associadas às do simbólico e do real, viriam adornar, muito mais tarde, pouco antes do discurso de Roma, os vasos para sempre vazios, por serem todos igualmente simbólicos, com que faríamos nossa teriaga para resolver os embaraços da cogitação analítica”. p. 72

(1956) O seminário sobre “A carta roubada”. Jorge Zahar Ed., Rio de Janeiro, 1998. p. 13; p. 21; p. 34; p. 35; p. 37-38; p. 44; p. 45; p.55; p. 56; p. 57-58; p. 60; p. 63

“Decerto sabemos da importância das impregnações imaginárias (Prägung) nas parcializações da alternativa simbólica que dão à cadeia significante seu aspecto. Mas nós estabelecemos que é a lei própria a essa cadeia que rege os efeitos psicanalíticos determinantes para o sujeito, tais como a forclusão (Verwerfung), o recalque (Verdrängung) e a própria denegação (Verneinung) -, acentuando com a ênfase que convém que esses efeitos seguem tão fielmente o deslocamento (Entstellung) do significante que os fatores imaginários, apesar de sua inércia, neles não figuram senão como sombras e reflexos”. p. 13

(1936) Para-além do “Princípio de realidade”. Jorge Zahar Ed., Rio de Janeiro, 1998. p. 81-82; p. 84-85; p. 87-88; p. 89; p. 91-93; p. 94; p. 95

“Assim é a descrição fenomenológica que podemos dar do que se passa na série de experiências que compõem uma psicanálise. Trabalho de ilusionista, poderia se dizer se não tivesse como fruto justamente resolver uma ilusão. Sua ação terapêutica, ao contrário, deve ser essencialmente definida como um duplo movimento pelo qual a imagem, a princípio difusa e fragmentada, é regressivamente assimilada ao real, para ser progressivamente desassimilada do real, isto é, restaurada em sua realidade própria”. p. 89

(1948) A agressividade em psicanálise. Jorge Zahar Ed., Rio de Janeiro, 1998. p. 106; p. 107; p. 108; p. 110; p. 112; p. 114-119; p. 122

“Mais uma vez, repetimos essa imago só se revela desde que nossa atitude ofereça ao sujeito o espelho puro de uma superfície sem acidentes”. p. 112

(1949) O estádio do espelho como formador da função do eu. Jorge Zahar.

Ed., Rio de Janeiro, 1998. p. 96-97; p. 98; p. 99; p. 100-101; p. 102; p. 103

“Basta compreender o estádio do espelho como uma identificação, no sentido pleno que a análise atribui a esse termo, ou seja, a transformação produzida no sujeito quando ele assume uma imagem – cuja predestinação para esse efeito de fase é suficientemente indicada pelo uso, na teoria, do antigo termo imago”. p. 97

(1946) Formulações sobre a causalidade psíquica. Jorge Zahar Ed., Rio de Janeiro, 1998. p. 164-165; p. 172-173; p. 174; p. 176; p. 177; p. 179-194

“Funda-a uma forma de causalidade que é a própria causalidade psíquica – a identificação, que é um fenômeno irredutível -, e a imago é a forma definível, no complexo espaço-temporal imaginário, que tem por função realizar a identificação resolutiva de uma fase psíquica, ou, em outras palavras, uma metamorfose das relações do indivíduo com seu semelhante”. p. 189

(1945) O tempo lógico e a asserção de certeza antecipada. Jorge Zahar Ed., Rio de Janeiro, 1998. p. 199; p. 208

“Da mesma forma que, para efetivamente recordá-lo, o [eu] psicológico destaca-se de um transitivismo especular indeterminado, pela contribuição de uma tendência despertada como ciúme, o [eu] de que se trata aqui se define pela subjetivação de uma concorrência com o outro na função do tempo lógico”. p. 208

(1950) Introdução teórica às funções da psicanálise em criminologia. Jorge Zahar Ed., Rio de Janeiro, 1998. p. 128; p. 135; p. 138; p. 143; p. 144-145; p.148; p. 150-151

“Pela confissão que recebemos do neurótico ou do perverso sobre o gozo inefável que eles obtêm ao se perderem na imagem fascinante, podemos avaliar o poder de um hedonismo que nos introduzirá nas relações ambíguas da realidade com o prazer. Se, ao nos referirmos a esses dois grandes princípios, descrevemos o sentido de um desenvolvimento normativo, como não ser captados pela importância das funções fantasísticas nos motivos desse progresso, e quão cativa permanece a vida humana da ilusão narcísica que sabemos tecer suas coordenadas mais ‘reais’”. p. 150-151

(1953) Função e campo da fala e da linguagem em psicanálise. Jorge Zahar Ed., Rio de Janeiro, 1998. p.250-251; p. 261; 263; 281; 291; 302; 303; 310; 320

“[…] O sujeito não se empenha neste numa despossessão cada vez maior do ser de si mesmo, o qual – em virtude de pinturas sinceras, que nem por isso tornam menos incoerente a ideia, de retificações que não conseguem destacar sua essência, de apoio se defesas que não impedem sua estátua de vacilar, de abraços narcísicos que constituem um sopro de animação – ele acaba reconhecendo que nunca foi senão um ser de sua obra no imaginário, e que essa obra desengana nele qualquer certeza”. p. 250-251

(1955) Variantes do tratamento padrão. Jorge Zahar Ed., Rio de Janeiro, 1998. p. 348; 351; 359; 362

“A condição imaginária em que desemboca o capítulo precedente só deve ser compreendida como condição ideal. Mas, se fica entendido que pertencer ao imaginário não quer dizer que ela seja ilusória, digamos que ser tomada por ideal nem por isso a torna mais irreal. É que um ponto ideal, ou uma solução que em matemática se diz “imaginaria”, ao darem o pivô de transformação, o  no de convergência de figuras ou funções inteiramente determinadas no real, efetivamente são uma parte integrante dele”.  p. 351 – 352

“Mas, além de os efeitos de captura do imaginário serem extremamente difíceis de objetivar num discurso verdadeiro, ao qual eles opõem no cotidiano o obstáculo maior – o que ameaça constantemente a análise de constituir uma ciência ruim, na incerteza em que ela fica dos limites deles no real -, essa ciência, mesmo a se supô-la correta, é apenas de um recurso enganador na ação do analista, pois considera apenas o que foi depositado, e não o que lhes serve de mola”. p. 359

(1954) Introdução ao comentário de Jean Hyppolite. Jorge Zahar Ed., Rio de Janeiro, 1998. p.376

“Mas, fica a critério de vocês fazê-lo entender isso, interpelando- o no lugar imaginário em que ele se situa: isso se dará conforme vocês possam ou não ligar o gracejo dele ao ponto de seu discurso em que sua fala houver topado”. p.376

(1954) Reposta ao comentário de Jean Hyppolite sobre a ‘verneinung’ de Freud. Jorge Zahar Ed., Rio de Janeiro, 1998. p.385;393;394

“Poderíamos dizer que o sentimento do deja vu vem ao encontro da alucinação errática, que é o eco imaginário que surge como resposta a um ponto da realidade que pertence ao limite onde ele foi suprimido do simbólico”. p. 393

(1953) A coisa freudiana. Jorge Zahar Ed., Rio de Janeiro, 1998. p.431; 435

“Haveremos nós de tirar o corpo fora do jogo simbólico por cujo meio o erro real paga o preço da tentação imaginária? Haveremos de desviar nosso estudo do que acontece com a lei – quando, por ela ter sido intolerável para uma fidelidade do sujeito, foi desconhecida por ele já quando ainda era ignorada – e com o imperativo, se, por este ter-lhe sido apresentado na impostura, foi recusado em seu foro íntimo antes de ser discernido? – ou seja, haveremos nós de desviá-lo das molas que, na malha rompida da cadeia simbólica, fazem emergir do imaginário a figura obscena e feroz em que se ha de ver a verdadeira significação do supereu?” p. 435

(1956) Situação da psicanálise e formação do psicanalista em 1956. Jorge Zahar Ed., Rio de Janeiro, 1998. p. 464; p. 465; p.466; p. 467; p. 478; p. 479; p. 493

“[…] ao insistir em que a análise da neurose fosse sempre reconduzida ao nó do Édipo, ele não almejou outra coisa senão garantir o imaginário em sua concatenação simbólica” p. 466

(1957) A psicanálise e seu ensino. Jorge Zahar Ed., Rio de Janeiro, 1998. p. 438; p. 439; p. 444; p. 449; p. 452; p. 453; p. 454; p.456

“[…] é um erro tomar essa respostas como simplesmente ilusórias. Elas nem sequer são imaginárias, a não ser na medida em que a verdade faz surgir alo sua estrutura de ficção”. p. 452

(1957) A instância da letra no inconsciente ou a razão desde Freud. Jorge Zahar Ed., Rio de Janeiro, 1998. p. 517; p. 524

“Foi assim que Freud fez o eu entrar em sua doutrina. definindo-o pelas resistências que lhe são próprias. Que elas são de natureza imaginária, no sentido dos engodos coaptativos, que a etologia nos demonstra nas condutas animais da exibição e da luta, é o que tenho me empenhado em fazer apreender, no tocante àquilo a que esses engodos se reduzem no homem, ou seja, à relação narcísica introduzida por Freud e tal como elaborei no estádio do espelho”. p. 524

(1957 – 1958) De uma questão preliminar a todo tratamento possível da psicose. Jorge Zahar Ed., Rio de Janeiro, 1998. p. 550; p. 552 – 553; p. 554; p. 558; p. 559; p. 560; p. 561; p. 563; p. 570; p. 571; p. 572-573; p. 574; p. 575; p. 577; p. 578; p. 579; p, 580; p. 584; p. 585

“[…] a relação polar pela qual a imagem especular (da relação narcísica) se liga, como unificadora, ao chamado conjunto de elementos imaginários do corpo dito despedaçado fornece um par, que não é preparado apenas por uma conveniência natural de desenvolvimento e de estrutura para servir de homólogo à relação simbólica Mãe-Criança. O par imaginário do estádio do espelho, pelo que manifesta de contranatureza, se convém relacioná-lo com uma prematuração específica do nascimento no homem, mostra-se apropriado para dar ao triângulo imaginário uma base que a relação simbólica possa de alguma forma abarcar”. p. 558

(1958) A direção do tratamento e os princípios de seu poder. Jorge Zahar Ed., Rio de Janeiro, 1998. p. 599; p. 614; p. 620; p. 636; p. 643; p. 645

“Sendo desconhecida, não sem motivo, a natureza da incorporação simbólica, e não havendo possibilidade de que se consuma seja o que for de real na análise, evidencia-se, pelas balizas elementares de meu ensino, que nada mais pode ser reconhecido senão de imaginário naquilo que se produz”. p. 614

(1958) A significação do falo. Jorge Zahar Ed., Rio de Janeiro, 1998. p. 693; p. 696

“[… ] Sabemos que Freud especifica com esse termo a primeira maturação genital – como aquilo que se caracterizaria, por um lado, pela dominância imaginária do atributo fálico e pelo gozo masturbatório […]”. p. 693

(1959) À memória de Ernest Jones: Sobre sua teoria do simbolismo. Jorge Zahar Ed., Rio de Janeiro, 1998.

“[…] o indivíduo humano não deixa de apresentar uma certa complacência com esse despedaçamento de suas imagens – e a bipolaridade do autismo corporal favorecido pelo privilégio da imagem especular, dado biológico, se prestará singularmente a que essa implicação de seu desejo no significante assuma a forma narcísica”. p. 718

(1960) Observação sobre o relatório de Daniel Lagache: “Psicanálise e estrutura da personalidade”. Jorge Zahar Ed., Rio de Janeiro, 1998. p. 661; p. 662; p. 675; p. 677; p. 679 – 686; p. 688

“Seria um erro acreditarmos que o Outro maiúsculo do discurso possa estar ausente de alguma distância tomada pelo sujeito em sua relação com o outro, que se opõe a ele como o pequeno outro, por ser o da díade imaginária”. p. 685

(1966) De um silabário a posteriori. Jorge Zahar Ed., Rio de Janeiro, 1998. p. 727; p. 728; p. 729; p. 731

“A resistência de que falamos está no imaginário. E é por ter-lhe dado no estádio do espelho, desde nossos primeiros passos na psicanálise, seu status, que pudemos depois dar corretamente ao simbolismo seu lugar.

É do imaginário, com efeito, isso é sabido desde sempre, que provêm as confusões no simbólico, mas o erro, não menos secular, está em querer remediar isso através de uma crítica da representação, quando o imaginário continua preponderante nela. É disso mesmo que Jones permanece tributário: ao definir o símbolo como “ideia” do concreto, ele já consiste em que este seja mais que uma figura. Seu preconceito é baconiano. Recebemos sua marca na escola, onde nos ensinam que a vertente decisiva da ciência é o recurso ao sensorium, qualificado de experimental.

Não se trata, de modo algum, de que o imaginário seja para nós o ilusório. Muito pelo contrário, nós lhe damos sua função de real ao baseá-lo no biológico: ou seja, vimos isso anteriormente no IRM, efeito inato da imago, manifesto em todas as formas de exibição.” p. 731

(1958) Juventude de Gide ou a letra e o desejo. Jorge Zahar Ed., Rio de Janeiro, 1998. p. 752; p. 761; p. 762; p. 763-764; p, 765; p. 766; p. 768; p. 771; p. 774; p. 775.

“Nesse terreno, Jean Delay soube permanecer na construção de André Gide a peça essencial, aquela pela qual a fabricação da máscara, aberta a um desdobramento cuja repercussão ao infinito enfraquece a imagem de André Walter (primeiro dos dois volumes), encontra dimensão da persona em que se converte André Gide, para que ele nos faça entender que não está em outro lugar senão nessa máscara que se oferece a nós o segredo do desejo e com este, o segredo de toda nobreza.” p. 768

(1963) Kant com Sade. Jorge Zahar Ed., Rio de Janeiro, 1998. p. 777-78; p. 780; p. 781; p. 782; p. 783; p. 784; p. 786-787; p. 789; p. 791; p. 792; p. 793; p. 796; p.797; p.798; p. 799; p. 801; p. 803

“O direito ao gozo, se fosse reconhecido, relegaria a uma era desde então caduca a dominação do princípio do prazer”. Ao enunciá-lo, Sade faz com que se insinue para todos, por uma fresta imperceptível, o antigo eixo da ética: que não é outro senão o egoísmo da felicidade. À qual não se pode dizer que qualquer referência esteja extinta em Kant, pela própria familiaridade com que ela lhe faz companhia e, mais ainda, pelos rebentos que dela captamos nas exigências com que ele argumenta igualmente a favor de uma recompensa no para-além e de um progresso cá embaixo. Vislumbre-se outra felicidade, cujo nome dissemos no princípio, e o status do desejo se altera, impondo seu reexame.” p. 798

(1966) Do sujeito enfim em questão. Jorge Zahar Ed., Rio de Janeiro, 1998.

Neste texto não se encontra a referência ao imaginário

(1965/1966) De um desígnio. Jorge Zahar Ed., Rio de Janeiro, 1998.

Neste texto não se encontra a referência ao imaginário.

(1960) Posição do Inconsciente. Jorge Zahar Ed., Rio de Janeiro, 1998. p. 846; p. 861

“A única função homogênea da consciência está na captura imaginária do eu por seu reflexo especular e na função de desconhecimento que lhe permanece ligada”. p. 846

(1964) Da “Trieb” de Freud e do desejo do psicanalista. Jorge Zahar Ed., Rio de Janeiro, 1998.

Neste texto não se encontra a referência ao imaginário

Abertura do Seminário

Consideremos agora a noção de sujeito. Quando se a introduz, introduz-se a si mesmo. O homem que lhes fala é um homem como os outros – serve-se da má linguagem. Si mesmo está, pois, em causa.

Assim, desde a origem, Freud sabe que só fará progressos na análise das neuroses se analisar.

A importância crescente hoje atribuída à contratransferência significa o reconhecimento do fato de que na análise não há somente o paciente. Se é dois – e não apenas dois.

Fenomenologicamente, a situação analítica é uma estrutura; isto quer dizer que, só através dela, certos fenômenos são isoláveis, separáveis. É uma outra estrutura, a da subjetividade, que dá aos homens a idéia de que são compreensíveis para si mesmos.” p.10/11.

***

“Freud introduziu o determinismo próprio a essa estrutura. Daí a ambigüidade que se encontra em todo lugar na sua obra. Por exemplo, o sonho é desejo ou reconhecimento de desejo? Ou ainda, o ego é por um lado como um ovo vazio, diferenciado na sua superfície pelo contato com o mundo da percepção, mas é também, cada vez que o encontramos, aquele que diz não ou eu, que diz a gente, que fala dos outros, que se exprime nos diferentes registros. (…)

O superego é uma lei desprovida de sentido, mas que, entretanto,

só se sustenta da linguagem. Se eu digo virarás à direita, é para permitir ao outro ajustar a sua linguagem à minha. Penso no que se passa na cabeça dele no momento em que lhe falo. Esse esforço para chegar a um acordo constitui a comunicação própria à linguagem. Esse tu é tão fundamental que intervém antes da consciência. A censura, por exemplo, que é intencional, age, contudo antes da consciência, funciona com vigilância. Tu

não é um sinal, mas uma referência ao outro, é ordem e amor.

Igualmente, o ideal do eu é um organismo de defesa perpetuado pelo eu para prolongar a satisfação do sujeito. Mas é também a função mais deprimente, no sentido psiquiátrico do termo.

O id não é redutível a um puro dado objetivo, às pulsões do sujeito. Nunca uma análise chegou a determinar uma taxa de agressividade ou de erotismo. O ponto a que conduz o progresso da análise, o ponto extremo da dialética do reconhecimento existencial, é – Tu és isto. Esse ideal nunca é de fato atingido.” p.11.

Parte 2. Capítulo I.

“A inter-reação imaginária entre o analisado e o analista é portanto algo que teremos de levar em conta. (…) Mas será suficiente dizer que se trata de uma relação entre dois indivíduos? Será por aí que se podem perceber os impasses para onde são atualmente levadas as teorias da técnica.

Por enquanto, não posso lhes dizer mais sobre isso – ainda que, para aqueles que são aqui frequentadores deste seminário, deva-se entender que não há uma two bodies’ psychology, sem que intervenha um terceiro elemento. “Se a palavra é tomada como ela deve ser, como ponto central de perspectiva, é numa relação a três, e não numa relação a dois, que se deve formular, na sua completude, a experiência analítica.” p.20.

Parte 3. Capítulo I.

“(…) o fato de que o sujeito revive, rememora, no sentido intuitivo da palavra, os eventos formadores da sua existência, não é, em si mesmo, tão importante. O que conta é o que ele disso reconstrói.” p. 22.

***

“Será que vocês percebem aonde chegamos? Chegamos à concepção do próprio Freud, à ideia de que se trata da leitura, da tradução qualificada, experimentada, do criptograma que representa o que o sujeito possui atualmente na sua consciência – o que é que vou dizer? dele mesmo? não, não somente dele mesmo – dele mesmo e de tudo, isto é, do conjunto do seu sistema.” p.22.

Parte 4. Capítulo I.

“Alguns tomam com efeito a análise por uma espécie de descarga homeopática, pelo sujeito, da sua apreensão fantasiada do mundo. Segundo eles, essa apreensão fantasiada deve, pouco a pouco, no interior da experiência atual que ocorre no consultório, reduzir-se, transformar-se, equilibrar-se, numa certa relação ao real. Aí se coloca o acento, como vocês vêem, bem alhures do que em Freud, sobre a transformação da relação fantasiada numa relação que chamamos, sem procurar ir mais longe, de real.” p.23.

Como é que a prática que foi instituída por Freud chegou a se transformar num manejo da relação analista-analisado no sentido que acabo de lhes dizer? (…)

Esta transformação é devida à maneira pela qual foram acolhidas, adotadas, manejadas, as noções que Freud introduziu no período imediatamente ulterior ao dos Escritos Técnicos, a saber, as três instâncias. Das três a que ganhou primeira importância foi o ego. “É em torno da concepção do ego que gira desde então, todo o desenvolvimento da técnica analítica, e é aí que é preciso situar a causa de todas as dificuldades que a elaboração teórica desse desenvolvimento prático coloca.” p.24.

***

“A técnica só vale, só pode valer na medida em que compreendemos onde está a questão fundamental para o analista que a adota”. Bem, observemos inicialmente que ouvimos falar do ego como sendo o aliado do analista, e não somente o aliado, mas a única fonte de conhecimento. Só conhecemos o ego, escreve-se correntemente. Anna Freud, o Sr. Fenichel, quase todos os que escreveram sobre a análise desde 1920, repetem – Só nos endereçamos ao eu, só temos comunicação com o eu, tudo deve passar pelo eu.

Por outro lado, ao contrário, todo o progresso dessa psicologia do eu pode resumir-se nestes termos – o eu está estruturado exatamente como um sintoma. No interior do sujeito, não é senão um sintoma privilegiado. É o sintoma humano por excelência, é a doença mental do homem.” p.25.

***

“O que é que é o ego? Em que, o sujeito, estará ele preso, que é afora o sentido das palavras, bem outra coisa – a linguagem, cujo papel é formador, fundamental na sua história.” p.26.

Parte 5. Capítulo I.

“O absurdo fundamental do comportamento” inter-humano só é compreensível em função desse sistema (…) que se chama o eu humano, a saber, esta série de defesas, de negações, de barragens, de inibições, de fantasias fundamentais, que orientam e dirigem o sujeito. Bem, nossa concepção de teórica da nossa técnica, mesmo que não coincida exatamente com o que fazemos, nem por isso estrutura, motiva menos a menor das nossas intervenções junto dos ditos pacientes.

E é mesmo isso que há de grave. Porque nos permitimos efetivamente – como a análise nos revelou que nós nos permitimos as coisas, sem o saber – fazer intervir o nosso ego na análise. Já que se sustenta que se trata de obter uma readaptação do paciente ao real, seria preciso pelo menos saber se é o ego do analista que dá a medida do real.

Certamente, não basta que tenhamos uma certa concepção do ego para que nosso ego entre em jogo como um rinoceronte na cristaleira de nossa relação com o paciente. Mas uma certa maneira de conceber a função do ego na análise não deixa de ter relação com uma certa prática da análise que se pode qualificar de nefasta.” p.27.

Parte 4. Capítulo II.

“E, desde a origem, desde as primeiras pesquisas de Freud, a resistência está ligada à noção do ego”. Mas, quando lemos no texto dos Studien certas frases surpreendentes, onde se trata não somente do ego como tal, mas do ego como representando a massa ideacional, apercebemo-nos de que a noção de ego já deixa pressentir, em Freud, todos os problemas que ela nos põe agora. Diria quase que é uma noção de efeito retroativo. Se lermos essas coisas primeiras, à luz do que se desenvolveu desde então em torno do ego, parece mesmo que as mais recentes formulações mascaram mais do que colocam em evidência.

Vocês não podem deixar de ver, nessa fórmula, a massa ideacional, algo que se avizinha singularmente da fórmula que pude lhes dar, isto é, que a contratransferência nada mais é do que a função do ego do analista, o que chamei a soma dos preconceitos do analista. Do mesmo modo, encontramos no paciente toda uma organização de certezas, de crenças, de coordenadas, de referências que constituem, para falar propriamente, o que Freud chamava, desde a origem, um sistema ideacional, e que podemos de maneira abreviada chamar aqui o sistema.

Será que a resistência vem unicamente daí? Quando, no limite desse domínio da palavra, que é justamente a massa ideacional do eu, representava para vocês a soma do silêncio após o qual uma outra palavra reaparece, aquela que se trata de reconquistar no inconsciente, por ser a parte do sujeito separada da sua história – estará aí a resistência? Será, sim ou não, pura e simplesmente, a organização do eu que, enquanto tal, constitui a resistência? Será isso que cria a dificuldade do acesso ao conteúdo do inconsciente no sentido radial – para empregar o termo de Freud? “Eis uma questão muito simples, simples demais, como tal insolúvel.” p.33/34.

Parte 5. Capítulo II.

“Estamos aí para ver o que significa a evocação da noção de ego do começo ao fim da obra de Freud. É impossível compreender o que representa esta noção tal como ela começou a surgir com os trabalhos de 1920, com os estudos sobre a Psicologia de grupo e Das Ich und das Es, se começarmos a enfiar tudo numa soma geral, sob pretexto de que se trata de apreender uma certa vertente do psiquismo. O ego, na obra de Freud, não é isso de jeito algum. Isso tem um papel funcional, ligado a necessidades técnicas.” p.35.

Parte 1. Capítulo III.

“Nunca se disse que o analista não deve ter sentimentos em relação ao seu paciente. Mas deve saber não apenas não ceder a eles, colocá-los no seu devido lugar, mas servir-se deles adequadamente na sua técnica.” p.43.

***

[Lacan faz uma crítica à direção do tratamento evidenciada em um caso de Annie Reich]

“O analista se acredita aqui autorizado a fazer o que chamarei uma interpretação ego para ego, ou de igual para igual – permitam-me o trocadilho – dito de outra forma, uma interpretação cujo fundamento e mecanismo não podem ser distinguidos em nada do da projeção.

Quando digo projeção, não digo projeção errada. Entendam bem o que estou lhes explicando. Há uma fórmula que, antes de ser analista, eu tinha – com os meus fracos dons psicológicos (…) – Os sentimentos são sempre recíprocos. É absolutamente verdadeiro, apesar da aparência. Desde que se coloque em campo dois sujeitos – digo dois, não três – os sentimentos são sempre recíprocos.” p.44.

***

“Essa interpretação da defesa, que eu chamo de ego a ego, convém, seja qual for o seu valor eventual, abster-se dela. É preciso que haja pelo menos, um terceiro termo nas interpretações da defesa.” p.45.

Parte 2. Capítulo III.

“Isso nos permite evocar um certo número de problemas, em particular este, que Anzieu mencionou há pouco – essa resistência, de onde provém ela? Vimos que não há texto nos Studien über Hysterie que permita considerar que, como tal, ela provenha do eu. Nada indica tampouco na Traumdeutung que ela venha do processo secundário – cuja introdução é uma etapa tão importante no pensamento de Freud. Quando chegamos aos anos 1915, em que Freud publica Die Verdrängung, primeiro estudo a aparecer entre os que serão ulteriormente reagrupados nos escritos metapsicológicos, a resistência é certamente concebida como algo que se produz do lado do consciente, mas cuja identidade é essencialmente regulada pela sua distância, Entfernung, em relação àquilo que foi originalmente recalcado. Portanto, a ligação da resistência com o conteúdo do próprio inconsciente, ainda é aí extremamente sensível. Isso permanece assim até uma época mais tardia do que a desse artigo, que faz parte do período médio da evolução de Freud.” p.46.

Capítulo IV.

[Lacan cita e comenta trecho de Estudos sobre a histeria acerca da relação entre resistência e transferência]

Estudemos um complexo patógeno às vezes muito aparente e às vezes quase imperceptível … Traduzirei antes por – ou bem aparente como um sintoma, ou bem impossível de apreender, não-manifesto – porque se trata da maneira pela qual o complexo se traduz, e é da tradução do complexo que se diz que ela é aparente ou que ela é imperceptível. Não é mais a mesma coisa que dizer que o próprio complexo o é. Existe na tradução francesa um deslocamento que basta para produzir uma flutuação. Eu continuo – … desde a sua manifestação no consciente até as suas raízes no inconsciente, chegamos logo a uma região em que a resistência se faz sentir tão nitidamente que a associação que surge então leva a sua marca – dessa resistência – e nos aparece como um compromisso entre as exigências dessa resistência e a do trabalho de investigação. Não é propriamente a associação que surge é nächste Einfall, a mais próxima, a próxima associação, mas enfim, o sentido é conservado. A experiência – aí está o ponto capital – mostra que é aqui que surge a transferência. Quando alguma coisa, entre os elementos do complexo (no conteúdo deste) é susceptível de se reportar à pessoa do médico, a transferência fornece a ideia seguinte e se manifesta sob a forma de uma resistência, de uma parada das associações por exemplo. Tais experiências nos ensinam que a ideia de transferência chegou a deslizar de preferência a todas as outras associações passíveis até o consciente, justamente porque ela satisfaz a resistência. Esta última parte de frase é sublinhada por Freud. Um fato desse gênero se reproduz um número incalculável de vezes, ao longo de uma psicanálise. Todas as vezes que nos aproximamos de um complexo patógeno, é antes a parte complexa que pode se converter em transferência que é empurrada em direção ao consciente e que o paciente se obstina em defender com a maior tenacidade.

Os elementos desse parágrafo que merecem destaque são estes. Inicialmente, logo chegamos a uma região em que a resistência se faz sentir com nitidez. Essa resistência emana do processo mesmo do discurso, da sua aproximação, se é que posso dizer isso. Em segundo lugar, a experiência mostra que é aqui que surge a transferência. Em terceiro lugar, a transferência se produz justamente porque satisfaz à resistência. Em quarto lugar, um fato desse gênero se reproduz um número incalculável de vezes ao logo de uma psicanálise. Trata-se de um fenômeno sensível na análise. E essa parte do complexo que se manifestou sob a forma transferência é empurrada para o consciente neste momento. O paciente obstina-se em defendê-lo com a maior tenacidade. (…) Essa nota recorta uma indicação que emana de outro texto de Freud – Quando o paciente se cala, há todas as chances de que essa parada no seu discurso seja devida a algum pensamento que se relaciona ao analista. (…)

No momento em que ele [o analisante] parece pronto para formular alguma coisa de mais autêntico, de mais quente do que jamais pôde atingir até então, o sujeito, em certos casos, se interrompe e emite um enunciado que pode ser este: Eu realizo de repente o fato da sua presença. (…)

Esse fenômeno se estabelece em conexão com a manifestação concreta da resistência que intervém no próprio tecido da nossa experiência, em função da transferência. Se ele adquire valor seletivo, é que o próprio sujeito sente então, como uma brusca virada, uma vira-volta súbita que o faz passar de uma vertente a outra do discurso, de um acento a outro da função da palavra”. p.51/52/53.

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“(…) a resistência é um fenômeno que Freud localiza na experiência analítica”. (…)

É no movimento através do qual o sujeito se revela, que aparece um fenômeno que é resistência. “Quando essa resistência se torna muito forte, surge a transferência.” p.53.

 

 

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“Eis-nos diante de um fenômeno onde apreendemos um nó nesse progresso, uma conexão, uma pressão original, ou antes, para falar propriamente, uma resistência. Vemos, num certo ponto dessa resistência,

produzir-se o que Freud chama a transferência, quer dizer, aqui, a atualização da pessoa do analista. Extraindo-a da minha experiência, eu lhes disse há pouco que no ponto mais sensível, parece-me, e mais significativo do fenômeno, o sujeito a sente como a brusca percepção de algo que não é tão fácil de definir, a presença.

Está aí um sentimento que não temos o tempo todo. Certamente, somos influenciados por toda espécie de presenças, e o nosso mundo só tem sua consistência, sua densidade, sua estabilidade vivida, porque de certa maneira levamos cm conta essas presenças, mas não as realizamos como tais. Vocês sentem que é um sentimento de que eu direi que tendemos incessantemente a apagá-lo da vida. Não seria fácil viver se, a todo instante, tivéssemos o sentimento da presença com tudo o que ela comporta de mistério. “É um mistério que afastamos, e ao qual, para dizer logo tudo, nos acostumamos.” p.54.

 

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“Noções como o isso e o eu, que estamos habituados por certos manejos a colocar de forma maciça, talvez não sejam simplesmente um par contrastado. É preciso escalonar aí uma estereocospia um pouco mais complexa.” p.55.

 

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“(…) a resistência se apresenta pelo ângulo transferencial.” p.59.

 

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“Ora – eis aonde eu queria chegar através de todos esses exemplos –é na medida em que a confissão do ser não chega ao seu termo, que a palavra se lança inteiramente na vertente em que ela se agarra ao outro.

Não é estranho à essência da palavra, se é que se pode dizer isso, o agarrar-se ao outro. A palavra é mediação sem dúvida, mediação entre o sujeito e o outro, e ela implica na realização do outro na mediação mesma. Um elemento essencial da realização do outro é que a palavra possa nos unir a ele. Está aí o que lhes ensinei sobretudo até o presente, porque é nessa dimensão que nos deslocamos incessantemente.

Mas há uma outra face da palavra que é a reve1ação.

Reve1ação, e não expressão – o inconsciente só se expressa por deformação, Entstellung, distorção, transposição. (…) toda a obra de Freud se desdobra no sentido da revelação, e não da expressão. A revelação é o móvel último daquilo que procuramos na experiência analítica.

A resistência se produz no momento em que a palavra de revelação não se diz, em que (…) o sujeito não tem mais saída. Ele se agarra ao outro porque aquilo que é impelido em direção à palavra não acedeu a ela. A vinda parada da palavra, na medida em que alguma coisa talvez a torne fundamentalmente impossível, aí está o ponto-pivô em que, na análise, a palavra bascula inteira para a primeira face e se reduz à sua função de relação ao outro. Se a palavra funciona então como mediação, é por não se ter realizado como revelação.

A questão é sempre saber em que nível se produz o agarramento do outro. É preciso estar tão imbecilizado quanto se pode estar por certa maneira de teorizar, de dogmatizar e de se arregimentar na técnica analítica, para nos ter dito um dia que uma das condições prévias do tratamento analítico, era o quê? – que o sujeito tenha uma certa realização do outro como tal. Claro, espertalhão! Mas trata-se de saber a que nível esse outro é realizado, e como, em que função, em que círculo de sua subjetividade, a que distância se encontra esse outro.

Ao longo da experiência analítica, essa distância varia sem cessar. Besteira pretender considerá-la como um certo estado do sujeito.

É o mesmo espanto que faz o Sr. Piaget falar da noção egocêntrica do mundo da criança. Como se os adultos tivessem o que ensinar sobre isto à molecada! E eu gostaria muito de saber, nas balanças do Eterno, o que é que pesa como a melhor apreensão do outro, a que, a que pode ter o Sr. Piaget, na sua posição de professor, e na sua idade, ou a que tem uma criança! Essa criança, nós a vemos prodigiosamente aberta a tudo que o adulto lhe traz do sentido do mundo. Será que nunca se reflete sobre o que significa, no sentimento do outro, essa prodigiosa permeabilidade a tudo que é mito, lenda, conto de fada, história, essa facilidade em se deixar invadir pelos relatos? Acredita-se que é compatível com os pequenos jogos de cubos graças aos quais o Sr. Piaget nos mostra que a criança acede a um conhecimento copernicano do mundo?

Trata-se de saber como, num dado momento, aponta em direção ao outro esse sentimento tão misterioso da presença. Talvez esteja integrado àquilo de que Freud nos fala da Dinâmica da Transferência, quer dizer, a todas as estruturações prévias, não somente da vida amorosa do sujeito, mas da sua organização do mundo.

Se eu tivesse de isolar a primeira inflexão da palavra, o momento primeiro onde se inflete, na sua curva, toda realização da verdade do sujeito, o nível primeiro em que a captação do outro toma sua função, eu o isolaria numa fórmula que me foi dada por um daqueles que estão aqui e que eu controlo. Eu lhe perguntava: – Em que pé está, o seu sujeito, a seu respeito esta semana? Ele me deu então uma expressão que coincide exatamente com o que eu tinha tentado situar nessa inflexão – Tomou-me como testemunha. E, com efeito, está aí uma das funções mais elevadas, mas já desviadas da palavra – a tomada como testemunha.

Um pouco mais adiante será a sedução. Um pouco mais adiante ainda, a tentativa de captar o outro num jogo em a palavra passa mesmo – a experiência analítica nos mostrou bem isso – a uma função mais simbólica, a uma satisfação instintiva mais profunda. Sem contar o último termo – desorganização completa da função da palavra nos fenômenos de transferência, em que o sujeito, nota Freud, se libera inteiramente e chega a fazer exatamente o que lhe agrada.

Afinal de contas, aquilo a que somos levados por essa consideração

não será aquilo de que parti no meu relato sobre as funções da palavra? a saber, a oposição da palavra vazia e da palavra plena, palavra plena na medida em que realiza a verdade do sujeito, palavra vazia em relação àquilo que tem de fazer hic et nunc com seu analista, em que o sujeito se perde nas maquinarias do sistema da linguagem, no labirinto dos sistemas de referência que lhe dá o estado cultural em que, mais ou menos, toma parte. Entre esses dois extremos, desdobra-se toda uma gama de realização da palavra.

Essa perspectiva leva-nos exatamente a isto – a resistência de que se trata projeta os seus resultados no sistema do eu, na medida em que o sistema do eu não é nem mesmo concebível sem o sistema, se é que se pode dizer, do outro lado. O eu é referente ao outro. O eu se constitui em relação ao outro. Ele é seu correlato. O nível no qual o outro é vivido situa exatamente o nível no qual, literalmente, o eu existe para o sujeito.

A resistência, com efeito, encarna-se no sistema do eu e do outro. Ela se realiza aí a tal ou tal momento da análise. Mas é de outro lugar que ela parte, a saber, da impotência do sujeito para desembocar no domínio da realização da sua verdade. De um modo sem dúvida mais ou menos definido para tal sujeito pelas fixações de seu caráter e da sua estrutura, é sempre num certo nível, num certo estilo da relação ao outro, que se projeta o ato da palavra.

A partir desse momento, vejam o paradoxo da posição do analista. É no momento em que a palavra do sujeito é a mais plena, que eu, analista, poderia intervir. Mas eu interviria em quê? – no seu discurso. Ora, quanto mais íntimo é o discurso para o sujeito, mais eu me centro nesse discurso. Mas o inverso é igualmente verdadeiro. Quanto mais o seu discurso é vazio, mais sou levado, também eu, a me agarrar ao outro, isto é, a fazer o

que se faz o tempo todo, nessa famosa análise das resistências, a procurar o além do seu discurso – além, reflitam bem, que não está em parte alguma, além que o sujeito tem de realizar, mas que justamente não realizou, e que é então feito de minhas projeções, no nível em que o sujeito o realiza naquele momento.

Eu lhes mostrei, da última vez, os perigos das interpretações ou imputações intencionais, que, verificadas ou não, suscetíveis ou não de verificações, não são na verdade mais verificáveis do que qualquer sistema de projeções. E é exatamente aí que está a dificuldade da análise.

Quando dizemos que fazemos a interpretação das resistências, estamos em presença desta dificuldade – como operar a um certo nível de menor densidade da relação da palavra? Como operar nessa interpsicologia, ego e alter ego, a que nos reduz a degradação mesma do processo da palavra? Em outros termos, quais são as relações possíveis entre esta intervenção da palavra que é a interpretação, e o nível do ego, na medida em que esse nível implica sempre, correlativamente, o analisado e o analista? Quando a função da palavra caiu tão bem no sentido do outro que ela não é nem mais mediação, mas somente violência implícita, redução do

outro a uma função correlativa do eu do sujeito, que podemos nós fazer para manejar ainda de forma válida a palavra na experiência analítica?

Vocês sentem o caráter oscilante do problema. Ele nos leva a esta questão – o que é que quer dizer esse apoio no outro? Por que o outro se torna tanto menos verdadeiramcnte outro, quanto mais toma exclusivamente a função de apoio?

É desse círculo vicioso que se trata de sair na análise. Não estaríamos nós tanto mais presos aí, quanto mais a história da técnica mostra que sempre se pôs um acento mais forte sobre o aspecto eu-óico das resistências? É o mesmo problema que se exprime ainda sob esta forma – por que o sujeito se aliena tanto mais, quanto mais se afirma como eu?

Voltamos assim à questão da sessão precedente – quem é então aquele que, para além do eu, procura fazer-se reconhecer?” p.61/62/63/64/65.

 

Capítulo V.

 

“Todo este desenvolvimento consistiu em lhes mostrar que o fenômeno maior da transferência parte do que eu poderia chamar o fundo do movimento da resistência. Isolei esse momento, que permanece mascarado na teoria analítica, em que a resistência, no seu fundo mais essencial, se manifesta por um movimento de báscula da palavra em direção à presença do auditor, da testemunha que é o analista. O momento em que o sujeito se interrompe, é ordinariamente o momento mais significativo da sua aproximação em direção à verdade. Apreendemos aqui a resistência no estado puro, que culmina no sentimento, frequentemente tinto de angústia, da presença do analista.

Eu lhes ensinei também que a interrogação do analista quando o sujeito se interrompe – a qual, por lhes ter sido indicada por Freud, tornou-se para alguns quase automática – Não está pensando em alguma coisa que me diga respeito, a mim, analista? – não é senão um ativismo que cristaliza a orientação do discurso em direção ao analista. Esta cristalização torna apenas manifesto que o discurso do sujeito, na medida em que não chega à palavra plena em que deveria se revelar o seu fundo inconsciente, já se endereça ao analista, é feito para interessá-lo, e se sustenta dessa forma alienada do ser que se chama o ego.” p.66/67.

 

Parte 1. Capítulo V.

 

“A relação do ego ao outro, a relação do sujeito a esse outro, a esse semelhante em relação ao qual ele inicialmente se formou, é uma estrutura essencial da constituição humana.

É a partir dessa função imaginária que podemos conceber e explicar o que é o ego na análise. Não digo o ego na Psicologia, onde ele é função de síntese, mas o ego na análise, função dinâmica. O ego aí se manifesta como defesa, recusa. Aí está inscrita toda a história das oposições sucessivas que o sujeito manifestou à integração daquilo a que se chamará em seguida na teoria, em seguida somente, suas pulsões as mais profundas e as mais desconhecidas. Em outros termos, nesses momentos de resistência, tão bem indicados por Freud, apreendemos aquilo através de que o movimento mesmo da experiência analítica isola a função fundamental do ego, o desconhecimento.” p.66/67.

 

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“Esse momento revelador da relação fundamental da resistência e da dinâmica da experiência analítica nos leva, pois, a uma questão que se pode polarizar entre estes dois termos – o ego, a palavra.” p.68

 

 

Parte 2. Capítulo V.

 

“Hoje, penso só poder introduzir o problema do ego e da palavra, partindo, é claro, da maneira através da qual se revela na nossa experiência.

Esse problema, só podemos colocá-lo a partir do ponto em que está a sua formulação. Não podemos fazer de conta que a teoria freudiana do ego não existe. Freud opôs o ego ao isso, e essa teoria impregna as nossas concepções teóricas e técnicas. É por isso que hoje eu gostaria de chamar a atenção de vocês para um texto que se chama a Verneinung.

Verneinung (…) é denegação e não negação, como se traduziu em francês. (…)

O texto é de 1925. É posterior ao aparecimento dos artigos concernentes à Psicologia do eu e à sua relação com o isso. Em particular, é posterior ao artigo Das Ich und das Es. Freud retoma ali essa relação, sempre viva para ele, do ego com a manifestação falada do sujeito na sessão.” p.69.

 

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“Nossa experiência não é a de um esfrega-esfrega afetivo. Não temos de provocar no sujeito retornos de experiências mais ou menos evanescentes, confusas, em que consistiria toda a magia da Psicanálise.” p.70.

 

 

Parte 3. Capítulo V.

 

“Isso nos permite, ao mesmo tempo, criticar a ambiguidade sempre cultivada em torno da famosa oposição do intelectual e do afetivo – como se o afetivo fosse uma espécie de coloração, de qualidade inefável que devesse ser procurada em si mesma, de maneira independente da pele esvaziada que seria a realização puramente intelectual de uma relação do sujeito. Essa concepção que impele a análise para vias singulares é pueril. O menor sentimento singular, e mesmo estranho, que o sujeito acusa no texto da sessão, é conotado de sucesso sensacional. É o que deriva desse mal-entendido fundamental.

O afetivo não é como uma densidade especial que faltaria à elaboração intelectual. Não se situa num para-além mítico da produção do símbolo que seria anterior à formulação discursiva. Só isso pode nos permitir de cara, não digo situar, mas apreender aquilo em que consiste a realização plena da palavra.” p.72.

 

Parte 4. Capítulo V.

 

            “Se vocês aprofundarem essa polarização particular, parecer-lhes-á muito mais fácil abordar o fenômeno ambíguo que se chama o déjà-vu, e que se situa entre esses dois modos de relação, o reconhecido e o visto. Com o déjà-vu, algo no mundo exterior é levado ao limite, e surge com uma pré-significação especial. A ilusão retrospectiva reporta esse percebido dotado de uma qualidade original ao domínio do déjà-vu. Freud não nos fala de nada além disso quando nos diz que toda experiência do mundo exterior se refere implicitamente a algo que já foi percebido no passado. Isso se aplica ao infinito – de certa maneira, toda espécie de percebido comporta necessariamente uma referência a um percebido anterior.

É por isso que somos levados aí ao nível do imaginário enquanto tal, ao nível da imagem modelo da forma original. Não se trata do reconhecido simbolizado e verbalizado. Reencontramos antes os problemas evocados pela teoria platônica, não da rememoração, mas da reminiscência.” p.74.

 

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“(…) o sujeito, na sua manifestação sob essa forma especial que é a produção de um discurso organizado, em que está sempre sujeito a esse processo que se chama a denegação e em que se cumpre a integração do seu ego, só pode refletir a sua relação fundamental ao seu eu ideal sob uma forma invertida.

Em outros termos, a relação ao outro, na medida em que nela tende a se manifestar o desejo primitivo do sujeito, contém sempre em si mesma esse elemento fundamental, original, da denegação (…).” p. 76.

 

Capítulo VI.

 

“Dei hoje ao seminário que vamos continuar juntos o título de Análise do Discurso e Análise do Eu (…). Opondo esses dois termos, pretendo substituí-los à oposição clássica entre análise do material / análise das resistências.” p.77.

 

 

Parte 1. Capítulo VI.

 

“É claro que é com o eu do sujeito, com suas limitações, suas defesas, seu caráter, que temos a ver. Temos de fazê-lo avançar. Mas qual a função que ele desempenha nessa operação? Toda a literatura analítica está como que embaraçada para defini-la com exatidão.

Todas as elaborações recentes que tomam o eu do analisado como aliado do analista na Grande-Obra analítica comportam contradições manifestas. Com efeito, salvo se se desembocar na noção, não só de bipolaridade ou de bifuncionamento do eu, mas, para falar propriamente, de splitting, distinção radical entre dois eus, é muito difícil definir o eu como uma função autônoma, ao mesmo tempo que se continua a tomá-lo por um mestre de erros, sede das ilusões, lugar de uma paixão que lhe é própria e se orienta essencialmente para o desconhecimento. Função de desconhecimento, é o que ele é na análise, como aliás, numa grande tradição filosófica.

Há parágrafos no livro de Anna Freud, O Eu e os mecanismos de Defesa, em que se tem o sentimento, se passarmos sobre a linguagem às vezes desconcertante pelo seu caráter coisista, de que ela fala do eu no sentido de compreensão que tentamos manter aqui. E tem-se ao mesmo tempo o sentimento de que ela fala do homenzinho que está dentro do homem, que teria uma vida autônoma dentro do sujeito e estaria ali a defendê-lo – Pai, mantenha-se à direita, Pai, mantenha-se à esquerda – contra o que pode assaltá-lo, de fora como de dentro. Se considerarmos o seu livro como uma descrição moralista, então ela fala incontestavelmente

do eu como da sede de certo número de paixões, num estilo que não é indigno do que La Rochefoucauld pôde assinalar sobre as manhas incansáveis do amor-próprio.

A função dinâmica do eu no diálogo analítico permanece pois, até o presente, profundamente contraditória, por não ter sido rigorosamente situada, e isso aparece cada vez que abordamos os princípios da técnica.

Acredito que muitos de vocês leram esse livro de Anna Freud. É extremamente instrutivo e, porque é muito rigoroso, pode-se certamente assinalar nele os pontos em que aparecem as falhas da sua demonstração, mais sensíveis ainda nos exemplos que ela dá.

Vejam as passagens em que ela tenta definir a função do eu. Na análise, diz ela, o eu só se manifesta pelas suas defesas, quer dizer, na medida em que se opõe ao trabalho analítico. Quer isso dizer que tudo que se opõe ao trabalho analítico seja defesa do eu? Ela reconhece em outro lugar que isso não pode ser mantido e que há outros elementos de resistência além das defesas do eu. Não foi assim que comecei a abordar o problema com vocês? Muitos problemas abordados aqui, figuram nesse livro, e é com muita atenção que é preciso lê-lo, porque tem o valor de um legado, verdadeiramente bem transmitido, da última elaboração de Freud sobre o eu.” p.77/78.

 

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“Anna Freud começou a interpretar a relação analítica segundo o protótipo da relação dual (…). Deveria ter distinguido a interpretação dual, em que o analista entra numa rivalidade de eu a eu com o analisado, e a interpretação que progride no sentido da estruturação simbólica do sujeito, a qual deve ser situada para além da estrutura atual do seu eu.” p.80.

 

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“Todo o desenvolvimento da análise, em suma, foi feito pela valorização sucessiva de cada uma das tensões implicadas nesse sistema triangular [Lacan se refere ao complexo de Édipo]. Só isso já nos força a ver nele coisa inteiramente diversa do bloco maciço que se resume na fórmula clássica – atração sexual pela mãe, rivalidade com o pai.

Vocês sabem o caráter profundamente dissimétrico, e isso desde a origem, de cada uma das relações duais que compreende a estrutura edipiana. A relação que liga o sujeito à mãe é distinta da que o liga ao pai, a relação narcísica ou imaginária com o pai é distinta da relação simbólica, e também da relação a que devemos chamar real – a qual é residual em relação à arquitetura que nos interessa na análise. Tudo isso mostra suficientemente a complexidade da estrutura, e que não é inconcebível que uma outra direção de pesquisa nos permita elaborar o mito edipiano melhor do que o foi até aqui.” p.81.

 

 

Capítulo VII.

 

“(…) o imaginário, o simbólico e o real.

Sem esses três sistemas de referência, não é possível compreender a técnica e a experiência freudianas.” p.89.

 

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“Quantas vezes não fiz observar àqueles que controlo, quando me dizem – Acredito ter compreendido que ele queria dizer isto, e aquilo – uma das coisas que mais devemos evitar é compreender muito, compreender mais do que existe no discurso do sujeito. Interpretar e imaginar que se compreende, não é de modo algum a mesma coisa. É exatamente o contrário. Eu diria mesmo que é na base de uma certa recusa de compreensão que empurramos a porta da compreensão analítica.” p.90.

 

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“Tudo gira em torno do que pareceu, à Srtª. Gélinier, singular, paradoxal, contraditório, na função do ego – muito desenvolvido, ele bloqueia todo desenvolvimento, mas ao se desenvolver, reabre a porta em direção à realidade. [Lacan está comentando o caso Dick de Melaine Klein]. Como é que a porta da realidade é reaberta por um desenvolvimento do ego? Qual é a função própria da interpretação kleiniana, que se apresenta com um caráter de intrusão, de coisa posta sobre o sujeito? Eis as questões que hoje teremos para retocar.

Vocês devem ter-se apercebido desde já de que no caso desse jovem sujeito, real, imaginário e simbólico são sensíveis, aflorantes. O simbólico, eu lhes ensinei a identificá-lo com a linguagem – ora, não será na medida em que, digamos, Melanie Klein fala, que algo se passa? Por outro lado, quando Melanie Klein nos diz que os objetos são constituídos por jogos de projeções, introjeções, expulsões, de reintrojeções de maus objetos, e que

o sujeito, tendo projetado o seu sadismo, o vê voltar desses objetos, e, por esse fato, se encontra bloqueado por um temor ansioso, vocês não sentem que estamos no domínio do imaginário?

Todo o problema a partir de então é o da junção do simbólico e do imaginário na constituição do real.” p.90.

 

 

Parte 1. Capítulo VII.

 

“O estádio do espelho (…) não é simplesmente um momento do desenvolvimento. Tem também uma função exemplar, porque revela certas relações do sujeito à sua imagem, enquanto Urbild do eu.” p.91.

 

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“As imagens ópticas apresentam diversidades singulares – algumas são puramente subjetivas, são as que se chamam virtuais, enquanto outras são reais, a saber, sob certos prismas, se comportam como objetos e podem ser tomadas como tais. Muito mais singular ainda – esses objetos que as imagens reais são, podemos dar as suas imagem virtuais. Nesse caso, o objeto que é a imagem real toma, e devidamente, o nome de objeto virtual.

Na verdade, uma coisa ainda é mais surpreendente, é que a óptica repouse inteirinha sobre uma teoria matemática sem a qual é absolutamente impossível estruturá-la. Para que haja uma óptica, é preciso que, a todo ponto dado no espaço real, corresponda um ponto e só um num outro espaço, que é o espaço imaginário. É a hipótese estrutural fundamental. Ela parece excessivamente simples, mas sem ela não se pode escrever a menor equação, nem simbolizar nada – a óptica é impossível. Mesmo aqueles que a ignoram não poderiam fazer nada em óptica se ela não existisse.

Aí também, o espaço imaginário e o espaço real se confundem. Isso não impede que devam ser pensados como diferentes. Em matéria de óptica, temos muitas ocasiões para nos exercer em certas distinções que lhes mostram o quanto a dimensão simbólica conta na manifestação de um fenômeno.

Por um outro lado, existe em óptica uma série de fenômenos de que se pode dizer que são inteiramente reais, porque também é a experiência que nos guia nessa matéria, mas em que, entretanto, a todo instante, a subjetividade está engajada. Quando vocês vêem um arco-íris, vêem algo de inteiramente subjetivo. Vocês o vêem a uma certa distância que se desenha na paisagem. Ele não está lá. É um fenômeno subjetivo. E, entretanto, graças a um aparelho fotográfico, vocês o registram de modo inteiramente objetivo. Então, o que é isso? Não sabemos mais muito bem, não é, onde está o subjetivo, onde está o objetivo. Ou não seria que temos o hábito de colocar no nosso compreendedorzinho uma distinção muito sumária entre o objetivo e o subjetivo? O aparelho fotográfico não seria um aparelho subjetivo, inteiramente construído com a ajuda de um x e de um y, que habitam o domínio em que vive o sujeito, quer dizer, o da linguagem?” p.93.

 

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[Lacan comenta seu esquema óptico] “Um espelho esférico produz uma imagem real. A cada ponto de um raio luminoso que emana de um ponto qualquer de um objeto colocado a certa distância, de preferência no plano do centro da esfera, corresponde no mesmo plano, por convergência dos raios refletidos sobre a superfície da esfera, um outro ponto luminoso – o que dá do objeto uma imagem real. (…)

Suponham que isto seja uma caixa, oca deste lado, e que ela esteja colocada sobre um pé, no centro da semi-esfera. Sobre a caixa, vocês vão colocar um vaso, real. Embaixo, há um buquê de flores. Então, o que é que se passa? [ver imagem p.94]

O buquê reflete-se sobre a superfície esférica, para vir ao ponto luminoso simétrico. Entendam que todos os raios fazem o mesmo, em virtude da propriedade da superfície esférica – todos os raios emanados de um ponto dado vêm ao mesmo ponto simétrico. A partir de então, forma-se uma imagem real. Notem que os raios não se cruzam muito bem no meu esquema, mas isso é verdade também na realidade, e para todos os instrumentos de óptica – não se tem nunca senão uma aproximação. Para

além do olho, os raios continuam o seu caminho, e redivergem. Mas, para o olho, são convergentes, e dão uma imagem real, porque a característica dos raios que batem num olho sob uma forma convergente é a de dar uma imagem real. Convergentes, vindo ao olho, eles divergem, afastando-se. Se os raios vêm bater no olho em sentido contrário, é uma imagem virtual que se forma. É o que se passa quando vocês olham uma imagem no espelho –

vocês a vêem lá onde não está. Aqui, ao contrário, vocês a vêem onde está – com a única condição de que o seu olho esteja no campo dos raios que já vieram se cruzar no ponto correspondente.

Nesse momento, enquanto vocês não vêem o buquê real, que está escondido, verão aparecer, se estiverem no bom campo, um buquê imaginário muito curioso, que se forma bem no gargalo do vaso. Como os seus olhos devem se deslocar linearmente no mesmo plano, vocês terão uma impressão de realidade, sem deixarem de sentir que alguma coisa é estranha, borrada, porque os raios não se cruzam muito bem. Quanto mais longe vocês estiverem, mais a paralaxe agirá, e mais a ilusão será completa.

É um apólogo que vai nos servir muito. Certo, esse esquema não pretende tocar em nada que esteja substancialmente relacionado com o que manejamos na análise, as relações ditas reais ou objetivas, ou as relações imaginárias. Mas nos permite ilustrar de uma forma particularmente simples o que resulta da intrincação estreita do mundo imaginário e do mundo real na economia psíquica (…).” p.94/95.

 

 

Parte 2. Capítulo VII.

 

“Com efeito, o domínio próprio do eu primitivo, Ur-Ich ou Lust-Ich, se constitui pela clivagem, pela distinção com o mundo exterior – o que está incluído dentro distingue-se do que é rejeitado pelos processos de exclusão, Aufstossung, e de projeção. A partir daí, se há noções que são colocadas no primeiro plano de todas as concepções analíticas do estado primitivo da formação do eu, são precisamente aquelas de continente e de conteúdo. É por isso que a relação do vaso com as flores que ele contém pode nos servir de metáfora, e das mais preciosas.

Vocês sabem que o processo da sua maturação fisiológica permite ao sujeito, num dado momento da sua história, integrar efetivamente suas funções motoras, e aceder a um domínio real do seu corpo. Só que, é antes desse momento, embora de maneira correlativa, que o sujeito toma consciência do seu corpo como totalidade. É sobre isso que insisto na minha teoria do estádio do espelho – a só vista da forma total do corpo humano dá ao sujeito um domínio imaginário do seu corpo, prematuro em relação ao domínio real. Essa formação é destacada do processo mesmo da maturação e não se confunde com ele. O sujeito antecipa-se ao acabamento do domínio psicológico, e essa antecipação dará seu estilo a todo exercício posterior do domínio motor efetivo.

É a aventura original através da qual, pela primeira vez, o homem passa pela experiência de que se vê, se reflete e se concebe como outro que não ele mesmo – dimensão essencial do humano, que estrutura toda a sua vida de fantasia.

Supomos na origem todos os issos, objetos, instintos, desejos, tendências etc. É, pois, a pura e simples realidade que não se delimita em nada, que não pode ser ainda objeto de nenhuma definição, que não é nem boa, nem má, mas ao mesmo tempo caótica e absoluta, original. É o nível ao qual Freud se refere em Die Verneinung, quando fala dos julgamentos de existência – ou bem é, ou bem não é. E é aí que a imagem do corpo dá ao sujeito a primeira forma que lhe permite situar a que é e o que não é do eu. Bem, digamos que a imagem do corpo, se a situamos no nosso esquema, é como o vaso imaginário que contém o buquê de flores real. Aí está como nos podemos representar o sujeito anterior ao nascimento do eu, e o surgimento deste.

Esquematizo, como vocês percebem, mas o desenvolvimento de uma metáfora, de um aparelho de pensar, necessita que no início faça sentir para o que serve. Vocês verão que esse aparelho tem uma maneabilidade que permite jogar de todas as espécies de movimentos. Vocês podem inverter as condições do experimento – o vaso poderia também estar embaixo; e as flores em cima. Vocês podem tornar imaginário o que é real à vontade, com a condição de conservar a relação dos sinais + – + ou – + –.

Para que a ilusão se produza, para que se constitua, diante do olho que olha, um mundo em que o imaginário pode incluir o real e, ao mesmo tempo, formá-lo, em que o real também pode incluir e, ao mesmo tempo, situar o imaginário, é preciso que uma condição seja realizada – eu o disse a vocês, o olho deve estar numa certa posição, deve estar no interior do cone.

Se estiver no exterior do cone, já não verá o que é imaginário, pela simples razão de que nada do cone de emissão virá bater nele. Verá as coisas no seu estado real, inteiramente nu, quer dizer, o interior do mecanismo, e um pobre vaso vazio, ou flores isoladas, segundo os casos.

Vocês me dirão: – Não somos um olho, o que é esse olho que passeia?

A caixa, quer dizer, o próprio corpo de vocês. O buquê são instintos e desejos, os objetos do desejo que passeiam. E o caldeirão, o que que é? Bem que poderia ser o córtex. Por que não? Seria divertido – falaremos disso um outro dia. (…)

O olho está aqui, como muito frequentemente, o símbolo do sujeito. (…) o quer dizer o olho que está aí? (…)

Quer dizer que, na relação do imaginário e do real, e na constituição do mundo tal como ela resulta disso, tudo depende da situação do sujeito.

E a situação do sujeito (…) é essencialmente caracterizada pelo seu lugar no mundo simbólico, ou, em outros termos, no mundo da palavra.” p.95/96/97.

 

 

Parte 3. Capítulo VII.

 

“Devemos tomar o texto de Melanie Klein pelo que é, isto é, o relato de uma experiência. (…) [Lacan comenta, então, o caso Dick de Melaine Klein]. Diferentes objetos do mundo exterior, mais neutralizados, serão colocados como os equivalentes dos primeiros, estarão ligados a eles por uma equação – eu o sublinho – imaginária. Assim, a equação simbólica

que redescobrimos entre esses objetos surge, de um mecanismo alternativo de expulsão e de introjeção, de projeção e de absorção, quer dizer, de um jogo imaginário.

É esse jogo, precisamente, que eu tento simbolizar para vocês, no meu esquema, pelas inclusões imaginárias de objetos reais, ou inversamente, pelas tomadas de objetos imaginários no interior de um recinto real.

Em Dick, vemos bem que há esboço de imaginificação, se é que posso dizer isso, do mundo exterior. Nós a temos aí pronta a aflorar, mas está apenas preparada.

Dick joga com o continente e o conteúdo. Ele já entificou naturalmente em certos objetos, o pequeno trem por exemplo, um certo número de tendências, e mesmo de pessoas – a si próprio enquanto trenzinho, em relação a seu pai que é trem grande. Aliás, o número de objetos que são significativos é, para ele, fato surpreendente, extremamente reduzido, reduzido aos signos mínimos que permitem exprimir o dentro e o fora, o conteúdo e o continente. Assim, o espaço preto é logo assimilado ao interior do corpo da mãe, no qual ele se refugia. O que não se produz, é

o jogo livre, a conjunção entre as diferentes formas, imaginária e real, dos objetos.

É o que faz com que, quando ele vai se refugiar no interior vazio e escuro do corpo materno, os objetos não estejam lá, para grande espanto da Srtª Gélinier [que apresentou o caso Dick durante o seminário de Lacan]. Por uma razão simples – no seu caso, o buquê e o vaso não podem estar lá ao mesmo tempo. É isso que é a chave.

Os espantos da Srtª Gélinier repousam sobre o fato de que, para Melaine Klein, tudo está num plano de igual realidade – de unreal reality, como ela se exprime, o que não permite conceber, com efeito, a dissociação dos diferentes sets de objetos primitivos. É que não há em Melaine Klein nem teoria do imaginário, nem teoria do ego. Cabe a nós introduzir essas noções, e compreender que, na medida em que uma parte da realidade é imaginada, a outra é real, e inversamente, na medida em que uma é realidade, é a outra que se torna imaginária. Apreende-se aí por que, no início, a conjunção das diferentes partes, dos sets, nunca pode ser acabada.” p.98/99/100.

 

***

 

“A introjeção é sempre introjeção da palavra do outro, o que introduz uma dimensão muito diferente da de projeção. É em torno dessa distinção que vocês podem fazer a separação entre o que é função do ego e é da ordem do registro dual, e o que é função do supereu. Não é por nada que se distinguem na teoria analítica, nem que se admite que o supereu, o supereu

autêntico, é uma introjeção secundária em reação à função do ego ideal.” p.100.

 

***

 

“Volto ao caso [Dick] descrito por Melanie Klein.

A criança está lá. Ela dispõe de certo número de registros significativos. Melaine Klein – aqui, nós podemos segui-la – sublinha a extrema estreiteza de um deles – o domínio imaginário. Normalmente é pelas possibilidades de jogo da transposição imaginária que se pode fazer a valorização progressiva dos objetos, no plano que se chama comumente afetivo, por uma multiplicação, um desdobramento em leque de todas as equações imaginárias que permitem ao ser humano ser o único entre os animais a ter um número quase infinito de objetos à sua disposição – de objetos marcados por um valor de Gestalt no seu Umwelt, de objetos isolados nas suas formas. Melanie Klein sublinha a pobreza do mundo imaginário, e, no mesmo lance, a impossibilidade para essa criança de entrar numa relação efetiva com os objetos enquanto estruturas. Correlação que é importante apreender.

Se resumirmos agora tudo o que Melanie Klein descreve da atitude dessa criança, o ponto significativo é simplesmente este – ela não faz nenhum apelo.

O apelo, aí está uma noção que peço que guardem. Vocês vão se dizer – Naturalmente, com isso, ele introduz sua linguagem, o Dr. Lacan. Mas a criança já tem seu sistema de linguagem, muito suficientemente. A prova é que brinca com ele. Serve-se dela para fazer um jogo de oposição contra as tentativas de intrusão dos adultos. Por exemplo, comporta-se de uma forma que é dita no texto negativista. Quando sua mãe lhe propõe um

nome, que é capaz de reproduzir de maneira correta, o reproduz de maneira ininteligível, deformada, que não pode servir para nada. Reencontramos aqui a distinção a fazer entre negativismo e denegação (…). Dick serve-se

da linguagem de uma forma propriamente negativista.

Consequentemente, ao introduzir o apelo, não é a linguagem que introduzo de fininho. Eu diria mesmo mais – não somente não é a linguagem, mas é um nível superior à linguagem. É mesmo embaixo da linguagem, se falarmos de níveis. Basta que vocês observem um animal doméstico para verem que um ser desprovido de linguagem é inteiramente capaz de lhes endereçar apelos, apelos para atrair sua atenção para alguma coisa que, em certo sentido, lhe falta. Ao apelo humano está reservado um desenvolvimento posterior, mais rico, porque se reproduz justamente num ser que já adquiriu o nível da linguagem.” p.100/101.

 

***

 

“Estamos com Dick ao nível do apelo. O apelo toma o seu valor interior do sistema já adquirido da linguagem. Ora, o de que se trata é que essa criança não emite nenhum apelo. O sistema pelo qual o sujeito vem se situar na linguagem é interrompido, ao nível da palavra. Não são a mesma coisa, a linguagem e a palavra – essa criança é, até certo nível, mestre da

linguagem, mas ela não fala. É um sujeito que está aí e que literalmente, não responde.

A palavra não chegou a ele. A linguagem não envolveu o seu sistema imaginário, cujo registro é excessivamente curto – valorização dos trens, dos botões das portas, do lugar negro. Suas faculdades, não de comunicação, mas de expressão, estão limitadas a isso. Para ele, o real e o imaginário são equivalentes.

Melaine Klein deve pois renunciar então a toda técnica. Tem o mínimo de material. Não chega nem mesmo a ter brinquedos – essa criança não brinca. Quando toma um pouco o trenzinho, não brinca, faz isso como atravessa a atmosfera – como se fosse um invisível, ou antes, como se tudo lhe fosse, de certa maneira, invisível.

Melanie Klein não procede aqui, tem uma consciência viva disso, a nenhuma interpretação. Parte, diz ela, de ideias que tem, e que são conhecidas, do que se passa nesse estado. Eu vou sem mais e digo a ele:

– Dick pequeno trem, grande trem Papai-trem.

Nisso, a criança se põe a brincar com o seu trenzinho, e diz a palavra station, isto é, estação. Momento crucial, em que se esboça a junção da linguagem e do imaginário do sujeito.

Melanie Klein lhe reenvia isso – A estação é Mamãe. Dick entrar na Mamãe. A partir daí, tudo se desencadeia. Ela só lhe fará destas, e não outras. E muito depressa a criança progride. É um fato.

O que foi então que Melanie Klein fez? – nada além de introduzir a verbalização. Ela simbolizou uma relação efetiva, a de um ser, nomeado, com um outro. Ela chapou a simbolização do mito edipiano, para chamá-lo pelo seu nome. (…)

As coisas desenvolvem-se em seguida a tal ponto que Melaine Klein faz intervir todos os outros elementos de uma situação a partir de então organizada e, até o próprio pai, que vem desempenhar o seu papel. Fora das sessões, diz Melanie Klein, as relações da criança se desenvolvem no plano do Édipo. A criança simboliza a realidade em volta dela a partir desse núcleo, dessa pequena célula palpitante de simbolismo que lhe deu Melanie Klein.

É o que se chama em seguida – ter aberto as portas do seu inconsciente.

No que é que Melanie Klein fez o que quer que seja que manifeste uma apreensão qualquer de não sei que processo que seria, no sujeito, seu inconsciente? Ela admite isto de cara, por hábito. Releiam todos essa observação e verão nela a manifestação sensacional da fórmula que lhes dou sempre – o inconsciente e o discurso do outro.

Eis um caso onde é absolutamente manifesto. Não há nenhuma espécie de inconsciente no sujeito. É o discurso de Melanie Klein que enxerta brutalmente sobre a inércia eu-óica inicial da criança as primeiras simbolizações da situação edipiana. Melanie Klein faz sempre assim com os seus sujeitos, mais ou menos implicitamente, mais ou menos arbitrariamente.

No caso dramático, nesse sujeito que não acedeu à realidade humana porque não faz ouvir nenhum apelo, quais são os efeitos das simbolizações introduzidas pela terapeuta? Elas determinam uma posição inicial a partir da qual o sujeito pode fazer agir o imaginário e o real e conquistar o seu desenvolvimento. Ele se precipita numa série de equivalências, num sistema em que objetos se substituem uns aos outros.” p.102/103.

 

***

 

“Por que falar nesse caso [Dick] de desenvolvimento do ego? É confundir como sempre o ego e o sujeito.” p.104.

 

***

 

“Sentimo-nos [os analistas] sempre horrivelmente atravancados porque distinguimos mal imaginário, simbólico e real.

Quero agora fazer vocês observarem isso. Quando Melanie Klein lhe entrega o esquema do Édipo, a relação imaginária que vive o sujeito [Dick], embora extremamente pobre, já é suficientemente complexa para que se possa dizer que ele tem o seu próprio mundo. Mas esse real primitivo é para nós literalmente inefável.

Enquanto não nos diz nada, não temos nenhum meio de penetrar

nele, senão por extrapolações simbólicas que fazem a ambiguidade de todos os sistemas como o de Melanie Klein – ela nos diz, por exemplo, que, no interior do império do corpo materno, o sujeito ali está com todos os seus irmãos, sem contar o pênis do pai etc. É mesmo?

Não importa, já que podemos apreender assim, em todo o caso, como esse mundo se põe em movimento, como imaginário e real começam a se estruturar, como se desenvolvem os investimentos sucessivos, que delimitam a variedade dos objetos humanos, quer dizer, nomeáveis. Todo esse processo parte desse primeiro afresco que constitui uma palavra significativa, formulando uma estrutura fundamental que, na lei da palavra, humaniza o homem.” p.104/105.

 

***

 

“A partir do caso de Dick e utilizando as categorias do real, do simbólico e do imaginário, mostrei-lhes que pode acontecer que um sujeito que dispõe de todos os elementos da linguagem, e que tem a possibilidade de fazer certo número de deslocamentos imaginários que lhe permitem estruturar o seu mundo, não esteja no real. Porque não está? – unicamente porque as coisas não vieram numa certa ordem. A figura no seu conjunto está perturbada. Não há meio de dar a esse conjunto o menor desenvolvimento.

Trata-se do desenvolvimento do ego? Tomem de novo o texto de Melanie Klein. Ela diz que o ego foi desenvolvido de maneira muito precoce, de sorte que a criança tem uma relação excessivamente real à realidade porque o imaginário não pode se introduzir – e em seguida, na segunda parte da frase, ela diz que é o ego que pára o desenvolvimento. Isso quer dizer simplesmente que o ego não pode ser utilizado de forma válida como aparelho na estruturação desse mundo exterior. Por uma simples razão – por causa da má posição do olho, o ego não aparece, pura e simplesmente.

Digamos que o vaso seja virtual. O vaso não aparece, e o sujeito fica numa realidade reduzida, com uma bagagem imaginária também reduzida.

O motor dessa observação é o que vocês devem compreender – a virtude da palavra, na medida em que o ato da palavra é um funcionamento coordenado a um sistema simbólico já estabelecido, típico e significativo.” p.105/106.

 

 

Capítulo VIII.

 

“Ora, vocês sentem toda a distância que há entre – a resistência, que separa

o sujeito da palavra plena que a análise espera dele, e que é função dessa inflexão ansiógena que constitui no seu modo mais radical, ao nível da troca simbólica, a transferência – e este fenômeno que manejamos tecnicamente na análise e que nos parece ser a mola energética, como Freud se exprime, da transferência, a saber, o amor.

Nas Observações sobre o Amor de Transferência, Freud não hesita em chamar a transferência pelo nome de amor. Freud elude tão pouco o fenômeno amoroso, passional, no seu sentido mais concreto, que chega a dizer que não há, entre a transferência e o que chamamos na vida o amor, nenhuma distinção verdadeiramente essencial. A estrutura desse fenômeno artificial que é a transferência e a do fenômeno espontâneo que chamamos amor, e muito precisamente o amor-paixão, são, no plano psíquico, equivalentes.

Não há, da parte de Freud, nenhuma elusão do fenômeno, nenhuma

tentativa de dissolver o escabroso no que seria simbolismo, no sentido em que se o entende habitualmente – o ilusório, o irreal. A transferência é o amor.

Nossos encontros vão agora se centrar em torno do amor de transferência, para terminar com o estudo dos Escritos Técnicos. Isso nos levará ao âmago desta outra situação, que tento introduzir aqui, e sem a qual também não é possível fazer uma justa repartição do que manejamos na nossa experiência – a função do imaginário.

Não acreditem que essa função do imaginário esteja ausente dos textos de Freud. Não está mais ausente do que a função simbólica. Muito simplesmente, Freud não a colocou no primeiro plano, e não assinalou em todo lugar onde se pode encontrá-la. Quando estudarmos a Introdução ao Narcisismo, vocês verão que o próprio Freud, para designar a diferença entre o que é demência precoce, esquizofrenia, psicose, e o que é neurose, não encontra outra definição além desta que parecerá talvez surpreendente para alguns de vocês. (…)

Entramos aí na distinção essencial que se deve fazer entre neurose e psicose, quanto ao funcionamento do imaginário (…).” p.108/109.

 

Parte 2. Capítulo VIII.

 

“Se a palavra alucinação significa alguma coisa, é esse sentimento de realidade. Há na alucinação alguma coisa que o paciente assume verdadeiramente como real.

Vocês sabem o quanto isso permanece problemático, mesmo numa psicose alucinatória. Há na psicose alucinatória crônica do adulto uma síntese do imaginário e do real, que é todo o problema da psicose.” p.124/125.

 

 

***

 

“No início, como você mostrou, quando queria atingir um objeto, só podia apreendê-lo com um único gesto. Se falhasse nesse gesto, devia recomeçá-lo desde o início. Portanto, controla a adaptação ao visual, mas sofre perturbações da noção de distância. [Lacan se refere ao caso Roberto, apresentado por Rosine Lefort]. Essa criança selvagem pode sempre como um animalzinho bem organizado, pegar o que deseja. Mas se há falta ou lapso do ato, só pode corrigir retomando o todo. Consequentemente, podemos dizer que não parece que haja nessa criança deficit nem retardo dizendo respeito ao sistema piramidal, mas nos encontramos diante de manifestações de falha nas funções de síntese do eu, no sentido em que entendemos o eu na teoria analítica.

A ausência de atenção, a agitação inarticulada que você notou no início, devem também ser reenviadas a falhas das funções do eu. É preciso observar aliás que, num certo sentido, a teoria analítica chega até a fazer da função do sono uma função do eu. (…)

Não deixo de ligar diretamente a atipia do seu sono ao caráter anômalo do seu desenvolvimento, cujo retardo se situa precisamente no plano do imaginário, no plano do eu enquanto função imaginária. Essa observação nos mostra que, do atraso de tal ponto do desenvolvimento imaginário,

resultam perturbações em certas funções aparentemente inferiores ao que podemos chamar o nível superestrutural.

É a relação entre a maturação estritamente sensório-motora e as funções de controle imaginário no sujeito, que constitui o grande interesse dessa observação. A questão está toda aí. Trata-se de saber em que medida é essa articulação aí que está em jogo na esquizofrenia.

Podemos, segundo a nossa tendência e a ideia que cada um de nós tem da esquizofrenia, do seu mecanismo e do seu móvel essencial, situar ou não esse caso no quadro de uma afecção esquizofrênica.

É certo que não é uma esquizofrenia no sentido de um estado, na medida em que você nos mostrou a significação e a movência dela. Mas há aí uma estrutura esquizofrênica da relação ao mundo e toda uma série de fenômenos que poderíamos aproximar a rigor da série catatônica. Certo, não há propriamente nenhum sintoma, de maneira que não poderemos situar o caso num tal quadro, como o fez Lang, a não ser para o situar aproximadamente. Mas certas deficiências, certas faltas de adaptação humana, abrem para algo que, mais tarde, analogamente, se apresentará

como uma esquizofrenia. (…)

Que se trate de fenômenos de ordem psicótica, mais exatamente de fenômenos que podem terminar em psicose, isso não me parece duvidoso. O que não quer dizer que toda psicose apresente começos análogos.” p.126/127.

 

 

 

Parte 1. Capítulo IX.

 

“Fomos levados a sublinhar essa face da resistência que se situa ao nível mesmo da emissão da palavra. A palavra pode exprimir o ser do sujeito, mas, até certo ponto, não chega nunca a isso. Ei-nos agora tendo chegado a um momento em que nos colocamos a questão – como se situam, em relação à palavra, todos esses afetos, todas essas referências imaginárias que são comumente evocadas quando se quer definir a ação da transferência na experiência analítica? Vocês sentiram que isso não era evidente.

A palavra plena é a que visa, que forma a verdade tal como ela se estabelece no reconhecimento de um pelo outro. A palavra plena é palavra que faz ato. Um dos sujeitos se encontra, depois, outro que não o que era antes. É por isso que essa dimensão não pode ser eludida da experiência analítica.” p.128/129.

 

***

 

“Portanto, deve existir outra coisa além da doutrinação que explique a eficácia das intervenções do analista. É o que a experiência demonstrou ser eficaz na ação da transferência.

É aí que começa a opacidade – afinal de contas, o que é a transferência?

Na sua essência a transferência eficaz de que se trata é simplesmente o ato da palavra. Cada vez que um homem fala a outro de maneira autêntica e plena, há, no sentido próprio, transferência, transferência simbólica –alguma coisa se passa que muda a natureza dos dois seres em presença.

Mas trata-se aí de uma transferência diversa da que se apresentou

inicialmente na análise, não somente como um problema, mas como um obstáculo. Essa função, com efeito, deve ser situada no plano imaginário. É para precisá-la que foram forjadas as noções que vocês sabem, repetição das situações antigas, repetição inconsciente, acionamento de uma reintegração de história – história num sentido contrário ao que promovo, porque se trata de uma reintegração imaginária, a situação passada não sendo vivida no presente, à revelia do sujeito, a não ser na medida em que a

dimensão histórica é por ele desconhecida – eu não disse inconsciente, vocês o observarão. Todas essas noções são introduzidas, para definir o que observamos, e elas têm o valor de uma constatação empírica assegurada. Nem por isso desvendam a razão, a função, a significação do que observamos no real.” p.130/131.

 

***

 

“Não podemos deixar de ver que uma das questões mais importantes da teoria analítica é saber qual é a relação que há entre os laços de transferência e as características, positiva e negativa, da relação amorosa.

(…) Esse assunto está em suma na ordem do dia desde os anos 1920 mais

ou menos (…). Desde essa época, nunca se fez nada a não ser se perguntar sobre a utilidade da função da transferência no manejo, que fazemos da subjetividade do nosso paciente. Isolamos mesmo alguma coisa que chega a se chamar não somente neurose de transferência – rótulo nosológico que

designa aquilo de que o sujeito está afetado –, mas também neurose secundária, neurose artificial, atualização da neurose na transferência, neurose que amarra nos seus fios a pessoa imaginária do analista.” p.131/132.

 

***

“As opiniões que se manifestam ao longo das discussões sobre a natureza do laço imaginário estabelecido na transferência tem a mais estreita relação com a noção de relação objetal.

Essa última noção veio agora ao primeiro plano da elaboração analítica. Mas vocês sabem como a teoria é hesitante também sobre esse ponto.” p.132.

 

***

 

“Também, desde sempre, a questão do amor de transferência esteve ligada, muito estreitamente, à elaboração analítica, da noção de amor. Não se trata do amor enquanto Eros – presença universal de um poder de ligação entre os sujeitos, subjacente a toda a realidade em que se desloca a análise – mas do amor-paixão, tal como é concretamente vivido pelo sujeito, como uma espécie de catástrofe psicológica. Coloca-se, como vocês o sabem, a questão de saber em que esse amor-paixão é, no seu fundamento, ligado à relação analítica.” p. 133.

 

***

 

“O amor imaginário participa, no fundo, da ilusão (…). o que é esse amor, que intervém como mola imaginária da análise? (…)

Bem, para nós, o que temos de encontrar é a estrutura que articula a relação narcísica, a função do amor em toda a sua generalidade e a transferência na sua eficácia prática.” p.133/134.

 

***

 

“Prefiro deixar à noção de transferência sua totalidade empírica, marcando, entretanto que é plurivalente e que se exerce ao mesmo tempo em vários registros, o simbólico, o imaginário e o real” p.134.

 

Parte 2. Capítulo IX.

 

 

“(…) Freud é levado a conceber o narcisismo como um processo secundário. Uma unidade comparável ao eu não existe na origem, nicht von Anfang, não está presente desde o início no indivíduo, e o ich tem de se desenvolver, entwickeln werden. As pulsões autoeróticas, ao contrário, estão lá desde o início.

Os que estão um pouco habituados ao que eu trouxe verão que essa ideia confirma a utilidade da minha concepção do estádio do espelho. A Urbild, que é uma unidade compatível ao eu, constitui-se num momento determinado da história do sujeito, a partir do qual o eu começa a assumir suas funções. Isso equivale a dizer que o eu humano se constitui sobre o fundamento da relação imaginária. A função do eu, escreve Freud, deve ter eine neue psychiche … Gestalt. No desenvolvimento do psiquismo, aparece

algo de novo cuja função é dar forma ao narcisismo. Não será marcar a origem imaginária da função do eu?

Nas duas ou três conferências que se seguirão, precisarei o uso simultaneamente limitado e plural que deve ser feito do estádio do espelho. Eu lhes ensinarei pela primeira vez, à luz do texto de Freud, que dois registros estão implicados nesse estádio. Enfim, se lhes indiquei, da última vez, que a função imaginária continha a pluralidade do vivido do indivíduo, vou lhes mostrar que não se pode limitá-la a isso – por causa da necessidade de distinguir as psicoses e as neuroses.” p.137.

 

Parte 3. Capítulo IX.

 

“O de que se trata, para Freud, é apreender a diferença de estrutura que existe entre a retração da realidade que constatamos nas neuroses e a que constatamos nas psicoses. Uma das distinções maiores se estabelece de maneira surpreendente – surpreendente em todo o caso para aqueles que não se debatem com tais problemas.

No desconhecimento, a recusa, a barragem oposta à realidade pelo neurótico, constatamos um recurso à fantasia. Há aí a função, o que no vocabulário de Freud só pode reenviar ao registro imaginário. Sabemos como as pessoas e as coisas do meio do neurótico mudam inteiramente de valor, e isso em relação a uma função que nada impede de designar – sem procurar para além do uso comum da linguagem – como imaginária. Imaginária reenvia aqui – primeiramente, à relação do sujeito com as suas identificações formadoras, é o sentido pleno do termo imagem em análise –em segundo lugar, à relação do sujeito ao real, cuja característica é ser ilusória, é a face da função imaginária mais frequentemente valorizada.

Ora, certo ou errado, pouco nos importa no momento, Freud sublinha que não há nada de semelhante na psicose. O sujeito psicótico, se ele perde a realização do real, não reencontra nenhuma substituição imaginária? É isso que o distingue do neurótico.

Essa concepção pode parecer à primeira vista extraordinária. Vocês sentem que aí é preciso dar um passo a mais na conceptualização para seguir o pensamento de Freud. Uma das concepções mais correntes é que o sujeito delirante sonha, que ele está bem dentro do imaginário. É preciso, pois, que, na concepção de Freud, a função do imaginário não seja a função do irreal. Sem o que não se veria por que ele recusaria ao psicótico o acesso ao imaginário. E como Freud sabe em geral o que diz, devemos procurar elaborar o que ele quer dizer sobre esse ponto.

É o que nos introduzirá numa elaboração coerente das relações do imaginário e do simbólico, porque está aí um dos pontos nos quais Freud coloca com a maior energia essa diferença de estrutura. Quando o psicótico reconstrói o seu mundo, o que é que é inicialmente investido? Vocês vão ver em que via, inesperada, para muitos de vocês, isso nos engaja – são as palavras. Vocês não podem deixar de reconhecer aí a categoria do simbólico.

Nós deixaremos para mais adiante o que essa crítica esboça. Veremos que poderia ser num irreal simbólico, ou num simbólico marcado de irreal, que se situa a estrutura própria do psicótico. A função do imaginário está inteiramente alhures.

Vocês começam a ver, eu espero, a diferença que há na apreensão

da posição das psicoses entre Jung e Freud. Para Jung, os dois domínios do simbólico e do imaginário estão aí completamente confundidos, enquanto uma das primeiras articulações que nos permite valorizar o artigo de Freud é a estrita distinção dos dois.” p.138/139.

 

 

Parte 1. Capítulo X.

 

“Qual é o móvel concreto que determina o funcionamento da enorme mecânica sexual? Qual é seu desencadeador, como se exprime Tinbergen após Lorenz? Não é a realidade do parceiro sexual, a particularidade de um indivíduo, mas algo que tem a maior relação com o que acabo de chamar o tipo, a saber, uma imagem.

Os etologistas demonstram, no funcionamento dos mecanismos de emparelhamento, a prevalência de uma imagem, que aparece sob a forma de um fenótipo transitório por modificações do aspecto exterior, e cuja aparição serve de sinal, de sinal construído, quer dizer de Gestalt, e agita os comportamentos da reprodução. A embreagem mecânica do instinito sexual é, pois, essencialmente cristalizada numa relação de imagens, numa relação (…) imaginária.

Aí está o quadro no qual devemos articular as Libido-Triebe e as Ich-Triebe.

A pulsão libidinal está centrada na função do imaginário.

Isso não quer dizer, contudo, tal como uma transposição idealista e moralizante da doutrina analítica quis fazer crer, que o sujeito progride no imaginário para um estado ideal da genitalidade que seria a sanção e a mola última do estabelecimento do real.” p.144.

 

***

 

“O que é que eu viso? – juntar essa experiência fundamental que nos traz a elaboração atual da teoria dos instintos a propósito do ciclo do comportamento sexual, e que mostra que nele o sujeito é essencialmente logrável.

Por exemplo, é preciso que o esgana-gata macho, tenha adquirido belas cores, no ventre ou no dorso, para que comece a se estabelecer a dança da copulação com a fêmea. Mas podemos muito bem fazer um recorte que, mesmo mal acabado, tem exatamente o mesmo efeito sobre a fêmea, desde que traga certas marcas – Merkzeichen. Os comportamentos sexuais são especialmente lográveis. Está aí um ensino que nos interessa para elaborar a estrutura das perversões e das neuroses.” p.145.

 

Parte 2. Capítulo X.

 

“Já que estamos nesse ponto, vou introduzir um complemento ao esquema que lhes dei neste cursinho sobre a tópica do imaginário.

Esse modelo, eu lhes indiquei que ele está na linha mesma dos votos de Freud. Este explica, em vários lugares, especialmente na Traumdeutung e no Abriss, que as instâncias psíquicas fundamentais devem ser concebidas na sua maioria como representando o que se passa num aparelho fotográfico, isto é, como as imagens, sejam virtuais, sejam reais, que seu funcionamento produz. O aparelho orgânico representa o mecanismo do aparelho, e o que nós apreendemos são imagens. Suas funções não são homogêneas, porque uma imagem real e uma imagem virtual, não são a mesma coisa. As instâncias que Freud elabora não devem ser tomadas por substanciais, por epifenomenais em relação à modificação do próprio aparelho. É, pois, por um esquema óptico que devem ser interpeladas as instâncias. Concepção que Freud indicou muitas vezes, mas que nunca materializou.

[Aqui Lacan comenta seu esquema óptico. Ver figura p. 147]

“Vocês vêem, à esquerda, o espelho côncavo, graças ao qual se produz o fenômeno do buquê invertido, que eu transformei aqui, porque é mais cômodo, no do vaso invertido. O vaso está na caixa, e o buquê em cima.

O vaso será reproduzido, pelo jogo da reflexão dos raios, numa imagem real, e não virtual, sobre a qual o olho pode se acomodar. Se o olho se acomoda ao nível das flores que dispusemos, verá a imagem real do vaso vir envolver o buquê, e lhe dar estilo e unidade – reflexo da unidade do corpo.

Para que a imagem tenha uma certa consistência, é preciso que seja verdadeiramente uma imagem. Qual é a definição da imagem em óptica? – a cada ponto do objeto deve corresponder um ponto da imagem, e todos os raios saídos de um ponto devem se recortar em algum lugar num ponto único. Um aparelho de óptica só se define por uma convergência unívoca ou biunívoca dos raios – como se diz em axiomática.

Se o aparelho côncavo está aqui onde estou, e a pequena montagem

de prestidigitador diante da escrivaninha, a imagem não poderá ser vista com uma nitidez suficiente para produzir uma ilusão de realidade, uma ilusão real. É preciso que vocês se encontrem colocados num certo ângulo. Sem dúvida, segundo as diferentes posições do olho que olharia, poderíamos distinguir certo número de casos que nos permitiriam talvez compreender as diferentes posições do sujeito em relação à realidade.

Certo, um sujeito não é um olho, eu lhes disse. Mas esse modelo se aplica porque estamos no imaginário, onde o olho tem muita importância.

Alguém introduziu a questão dos dois narcisismos. Vocês devem sentir que é disto que se trata – da relação entre a constituição da realidade e o relacionamento com a forma do corpo, a que, de maneira mais ou menos apropriada, Mannoni chamou ontológica.

Retomemos inicialmente o espelho côncavo, sobre o qual, como lhes mostrei, poderíamos provavelmente projetar toda espécie de coisas cujo sentido é orgânico, e em particular o córtex. Mas não substantivemos depressa demais, porque não se trata aqui, vocês o verão melhor em seguida, de uma pura e simples elaboração da teoria do homenzinho-que-está-no-homem. Se eu estivesse refazendo o homenzinho-que-está-no-homem, não vejo por que o criticaria o tempo todo. E, se eu cedo a isso, é porque há alguma razão para que ceda.

O olho agora, esse olho hipotético de que lhes falei, coloquemo-lo em algum lugar entre o espelho côncavo e o objeto.

Para que esse olho tenha exatamente a ilusão do vaso invertido, isto é, para que ele veja nas condições ótimas, tão boas como se estivesse no fundo da sala, é necessária e suficiente uma única coisa – que haja mais ou menos no meio da sala um espelho plano.

Em outros termos, se colocarmos no meio da sala um espelho, encostando-me no espelho côncavo, verei a imagem do vaso tão bem como se estivesse no fundo da sala, embora não a veja de maneira direta. O que é que vou ver no espelho? Primeiramente, a minha própria cara, lá onde não está. Em segundo lugar, num ponto simétrico ao ponto em que está a imagem real, vou ver aparecer essa imagem real como imagem virtual. Entenderam? Não é difícil compreender, voltando para casa, coloquem-se diante de um espelho, coloquem a mão diante de vocês …

Esse esqueminha não passa de uma elaboração muito simples do que tento lhes explicar há anos, com o estádio do espelho.

Há pouco, Mannoni falava dos dois narcisismos. Há inicialmente com efeito, um narcisismo que se relaciona à imagem corporal. Essa imagem é idêntica para o conjunto dos mecanismos do sujeito e dá sua forma ao seu Umwelt, na medida em que é homem e não cavalo. Ela faz a unidade do sujeito, e nós a vemos se projetar de mil maneiras, até no que se pode chamar a fonte imaginária do simbolismo, que é aquilo através de que o simbolismo se liga ao sentimento, ao Selbstgefühl, que o ser humano, o Mensch, tem do próprio corpo.

Esse primeiro narcisismo se situa, se vocês quiserem, ao nível da imagem real do meu esquema, na medida em que ela permite organizar o conjunto da realidade num certo número de quadros pré-formados.

Claro, esse funcionamento é inteiramente diferente no homem e no animal, que é adaptado a um Umwelt uniforme. Há nele certas correspondências preestabelecidas entre a sua estrutura imaginária e o que lhe interessa no seu Umwelt, a saber, o que importa à perpetuação dos indivíduos, eles próprios função da perpetuação típica da espécie. No homem, ao contrário a reflexão no espelho manifesta uma possibilidade noética original, e introduz um segundo narcisismo. O seu pattern fundamental é imediatamente a relação ao outro.

O outro tem para o homem valor cativante, pela antecipação que representa a imagem unitária tal como é percebida, seja no espelho, seja em toda realidade do semelhante.

O outro, o alter ego, confunde-se mais ou menos, segundo as etapas da vida, com o Ich-Ideal, esse ideal do eu invocado o tempo todo no artigo de Freud. A identificação narcisista – a palavra identificação, indiferenciada é inutilizável –, a do segundo narcisismo é a identificação ao outro que, no caso normal permite ao homem situar com precisão a sua relação imaginária e libidinal ao mundo em geral. Está aí o que lhe permite ver no seu lugar, e estruturar, em função desse lugar e do seu mundo, seu

ser. Mannoni disse ontológico há pouco, eu aceito. Direi exatamente – seu ser libidinal. O sujeito vê o seu ser numa reflexão em relação ao outro, isto é, em relação ao Ich-Ideal.

Vocês vêem aí que é preciso distinguir entre as funções do eu – por um lado, elas desempenham para o homem como para todos os outros seres vivos um papel fundamental na estruturação da realidade – por outro lado, elas devem no homem passar por esta alienação fundamental que constitui a imagem refletida de si mesmo, que é o Ur-Ich, a forma original do Ich-Ideal bem como da relação com o outro.

Isso é suficientemente claro para vocês? Eu já lhes havia dado um primeiro elemento do esquema, hoje dou-lhes outro – a relação reflexiva ao outro. Vocês verão em seguida para que serve esse esquema. (…) Ele será extremamente útil, permitindo-lhes situar quase todas as questões clínicas, concretas, que coloca a função do imaginário, e muito especialmente a propósito desses investimentos libidinais de que a gente acaba não compreendendo mais, quando os manejamos, o que querem dizer.” p.145/146/147/148/149.

 

***

 

“A estrita equivalência do objeto e do ideal do eu na relação amorosa, é uma das noções mais fundamentais na obra de Freud, e a reencontramos a cada passo. O objeto amado é, no investimento amoroso, pela captação que ele opera do sujeito, estritamente equivalente ao ideal do eu. É por esse motivo que há na sugestão, na hipnose, esta função econômica tão importante que é o estado de dependência, verdadeira perversão da realidade pela fascinação pelo objeto amado e sua sobre-estimação. (…)

Bem, vocês não podem deixar de ver a contradição que há entre essa noção do amor e certas concepções míticas da ascese libidinal da Psicanálise. Dá-se como acabamento da maturação afetiva não sei que fusão, comunhão, entre a genitalidade e a constituição do real. Não digo que não haja aí algo de essencial à constituição da realidade, mas resta ainda compreender como. Porque, é um ou outro – ou o amor é o que Freud descreve, função imaginária no seu fundamento, ou bem ele é o fundamento e a base do mundo. Assim como há dois narcisismos, deve haver dois amores, o Eros e o Agape.” p.149.

 

 

Parte 1. Capítulo XI.

 

“A observação essencial de Freud é que é quase indiferente que uma elaboração da libido – vocês sabem o quanto é difícil traduzir Verarbeitung, elaboração não é bem isso – se produza sobre objetos reais ou objetos imaginários. A diferença só aparece mais tarde, quando a orientação da libido se faz para objetos irreais. Isso conduz a um Stauung, a uma barragem da libido, o que nos introduz no caráter imaginário do ego, porque se trata da sua libido.” p.154.

 

“A noção de Anlehnung [apoio] não deixa de ter relação com a noção

de dependência, desenvolvida depois. Mas é uma noção mais vasta e mais rica. Freud faz uma lista dos diferentes tipos de fixação amorosa, que exclui toda referência ao que se poderia chamar uma relação madura – mito da Psicanálise. Há inicialmente, no campo da fixação amorosa, da Verliebtheit, o tipo narcísico. Ele é fixado pelo fato de que se ama – primeiramente, o que se é enquanto si mesmo, quer dizer, Freud precisa isso entre parênteses, si mesmo – em segundo lugar, o que se foi – em terceiro lugar, o que se quereria ser – em quarto, a pessoa que foi uma parte do seu próprio eu. É o Narzissmustypus.

Anlehnungstypus não é menos imaginário, porque está fundado

também numa inversão da identificação. O sujeito encontra então sua referência numa situação primitiva. O que ele ama é a mulher que alimenta e o homem que protege.” p.155.

 

***

 

“Trata-se aí da sedução que exerce o narcisismo. Freud indica o que tem de fascinante e de satisfatório para todo ser humano a apreensão de um ser que apresenta as características desse mundo fechado, fechado sobre si mesmo, satisfeito, pleno, que representa o tipo narcísico. Ele o aproxima da sedução soberana que exerce um belo animal.” p.155/156.

 

***

 

“E Freud emprega aí Ich-Ideal, que é exatamente simétrico e oposto ao Ideal-Ich, É o signo de que Freud designa aqui duas funções diferentes. O que é que isso quer dizer? (…)

Um está no plano do imaginário [Ideal-Ich], o outro no plano do simbólico – porque a exigência do Ich-Ideal toma seu lugar no conjunto das exigências da lei” p.157.

 

***

 

“Sim, estamos na estruturação. Exatamente onde se desenvolve toda a experiência analítica, na junção do imaginário e do simbólico. Há pouco, Leclaire colocou a questão de saber qual é a função da imagem e qual a função que eu chamei a ideia. A ideia, sabemos bem que ela nunca vive sozinha. Vive com todas as outras ideias, Platão já nos ensinou isto.” p.160.

 

 

Parte 2. Capítulo XI.

 

“Digamos que, no mundo animal, todo o ciclo do comportamento

sexual é dominado pelo imaginário. Por outro lado, é no comportamento sexual que vemos manifestar-se a maior possibilidade de deslocamento, e isso, mesmo no animal. Já o usamos a título experimental quando apresentamos ao animal um logro, uma falsa imagem, um parceiro masculino que é apenas uma sombra com as características maiores do dito cujo. Na ocasião das manifestações do fenótipo que, em numerosas espécies, se produz no momento biológico que chama o comportamento sexual, basta apresentar esse logro para desencadear a conduta sexual.

A possibilidade de deslocamento, a dimensão imaginária, ilusória, é essencial a tudo que é da ordem dos comportamentos sexuais.

Será que no homem, sim ou não, é igual? Essa imagem, poderia ser isso, esse Ideal-Ich de que falamos há pouco. Por que não? Não obstante, não pensamos em chamar a esse engodo o Ideal-Ich. Onde situá-lo então? Aqui se revelam os méritos do meu aparelhinho.” [Lacan se refere ao esquema óptico] p.161/162.

 

***

“No homem, nós o sabemos, as manifestações da função sexual se caracterizam por uma desordem eminente. Não há nada que se adapte. Essa imagem em volta da qual nós, psicanalistas, nos deslocamos, apresenta, quer se trate das neuroses ou das perversões, uma espécie de fragmentação, de explosão, de despedaçamento, de inadaptação, de inadequação. Há aí como que um jogo de esconde-esconde entre a imagem e seu objeto normal – se é que adotamos o ideal de uma norma no funcionamento da sexualidade. Como poderíamos então representar o mecanismo pelo qual essa imaginação em desordem chega finalmente, não obstante, a preencher, sua função?” p.162.

 

 

***

 

“Do que é que se trata? – senão de ver qual é a função do outro, do outro humano, na adequação do imaginário e do real.

Reencontramos aí o pequeno esquema [óptico]. Acrescentei a ele, na

última sessão, um aperfeiçoamento que constitui uma parte essencial do que procuro demonstrar. A imagem real só pode ser vista de maneira consistente num certo campo do espaço real do aparelho, o campo diante do aparelho constituído pelo espelho esférico e o buquê invertido.

Situamos o sujeito na borda do espelho esférico. Mas sabemos que a visão de uma imagem no espelho plano é exatamente equivalente, para o sujeito, ao que seria a imagem do objeto real para um espectador que estivesse para além desse espelho, no lugar mesmo em que o sujeito vê sua imagem. Podemos, pois, substituir o sujeito por um sujeito virtual, SV, situado no interior do cone que delimita a possibilidade da ilusão – é o campo x’y’ [ver figura p.163]. O aparelho que inventei mostra pois que, se estivermos colocados num ponto muito próximo da imagem real, podemos não obstante vê-la, num espelho, no estado e imagem virtual. É o que se produz no homem.

O que é que resulta disso? Uma simetria muito particular. Com efeito, o sujeito virtual, reflexo do olho mítico quer dizer, o outro que somos, está lá onde vimos inicialmente nosso ego – fora de nós –na forma humana. Essa forma está fora de nós não enquanto feita para captar um comportamento sexual, mas enquanto fundamentalmente ligada à impotência primitiva do ser humano. O ser humano não vê sua forma realizada, total, a miragem de si mesmo, a não ser fora de si. (…)

Aquilo que o sujeito, que existe vê no espelho, é uma imagem, nítida ou bastante fragmentada, inconsistente, descompletada. Isso depende da sua posição em relação à imagem real. Muito nas bordas, vê-se mal. Tudo depende da incidência particular do espelho. É só no cone que se pode ter uma imagem nítida.

Da inclinação do espelho depende, pois, que vocês vejam menos ou mais perfeitamente a imagem. Quanto ao espectador virtual, que vocês, pela ficção do espelho, substituem a vocês mesmos para ver a imagem real, basta que o espelho plano esteja inclinado de um certo modo para que fique no campo em que se vê muito mal. Só por esse fato, vocês também, vocês vêem muito mal a imagem no espelho. Digamos que isso representa a difícil acomodação do imaginário no homem.

Podemos supor agora que a inclinação do espelho plano é comandada pela voz do outro. Isso não existe ao nível do estádio do espelho, mas é em seguida realizado pela nossa relação com outrem no seu conjunto – a relação simbólica. Vocês podem apreender então que a regulação do imaginário depende de algo que está de modo transcendente, como diria o Sr. Hyppolite – o transcendente no caso não sendo aqui nada mais que a ligação simbólica entre os seres humanos.

O que é a ligação simbólica? É, para colocar os pingos nos ii, que socialmente nós nos definimos por intermédio da lei. É da troca dos símbolos que nós situamos uns em relação aos outros nossos diferentes eus – você é você, Mannoni, e eu, Jacques Lacan, e estamos numa certa relação simbólica, que é complexa, segundo os diferentes planos em que nos colocamos, segundo estejamos juntos no comissariado de polícia, juntos nesta sala, juntos em viagem.

Em outros termos, é a relação simbólica que define a posição do sujeito como aquele que vê. É a palavra, a função simbólica que define o maior ou menor grau de perfeição, de completude, de aproximação do imaginário. A distinção é feita nessa representação entre o Ideal-Ich e o Ich-Ideal, entre o eu-ideal e o ideal do eu. O ideal do eu comanda o jogo de relações de que depende toda a relação a outrem. E dessa relação a outrem depende o caráter mais ou menos satisfatório da estruturação imaginária.

Um tal esquema lhes mostra que o imaginário e o real agem no mesmo nível. Para compreendê-lo, basta fazer um pequeno aperfeiçoamento a mais nesse aparelho. Imaginem que este espelho é um vidro. Vocês se vêem no vidro e vêem os objetos além. Trata-se justamente disto – de uma coincidência entre certas imagens e o real. De que falamos nós, senão disso, quando evocamos uma realidade oral, anal, genital, quer dizer, uma certa relação entre nossas imagens e as imagens? Não é outra coisa senão das imagens do corpo humano, e a hominização do mundo, a sua percepção em função de imagens ligadas à estruturação do corpo. Os objetos reais, que passam por intermédio do espelho e através dele, estão no mesmo lugar que o objeto imaginário. O próprio da imagem é o investimento pela libido. Chama-se investimento libidinal aquilo através de que um objeto se torna desejável, quer dizer, aquilo através de que se confunde com essa imagem que levamos em nós, diversamente, e mais ou menos estruturada.” p.183/164/165.

 

***

 

“(…) no homem nenhuma regulação imaginária que seja verdadeiramente eficaz e completa pode se estabelecer senão pela intervenção de outra dimensão [Lacan se refere ao simbólico]. O que busca, pelo menos miticamente, a análise.

Qual é o meu desejo? Qual é a minha posição na estruturação imaginária? Esta posição não é concebível a não ser que um guia se encontre para além do imaginário, ao nível do plano simbólico, da troca legal que só pode se encarnar pela troca verbal entre os seres humanos. Esse guia que comanda o sujeito é o ideal do eu.

A distinção é absolutamente essencial, e nos permite conceber o que se passa na análise no plano imaginário, e que se chama transferência.

Para apreendê-lo – está aí o mérito do texto de Freud – é preciso compreender o que é a Verliebtheit, o amor. O amor é um fenômeno que se passa ao nível do imaginário, e que provoca uma verdadeira subdução do simbólico, uma espécie de anulação, de perturbação da função do ideal do eu. O amor reabre a porta – como escreve Freud, que não usa meias medidas – à perfeição.

Ich-Ideal, o ideal do eu, é o outro enquanto falante, o outro enquanto tem comigo, uma relação simbólica, sublimada, que no nosso manejo dinâmico é, ao mesmo temposemelhante e diferente da libido imaginária. A troca simbólica é o que liga os seres humanos entre si, ou seja, a palavra, e que permite identificar o sujeito. Não se trata aí de metáfora – o símbolo engendra seres inteligentes, como diz Hegel.

Ich-Ideal, enquanto falante, pode vir sitiar-se no mundo dos objetos ao nível do Ideal-Ich, ou seja, ao nível em que se pode produzir essa captação narcísica com que Freud nos martela os ouvidos ao longo desse texto. Pensem que, no momento, em que essa confusão se produz, não há mais nenhuma espécie de regulação possível do aparelho. Ou, em outras palavras, quando se está apaixonado, se é louco, como diz a linguagem popular.

Gostaria de ilustrar aqui a psicologia do amor à primeira vista. Lembrem-se de Werther vendo pela primeira vez Lotte, que ninava maternalmente uma criança. É uma imagem perfeitamente satisfatória do Anlehnungstypus no plano anaclítico. Essa coincidência do objeto com a imagem fundamental para o herói de Goethe é o que desencadeia sua ligação mortal – será preciso elucidar, numa próxima vez, por que essa ligação é fundamentalmente mortal. É isso, o amor. É o seu próprio eu que se ama no amor, o seu próprio eu realizado ao nível imaginário.

A gente se mata ao se colocar este problema – como será que nos neuróticos, que são tão entravados no plano do amor, a transferência pode se produzir? A produção da transferência tem um caráter absolutamente universal, verdadeiramente automático, enquanto as exigências do amor são, ao contrário, como todos sabem, tão especificas… Não é todos os dias que se encontra o que é feito para dar a justa imagem do seu desejo. Como, então, se explica que na relação analítica, a transferência, que é da mesma natureza que o amor – Freud no-lo diz (…) – se produza, pode-se dizer antes mesmo que a análise tenha começado? Certo, não é talvez inteiramente a mesma coisa antes e durante a análise.” p.166/167.

 

Parte 2. Capítulo 12

  1. 168-177; p. 179-182; p. 184-186

 

            “Já que foram vocês que tiveram a gentileza de me acionar hoje, não vejo por que não começaria a relembrar o tema hegeliano fundamental – o desejo do homem é o desejo do outro.

É exatamente isso que está expresso no modelo pelo espelho plano. É aí também que reencontramos o estádio do espelho clássico de Jacques Lacan, esse momento de virada que aparece no desenvolvimento em que o indivíduo faz sua própria imagem no espelho, de si mesmo, um exercício triunfante. Podemos, por certas correlações do seu comportamento, compreender que se trata aí, pela primeira vez, de uma apreensão antecipada do domínio”. p. 172

 

 

            “O sujeito localiza e reconhece originalmente o desejo por intermédio não só da sua própria imagem, mas também do corpo do seu semelhante. É exatamente aí, nesse momento, que se isola, no ser humano, a consciência enquanto consciência de si. É, na

medida em que é no corpo do outro que ele reconhece o seu desejo que a troca se faz. É na medida em que o seu desejo passou para o outro lado, que ele assimila o corpo do outro e se reconhece como corpo”. p. 172-173

 

***

 

“Quando é certo que, se há para nós um dado fundamental, antes mesmo de toda emergência do registro da consciência infeliz, é a distinção da nossa consciência e do nosso corpo. Esta distinção faz do nosso corpo algo de fictício, de que nossa consciência é bem impotente para se destacar, mas de que se concebe – estes termos não são talvez os mais adequados – como distinta.

A distinção da consciência e do corpo faz-se nessa brusca inversão de papéis que ocorre na experiência do espelho quando se trata do outro.

[…] nos reconhecemos corpo na medida em que esses outros, indispensáveis para reconhecer o nosso desejo, têm também um corpo, ou, mais exatamente que o temos como eles”. p. 173

 

***

 

“O corpo como desejo despedaçado se procurando, e o corpo como ideal de si, se reprojetam do lado do sujeito como corpo despedaçado, enquanto ele vê o outro como corpo perfeito. Para o sujeito, um corpo despedaçado é uma imagem essencialmente desmembrável do seu corpo”. p.174

 

***

 

“O homem atingiu o acabamento da sua libido antes de encontrar o objeto dela. É por aí que se introduz essa falha especial que se perpetua nele na relação a um outro infinitamente mais mortal para ele que para qualquer outro animal. Essa imagem do mestre, que é o que ele vê sob a forma da imagem especular, confunde-se nele com a imagem da morte. O homem pode estar em presença do mestre absoluto. Esta aí originalmente, quer isso lhe tenha sido ensinado ou não, na medida em que está submetido a essa imagem”. p. 175

 

***

 

“Portanto, o sujeito toma consciência do seu desejo no outro, por intermédio da imagem do outro que lhe dá a fantasia do seu próprio domínio. Assim como é muito frequente nos nossos raciocínios científicos reduzirmos o sujeito a um olho, poderíamos também reduzi-lo a uma personagem instantânea, apreendida na relação à imagem antecipada dele mesmo, independentemente de sua evolução. Mas resta o fato de que é um ser humano, de que nasceu num estado de impotência, e que, muito precocemente, as palavras, a linguagem, lhe serviram de apelo, e de apelo dos mais miseráveis, quando era dos seus gritos que dependia a sua comida”. p. 182

 

***

 

“No meu modelinho para conceber a incidência da relação simbólica, basta supor que é a intervenção das relações de linguagem que produz as viradas do espelho, as quais apresentarão ao sujeito, no outro, no outro absoluto, figuras diferentes do seu desejo. Há conexão entre a dimensão imaginária e o sistema simbólico, na medida em que aí se inscreve a história do sujeito, não a Entwickelung, o desenvolvimento, mas a Geschichte, ou seja, aquilo em que o sujeito se reconhece correlativamente, no passado e no futuro”. p. 184

 

 

Parte 3. Capítulo 13

  1. 191-192; p. 194-199; p. 201-202

 

“Quando Freud fala do ego, não se trata de forma alguma de não sei o que de incisivo, de determinante, de imperativo, por onde ele se confundiria com o que se chamam, na Psicologia acadêmica, instâncias superiores. Freud sublinha que isso deve ter a maior relação com a superfície do corpo. Não se trata da superfície sensível, sensorial, impressionada, mas dessa superfície enquanto está refletida muna forma. Não há forma que não tenha superfície, uma forma e definida pela superfície – pela diferença no idêntico, quer dizer, a superfície.

A imagem da forma do outro é assumida pelo sujeito. Está situada no seu interior, essa superfície graças a qual se introduz na Psicologia humana a relação com o fora do dentro através de que o sujeito se sabe, se conhece como corpo.

É, aliás, a única diferença verdadeiramente fundamental entre a Psicologia humana e a Psicologia animal. O homem se sabe como corpo, quando não há afinal de contas nenhuma razão para que se saiba, porque ele está dentro. O animal também está dentro, mas não temos nenhuma razão para pensar que o representa para si.

É num movimento de báscula, de troca com o outro que o homem se apreende como corpo, forma vazia do corpo. Da mesma forma, tudo o que está então nele no estado de puro desejo, desejo originário, inconstituído e confuso, o que se exprime no vagido da criança – é invertido no outro que ele aprenderá a reconhecê-lo. Aprenderá, porque não aprendeu ainda, enquanto não colocamos em jogo a comunicação”. p. 197

 

“Na origem, antes da linguagem, o desejo só existe no plano da relação imaginária do estado especular, projetado, alienado no outro. A tensão que ele provoca é então desprovida de saída. Quer dizer, não tem outra saída – Hegel no-lo ensina – senão a destruição do outro”. p. 197-198

                                                            ***

 

“A relação imaginária primordial dá o quadro fundamental de todo erotismo possível. É uma condição a qual deverá ser submetido o objeto de Eros enquanto tal. A relação objetal deve se submeter sempre ao quadro narcísico e se inscrever nele. Ela o transcende certamente, mas de maneira impossível de realizar no plano imaginário. É o que faz para o sujeito a necessidade do que chamarei amor”. p 202

 

 

Parte 3. Capítulo 14

  1. 204-211; p. 214-215

 

“O desejo é, no sujeito humano, realizado no outro, pelo outro – no outro, como vocês dizem. Está aí o segundo tempo, o tempo especular, o momento em que o sujeito integrou a forma do eu. Mas só pôde integrá-la após um primeiro jogo de báscula em que trocou justamente o seu eu por esse desejo que vê no outro. Desde então, o desejo do outro, que é o desejo do homem, entra na mediatização da linguagem. É no outro, pelo outro, que o desejo é nomeado. Entra na relação simbó1ica do eu e do tu, numa relação de reconhecimento recíproco e de transcendência, na ordem de uma lei já inteiramente pronta para incluir a história de cada indivíduo”. p. 206

 

***

 

“Eu me resumo. A projeção da imagem, sucede constantemente a do desejo. Corre1ativamente, há re-introjeção da imagem e re-introjeção do desejo. Jogo de báscula, jogo em espelho. Evidentemente, essa articulação não se produz uma única vez. Ela se repete. E, ao longo desse ciclo, seus desejos são reintegrados, reassumidos pela criança”. p. 207

 

***

 

“Seja como for, se a libido primitiva é relativa à prematuração, a libido segunda é de outra natureza. Vai além, responde a uma primeira maturação do desejo, senão do desenvolvimento vital. É pelo menos o que devemos supor para que a teoria se sustente e a experiência possa ser explicada. Há aí uma mudança total de nível na relação do ser humano à imagem, ao outro. É o ponto pivô do que se chama maturação, em torno do qual gira todo drama edipiano. É o correlato instintivo do que no Édipo se passa no plano situacional”. p. 209

 

***

 

“É a ruptura das amarras da palavra que permite ao sujeito ver, pelo menos sucessivamente, as diversas partes da sua imagem, e obter o que podemos chamar uma projeção narcísica máxima. A análise, a esse respeito, é bastante rudimentar ainda, porque consiste no início, é preciso dizê-lo, em soltar tudo, vendo o que isso vai produzir. As coisas teriam podido, poderiam ser levadas de outra forma – não é inconcebível. Seja como for, isso só pode tender a produzir ao máximo a revelação narcísica no plano imaginário”. p. 211

 

 

Parte 3. Capítulo 15

  1. 218; p. 220-221; p. 224-225; p. 228; p. 230

 

“Naquele momento, o desejo é, pelo sujeito, sentido – não pode sê-lo sem a conjunção da palavra. E é um momento de pura angústia, e nada mais. O desejo emerge numa confrontação com a imagem. Quando essa imagem, que tinha sido descompletada, se completa, quando a face imaginária que estava não integrada, reprimida, recalcada, surge, então a angústia aparece. É o ponto fecundo”. p. 218

 

***

 

“Uma vez realizado o número de voltas necessárias para que os objetos do sujeito apareçam, e sua história imaginária seja completada, uma vez que os desejos sucessivos, tensionários, suspensos, angustiantes do sujeito estejam nomeados e reintegrados, nem por isso tudo está acabado. O que esteve inicialmente lá, em O, depois aqui, em O’, depois de novo em O, deve ir se reportar no sistema completado dos símbolos. A saída mesma da análise o exige.

Onde deve parar esse reenvio? Será que deveríamos levar a intervenção analítica até diálogos fundamentais sobre a justiça e a coragem, na grande tradição dialética?

É uma questão. Não é fácil de resolver, porque, na verdade, o homem contemporâneo se tornou singularmente inábil para abordar esses grandes temas. Prefere resolver as coisas em termos de conduta, de adaptação, de moral de grupo e outras banalidades. Donde a gravidade do problema que coloca a formação humana do analista”. p. 230

 

 

Parte 4. Capítulo 16

  1. 236

 

Parte 4. Capítulo 17

  1. 244-246; p. 248-250

 

            “Para a criança, há inicialmente o simbólico e o real, contrariamente ao que se acredita. Tudo que vemos se compor, se enriquecer e se diversificar no registro do imaginário parte desses dois pólos. Se vocês acreditam que a criança é mais cativa do imaginário que do resto, vocês têm razão num certo sentido. O imaginário está lá. Mas nos é absolutamente inacessível. Ele só nos é acessível a partir de suas realizações no adulto”. p. 250

 

Parte 4. Capítulo 18

  1. 251-256; p. 258-259; p. 262-265

 

“Báscula incessante do espelho das ilusões que, a cada instante, faz uma volta completa sobre si mesmo – o sujeito se esgota em perseguir o desejo do outro, que ele não poderá nunca apreender como seu desejo próprio, porque o seu desejo próprio é o desejo do outro. É a si mesmo que ele persegue. Aí reside o drama dessa paixão ciumenta, que é também uma forma da relação intersubjetiva imaginária”. p. 253

 

 

“Afinal de contas, toda uma parte da experiência analítica não é nada além disto – a exploração dos becos sem saída da experiência imaginária, dos seus prolongamentos que não são inumeráveis, porque repousam na estrutura mesma do corpo enquanto define como tal uma topografia concreta. Na história do sujeito, ou antes no seu desenvolvimento, aparecem certos momentos fecundos, temporalizados, em que se revelam os diferentes estilos de frustração. São os ocos, as falhas, as hiâncias aparecidas no desenvolvimento que definem esses momentos fecundos”. p. 253

 

                                                            ***

 

            “A relação do senhor e do escravo é um exemplo-limite porque, é claro, o registro imaginário em que se desdobra só aparece no limite da nossa experiência. A experiência analítica não é total. É definida num outro plano que não o plano imaginário – o plano simbólico”. p. 254

 

***

 

“Isso faz eco ao meu ouvido também. Só que, não é dessa maneira que concebo o termo analítico. A fórmula de Freud – lá onde o isso estava, o eu deve estar – é entendida de hábito segundo uma espacialização grosseira, e a reconquista analítica do isso se reduz, no final das contas, a um ato de miragem. O ego se vê num si que não é senão uma última alienação dele mesmo, só que mais aperfeiçoada do que todas as que ele conheceu ate então”. p. 264

 

 

Parte 5. Capítulo 19

  1. 272-274; p. 276-277

 

            “É bem agradável ver ao mesmo tempo o quanto o autor vai longe e o quanto está embaraçado. Tudo se passa para ele no nível do imaginário. O fundamento da transferência é, pensa ele, a projeção, na realidade, de algo que não está lá. O sujeito exige que seu parceiro seja uma forma, um modelo, do seu pai por exemplo”. p. 273

 

Parte 5. Capítulo 20

  1. 280

 

            “Essa precisão é que é somente no plano do simbólico que a função da transferência pode ser compreendida. Em torno desse ponto central, ordena-se todas as manifestações nas quais a vemos aparecer-nos e isso até no domínio do imaginário”. p. 280

 

Parte 5. Capítulo 21

  1. 297; p. 308-309

 

“Para situar as questões que se relacionam a isso, é preciso partir do ponto central a que nossa investigação dialética nos levou, a saber, que não se pode dar conta da transferência como de uma relação dual, imaginária, e que o motor do seu progresso é a palavra”. p. 297

 

                                                            ***

 

            “Um tal esquema presentifica a vocês isto – é somente na dimensão do ser, e não na do real, que podem se inscrever as três paixões fundamentais – na junção do simbólico e do imaginário, essa fenda se vocês quiserem, essa aresta, que se chama o amor – na junção do imaginário e do real, o ódio – na junção do real e do simbólico, a ignorância”. p. 309

 

 

Parte 5. Capítulo 22

  1. 313-316 ; p. 320-327

 

“Aprendam a distinguir agora o amor, como paixão imaginária, do dom ativo que constitui no plano simbólico. O amor, o amor daquele que deseja ser amado, é essencialmente uma tentativa de capturar o outro em si mesmo, em si mesmo como objeto. A primeira vez que falei longamente do amor narcísico, era, lembrem-se disto, no prolongamento mesmo da dialética da perversão”. p. 314-315

 

***

 

“Há outra forma de abordar o problema da transferência, é fazê-lo a esse nível do imaginário, cuja importância não deixamos de sublinhar aqui. O desenvolvimento relativamente recente da Etologia animal nos permite dar disso uma estruturação mais clara que Freud. Mas essa dimensão foi nomeada como tal no texto de Freud – imaginare. Como poderia ele evitá-lo? Vocês viram esse ano, na Introdução ao Narcisismo, a relação do vivente aos objetos que ele deseja, está ligada a condições de Gestalt que situam como tal a função do imaginário.

A função do imaginário não é de modo algum desconhecida na teoria analítica, mas introduzi-la apenas para tratar da transferência é colocar um tampão em cada orelha, porque ela está presente em todo lugar, e, em particular, quando se trata da identificação. Todavia, trata-se de não empregá-la a torto e a direito”. p. 320

 

***

 

“No homem, o imaginário é reduzido, especializado, centrado na imagem especular, que faz ao mesmo tempo os impasses e a função da relação imaginária.

A imagem do eu – pelo simples fato de que ele é imagem, o eu é eu ideal – resume toda a relação imaginária no homem. Por se produzir num momento em que as funções estão ainda inacabadas, ela apresenta um valor salutar, suficientemente expresso na assunção jubilatória do fenômeno do espelho, mas não está menos em relação com a prematuração vital e portanto com um deficit original, com uma hiância à qual fica ligada na sua estrutura.

Essa imagem de si, o sujeito a reencontrará sem cessar como o quadro mesmo das suas categorias, da sua apreensão do mundo – objeto, e isso, por intermédio do outro. É no outro que ele reencontrará sempre o seu eu-ideal, donde se desenvolve a dialética das suas relações ao outro.

Se o outro satura, preenche essa imagem, ele se torna objeto de um investimento narcísico que é o da Verliebtheit, Lembrem-se de Werther encontrando Charlotte no momento em que ela segura nos braços uma criança – isso cai bem na imago narcísica do jovem herói do romance. Se, ao contrário, na mesma vertente, o outro aparece como frustrando o sujeito do seu ideal e da sua própria imagem, engendra a tensão destrutiva máxima. Por um nadinha, a relação imaginária ao outro vira num sentido ou num outro, o que dá a chave das questões que Freud se coloca a propósito da transformação súbita, na Verliebtheit, entre o amor e o ódio”. p. 321-322

 

***

 

“O fenômeno da transferência encontra a cristalização imaginária. Gira em torno dela e deve juntar-se a ela.

Em O, situo a noção inconsciente do eu do sujeito. Esse inconsciente é feito do que o sujeito desconhece essencialmente da sua imagem estruturante, da imagem do seu eu – sejam as cativações às fixações imaginárias que foram inassimiláveis ao desenvolvimento simbólico da sua história – isso quer dizer que era traumático.

Na análise, do que se trata? Que o sujeito possa totalizar os diversos acidentes cuja memória é guardada em O, sob uma forma que está fechada ao seu acesso. Ela não se abre senão pela verbalização, quer dizer, pela mediação do outro, seja o analista. É pela assunção falada da sua historia, que o sujeito se engaja na via da realização do seu imaginário truncado.

Essa complementação do imaginário se realiza no outro, à medida que o sujeito o assume no seu discurso, enquanto o faz ouvir pelo outro.

O que está do lado de O passa do lado de O’. Tudo o que se profere de A, do lado do sujeito, se faz ouvir em B, do lado do analista.

O analista o ouve, mas, em compensação, o sujeito também. O eco do seu discurso é simétrico ao especular da imagem. Essa dialética giratória, que eu represento no esquema por uma espiral, aproxima sempre mais O’ e O. O progresso do sujeito no seu ser deve finalmente levá-lo a O, por uma série de pontos que se repartem entre A e O”. p. 323

 

***

 

“É somente após ter esboçado, um certo número de vezes, saídas imaginárias para fora da prisão do mestre, e isso, segundo certas escansões, segundo um certo timing, é somente então, que o obsedado pode realizar o conceito das suas obsessões, quer dizer, o que elas significam”. p. 326

Parte 1. Capítulo II

 

 

“Mas fica aí a clivagem entre o plano do imaginário ou do intuitivo – no qual, com efeito, funciona a reminiscência, ou seja, o tipo, a forma eterna, o que também se pode denominar intuições a priori – e a função simbólica que não lhe é absolutamente homogênea, e cuja introdução na realidade constitui um forçamento.” p.28.

 

***

 

“Creio justamente que há dois tipos de relação com o tempo. A partir do momento em que uma parte do mundo simbólico emerge, ela cria, efetivamente, seu próprio passado. Mas não do mesmo jeito que a forma no nível intuitivo. É justamente na confusão dos dois planos que reside o erro, o erro de crer que aquilo que a ciência constitui por intermédio da intervenção da função simbólica estava aí desde sempre, de crer que está dado.

Este erro existe em todo saber, visto que é apenas uma cristalização da atividade simbólica, e que, uma vez constituído, ele a esquece. Há em todo saber, uma vez constituído, uma dimensão de erro, que consiste em esquecer a função criadora da verdade em sua forma nascente. (…) Mas nós, analistas, que trabalhamos na dimensão desta verdade em estado nascente, não podemos esquecê-la.” p.29/30.

 

***

 

Parte 1. Capítulo III

 

“Para descobrir o complexo de Édipo, foi preciso examinar primeiro os neuróticos, para passar depois a um círculo muito mais amplo de indivíduos. Foi por isto que eu disse que o complexo de Édipo, com a intensidade fantasiástica que nele descobrimos, a importância e a presença que tem no plano imaginário para o sujeito com o qual lidamos, devia ser concebido como um fenômeno recente, terminal, e não original, com relação àquilo de que Lévi-Strauss nos fala.” p.42.

 

Parte 3. Capítulo III

 

“Penso poder mostrar que para conceber a função que Freud designa sob o nome de o eu, assim como para ler a metapsicologia freudiana inteira, é indispensável servir-se desta distinção de planos e de relações expressa pelos termos de simbólico, de imaginário e de real.

Para que serve isso? Isso serve para conservar seu sentido a uma experiência simbólica particularmente pura, a da análise.” p.53.

 

***

 

“O eu, em seu aspecto mais essencial, é uma função imaginária. Isto é uma descoberta da experiência e não uma categoria, a priori, como a do simbólico. (…) Dado que somos o eu, não só temos uma experiência dela, como ela é tanto um guia de nossa experiência quanto os diferentes registros que foram chamados guias de vida, isto é, as sensações.

A estrutura fundamental, central, de nossa experiência, é de ordem propriamente imaginária. E podemos até apreender o quanto esta função no homem já é distinta daquilo que ela é no conjunto da natureza.

Reencontramos a função imaginária na natureza sob mil formas – trata-se de todas as captações gestaltistas ligadas ao cortejamento tão essencial à manutenção da atração sexual no interior da espécie.

Ora, a função do eu apresenta no homem características distintas. É isso a grande descoberta da análise – no nível da relação genérica, ligada à vida da espécie, o homem já funciona de modo diferente. Nele já há uma fissura, uma perturbação profunda da relação vital. Eis aí a importância da noção do instinto de morte que Freud introduziu” p.53/54.

 

***

“Gostaria de falar-lhes, da próxima vez, do seguinte – o Eu como função e como símbolo. É aí que funciona a ambiguidade. O eu, função imaginária, só intervém na vida psíquica como símbolo” p.56.

 

Parte 1. Capítulo IV

            “As resistências têm sempre sua sede, nos ensina a análise, no eu. O que corresponde ao eu é a o que por vezes chamo a soma dos preconceitos que comporta todo saber, e que cada um de nós carrega individualmente. Trata-se de algo que inclui o que sabemos ou cremos saber – pois saber é sempre, por algum lado, crer saber.” p.58.

Parte 1. Capítulo 1

  1. 15-18; p. 20; p. 23-24

 

“O imaginário, vocês o viram também transparecer pela referência que fiz a etologia animal, isto é, a suas formas cativantes, ou captadoras, que constituem os trilhos pelos quais o comportamento animal é conduzido aos seus fins naturais. O Sr. Piéron, que não esta para nós em odor de santidade, intitulou um de seus livros, A sensação, guia de vida. E um belíssimo título, mas não sei se ele se aplica tanto à sensação quanto o diz, e o conteúdo do livro certamente não o confirma. O que é exato nessa perspectiva é que o imaginário é sem dúvida guia de vida para todo o campo animal. Se a imagem desempenha igualmente um papel capital no campo que é o nosso, esse papel é inteiramente retomado, refeito, reanimado pela ordem simbó1ica. A imagem é sempre mais ou menos integrada nessa ordem que se define no homem, lembro isso a vocês, por seu caráter de estrutura organizada”. p. 17

 

***

 

“A relação ao corpo próprio caracteriza no homem o campo no fim de contas reduzido, mas verdadeiramente irredutível, do imaginário. Se alguma coisa corresponde no homem a função imaginária tal como ela opera no animal, e tudo o que o relaciona de uma, maneira eletiva, mas sempre tão pouco apreensível quanto possível, a forma geral de seu corpo em que tal ponto é dito zona erógena. Essa relação, sempre no limite do simbólico, só a experiência analítica permitiu apreendê-la em suas últimas instâncias”. p. 20

 

***

 

“Autentificar assim tudo o que no sujeito é da ordem do imaginário é, propriamente falando, fazer da análise a antecâmara da loucura, e nós só temos é de ficar admirados que isso não leve a uma alienação mais profunda – sem dúvida, esse fato indica bastante que, para ser louco, é necessário alguma predisposição, se não alguma condição”. p. 23

 

Parte 1. Capítulo 2

  1. 30; p. 37

 

“Ao falar com vocês do carro vermelho, eu procurava a esse respeito mostrar-lhes o alcance diferente que pode assumir a cor vermelha, conforme seja ela considerada em seu valor perceptivo, em seu valor imaginário e em seu valor simbólico. Nos comportamentos normais também, traços até então neutros, podem assumir um valor”. p. 30

 

***

 

“O delírio, cuja riqueza vocês verão, apresenta analogias surpreendentes, não apenas por seu conteúdo, pelo simbolismo da imagem, mas também em sua construção, sua própria estrutura, com certos esquemas que podemos nós mesmos ser convocados a extrair de nossa experiência”. p. 37

 

Parte 1. Capítulo 3

  1. 48; p. 50; p. 52; p. 54

 

“Como isso será possível? É que o eu humano é o outro, e que no começo o sujeito está mais próximo da forma do outro do que do surgimento de sua própria tendência. Ele é originariamente coleção incoerente de desejos – aí está o verdadeiro sentido da expressão corpo espedaçado – e a primeira síntese do ego é essencialmente alter ego, ela é alienada. O sujeito humano desejante se constitui em torno de um centro que é o outro na medida em que ele lhe dá a sua unidade, e o primeiro acesso que ele tem do objeto, é o objeto enquanto objeto do desejo do outro.

Isso define, no interior da relação da fala, alguma coisa que provém de uma outra origem – e exatamente a distinção do imaginário e do real. Uma alteridade primitiva esta inclusa no objeto, na medida em que ele e primitivamente objeto de rivalidade e de concorrência. Ele só interessa enquanto objeto do desejo do outro”. p. 50

 

***

 

“Vocês já devem ver a diferença de nível que há entre a alienação como forma geral do imaginário e a alienação na psicose. Não se trata simplesmente de identificação e do cenário vacilante do lado do outro com minúscula. Desde que o sujeito fala, há o Outro com A maiúsculo. Sem isso, não haveria problema da psicose. Os psicóticos seriam máquinas de fala”. p. 52

 

Parte 1. Capítulo 4

  1. 58; p. 63-66; p. 68

 

“Nossa paciente não diz que é um outro qualquer atrás dela que fala, ela recebe dele sua própria fala, mas não invertida, sua própria fala está no outro que é ela mesma, o outro com minúscula, seu reflexo no seu espelho, seu semelhante. Porca é replicado toma lá dá cá e não se sabe mais o que vem primeiro”. p. 64

 

***

 

“E depois há a significação, que remete sempre a significação. É claro, o significante pode ser tomado aí a partir do momento em que vocês dão a ele uma significação, em que vocês criam um outro significante enquanto significante, alguma coisa nesta função de significação. É por isso que se pode falar da linguagem. Mas a partilha significante-significado sempre se reproduzirá. Que a significação seja da natureza do imaginário não é duvidoso. Ela é, como o imaginário, no fim das contas sempre evanescente, pois está estritamente ligada ao que lhes interessa, isto é, àquilo a que vocês estão presos”. p. 66

 

                                                            ***

 

“Há várias alteridades possíveis, e veremos como estas se manifestam em um delírio completo como o de Schreber. Há em primeiro lugar o dia e a noite, o sol e a lua, as coisas que voltam sempre ao mesmo lugar, e a que Schreber chama a ordem natural do mundo. Há a alteridade do Outro que corresponde ao S, isto é, o Outro com maiúscula, sujeito que não é conhecido por nós, o Outro que é da natureza do simbólico, o Outro ao qual nos dirigimos para além do que se vê. No meio, há os objetos. E depois, no nível de S, há alguma coisa que é da dimensão do imaginário, o eu e o corpo, espedaçado ou não, mas antes espedaçado”. p. 68

 

Parte 2. Capítulo 5

  1. 75; p. 77-78; p. 81-85

 

“A questão que se coloca é a de saber se nos encontramos diante de um mecanismo propriamente psicótico que seria imaginário e que iria da primeira entrevisão de uma identificação e de uma captura na imagem feminina, até o desabrochar de um sistema do mundo em que o sujeito está completamente absorvido em sua imaginação de identificação feminina”. p. 77

 

***

 

“(…) a relação psicótica, em seu grau último de desenvolvimento, comporta a introdução da dialética fundamental do engano numa dimensão, se podemos assim dizer, transversal em relação àquela da relação autêntica. O sujeito pode falar ao Outro na medida em que com ele se trata de fé ou de fingimento, mas é aqui – na dimensão de um imaginário submetido, característica fundamental do imaginário – que se produz, como um fenômeno passivo, como uma experiência vivida do sujeito, este exercício permanente do engano capaz de subverter qualquer que seja a ordem, mítica ou não, no próprio pensamento. O que faz com que o mundo, como vocês vão vê-lo ser desenvolvido no discurso do sujeito, se transforme no que chamamos uma fantasmagoria, mas que é, para ele, o que há de mais certo de seu vivido, e esse jogo de engano que ele mantém, não com um outro que seria semelhante a ele, mas com esse ser primeiro, garante mesmo do real”. p. 84

 

Parte 2. Capítulo 6

  1. 95; p. 100; p. 104-105

 

“O sujeito, por não poder restabelecer de maneira alguma a pacto do sujeito com o outro, por não poder fazer uma mediação simbólica qualquer entre o que é o novo e ele próprio, entra em outro modo de mediação, completamente diferente do primeiro, substituindo a mediação simbólica por um formigamento, por uma proliferação imaginária, nos quais se introduz, de maneira deformada, e profundamente a-simbólica, o sinal central de uma mediação possível”. p. 104

 

***

 

“A relação do sujeito com o mundo e uma relação em espelho. O mundo do sujeito vai se compor essencialmente da relação com esse ser que é para ele o outro, isto e, o próprio Deus. Alguma coisa ali é pretensamente produzida, da relação de homem a mulher. Mas vocês verão, quando estudarmos pormenorizadamente esse delírio, que, muito pelo contrário, as duas personagens, isto é, Deus com tudo o que ele comporta, o universo, a esfera celeste, e o próprio Schreber de outro lado, enquanto literalmente decomposto em uma multidão de seres imaginários que prosseguem os seus vaivéns e transfixações diversas, são duas estruturas que se revezam rigorosamente. Elas desenvolvem de uma forma muito atraente para nós, o que sempre e elidido, velado, domesticado, na vida do homem normal, a saber: a dialética do corpo espedaçado em relação ao universo imaginário, que é subjacente na estrutura normal.

O estudo do delírio de Schreber tem o interesse eminente de nos permitir discernir de maneira desenvolvida a dialética imaginária. Se ela se distingue manifestamente de tudo o que podemos pressupor de uma relação instintiva, natural, é em virtude de uma estrutura genérica que marcamos na origem, e que é a do estádio do espelho. Essa estrutura faz antecipadamente, do mundo imaginário do homem, alguma coisa de decomposto. Nós o encontramos aqui em seu estado desenvolvido, e é um dos interesses da análise do delírio como tal. Os analistas sempre o sublinharam, o delírio nos mostra o jogo das fantasias em seu caráter absolutamente desenvolvido de duplicidade. As duas personagens às quais o mundo se reduz para o presidente Schreber são feitas uma em relação à outra, uma oferece à outra sua imagem invertida”. p. 104-105

 

Parte 2. Capítulo 7

  1. 107-108; p. 110-119

 

“Que noção podemos nos dar do narcisismo a partir do nosso trabalho? Consideramos a relação do narcisismo como a relação imaginária central para a relação inter-humana. O que cristalizou a experiência do analista em torno dessa noção? Foi antes de mais nada sua ambiguidade. É, com efeito, uma relação erótica – toda identificação erótica, toda apreensão do outro pela imagem numa relação de cativação erótica, se faz pela via da relação narcísica – e é também a base da tensão agressiva”. p. 110

 

***

 

“É exatamente para isso que serve o estádio do espelho. Ele põe em evidência a natureza dessa relação agressiva e o que ela significa. Se a relação agressiva intervém nesta formação chamada o eu, é que ela a constitui, é que o eu é desde já por si mesmo um outro, que ele se instaura numa dualidade interna ao sujeito. O eu é esse mestre que o sujeito encontra num outro, e que se instaura em sua função de domínio no cerne de si mesmo. Se em toda relação, mesmo erótica, com o outro, há algum eco dessa relação de exclusão, é ele ou eu, é que, no plano imaginário, o sujeito humano é assim constituído de forma que o outro está sempre prestes a retomar seu lugar de domínio em relação a ele, que nele há um eu que sempre é em parte estranho a ele, senhor implantado nele acima do conjunto de suas tendências, de seus comportamentos, de seus instintos, de suas pulsões. Eu não faço aqui nada mais que exprimir, de uma maneira um pouco mais rigorosa e que põe em evidência o paradoxo, o fato de que há conflitos entre as pulsões e o eu, e que é preciso fazer uma escolha”. p. 110-111

 

                                                            ***

 

“Essa imagem é funcionalmente essencial no homem, na medida em que lhe dá o complemento ortopédico dessa insuficiência nativa, desse desconcerto, ou desacordo constitutivo, ligado à sua prematuração no nascimento. Sua unificação não será jamais completa porque e feita precisamente por uma via alienante, sob a forma de uma imagem estranha, que constitui uma função psíquica original. A tensão agressiva desse eu ou o outro está absolutamente integrada a toda espécie de funcionamento imaginário no homem”. p. 113

 

                                                            ***

 

“Agora que vocês têm na cabeça a função da articulação simbólica vocês estarão mais sensíveis a esta verdadeira invasão imaginária da subjetividade a que Schreber nos faz assistir. Há uma dominante totalmente surpreendente da relação em espelho, uma impressionante dissolução do outro enquanto identidade. Todas as personagens de que ele fala – a partir do momento em que o faz, pois há um tempo longo em que ele não pode falar, e voltaremos sobre a significação desse tempo – são repartidas em duas categorias que são apesar de tudo um mesmo lado de uma certa fronteira. Há os que em aparência vivem, se deslocam, seus guardas, seus enfermeiros, e que são sombras de homens atamancados às três pancadas, como disse Pichon, que está na origem dessa tradução, e depois há as personagens mais importantes que invadem o corpo de Schreber, são as almas, a maior parte das almas, e quanto maior o seu número mais são afinal de contas os mortos”. p. 115

 

Parte 2. Capítulo 8

  1. 124-126; p. 131; p. 133

 

“Eu digo coisas maciças. No caso das neuroses o recalcado reaparece in loco, ali onde foi recalcado, isto é, no meio mesmo dos símbolos, na medida em que o homem se integra a ele e nele participa como agente e como ator. Ele reaparece in loco sob uma máscara. O recalcado na psicose, se sabemos ler Freud, reaparece num outro lugar, in altero, no imaginário, e aí com efeito sem máscara. Isso é absolutamente claro, não é nem novo, nem heterodoxo, é preciso apenas perceber que é o ponto principal. Isso está longe de resolver definitivamente a questão, no momento em que Freud põe o ponto final em seu estudo sobre Schreber. É ao contrário, a partir daí que os problemas começam a ser postos”. p. 124

 

Parte 2. Capítulo 9

  1. 140-141; p. 143-144; p. 149

 

“Nós sabemos bem que o paranóico, à medida que ele avança, repensa retroativamente seu passado e encontra até nos anos mais recuados a origem das perseguições cujo alvo é ele. Ele tem algumas vezes a maior dificuldade em situar um acontecimento, e sente-se bem sua tendência a projetar isso por um jogo de espelhos num passado que se torna ele próprio bastante indeterminado, um passado de retorno eterno, como Schreber o escreve. Mas o essencial não está aí. Um escrito tão extenso quanto o do presidente Schreber conserva um valor absoluto uma vez que supomos uma solidariedade contínua e profunda dos elementos significantes, do início ao fim do delírio. Numa palavra, a ordenação final do delírio nos permite entender os elementos primários que estavam em jogo – podemos em todos os casos legitimamente procurá-los”. p. 140-141

 

Parte 2. Capítulo 10

  1. 157; p. 162

 

Parte 2. Capítulo 11

  1. 168-172; p. 179

 

“Não há, portanto, ego sem esse gêmeo, digamos, cheio de delírio. Nosso paciente, que de vez em quando nos fornece imagens preciosas, diz-se num momento ser um cadáver leproso que arrasta atrás de si um outro cadáver leproso. Bela imagem efetivamente para o eu, pois há no eu algo fundamentalmente morto, e sempre duplicado por esse gêmeo, que é o discurso. A questão que nos colocamos é esta: esse duplo que faz com que o eu nunca seja senão a metade do eu, como é possível que ele se torne falante? Quem fala?

É o outro cuja função de reflexo eu lhes expus na dialética do narcisismo, o outro da parte imaginária da dialética do senhor e do escravo que fomos procurar no transitivismo infantil, no jogo de distinção em que se exerce a integração do socius, o outro que se concebe tão bem pela ação captante da imagem total no semelhante? É justamente esse outro-reflexo, esse outro imaginário, esse outro que é para nós muito semelhante na medida em que ele nos dá a nossa própria imagem, em que nos capta pela aparência, em que nos fornece a projeção de nossa totalidade, é ele quem fala?

É uma questão que vale a pena ser colocada. Nós a resolvemos implicitamente cada vez que falamos do mecanismo da projeção”. p. 168-169

 

***

 

“Isso não seria porque na ordem do imaginário não há meio de dar uma significação precisa ao termo narcisismo? Na ordem do imaginário, alienação é constituinte. A alienação é o imaginário enquanto tal. Não há nada a esperar do modo de abordagem da psicose no plano imaginário, pois que o mecanismo imaginário é o que dá a sua forma à alienação psicótica, mas não a sua dinâmica”. p. 169-170

 

Parte 3. Capítulo 12

  1. 185-192; p. 195-197

 

“Entre S e A, a fala fundamental que a análise deve revelar, temos a derivação do circuito imaginário, que resiste à passagem daquela. Os pólos imaginários do sujeito, e a‘, recobrem a relação dita especular, a do estádio do espelho. O sujeito, na corporeidade e na multiplicidade de seu organismo, em seu espedaçamento natural, que está em a’, Se refere a essa unidade imaginária que é o eu, a, onde ele se conhece e se desconhece, e que é aquilo de que ele fala – ele não sabe a quem, já que não sabe tampouco quem nele fala”. p. 185-186

 

***

 

“A teoria clássica da imagem e da imaginação é evidentemente de uma insuficiência surpreendente. No fim de contas, esse domínio é insondável. Se fizemos progressos notáveis na sua fenomenologia, estamos longe de dominá-lo. Se a análise permitiu descobrir o problema da imagem em seu valor formador, que se confunde com o problema das origens, e mesmo o da essência da vida, é certamente dos biólogos e dos etiologistas que é preciso esperar progressos. Se o inventário analítico permite mostrar certos traços de economia essenciais da função imaginária, a questão nem por isso está esgotada”. p. 190

 

Parte 3. Capítulo 13

  1. 198-204

 

“Freud coloca o eu em relação com o caráter fantasmático do objeto. Quando ele escreve que o eu tem o privilégio do exercício, da prova da realidade, que é ele que atesta para o sujeito a realidade, o contexto não é duvidoso – o eu aí está como uma miragem, o que Freud chamou o ideal do eu. Sua função não é a de objetividade, e sim a de ilusão, ela é fundamentalmente narcísica, e é a partir dela que o sujeito dá a nota da realidade a seja o que for”. p. 199

 

***

 

“A questão de saber onde está o eu de Dora fica assim resolvida – o eu de Dora é o Sr. K. A função preenchida no esquema do estádio do espelho pela imagem especular, em que o sujeito situa seu sentido para se reconhecer, onde pela primeira vez ele situa o seu eu, esse ponto externo de identificação imaginária é no Sr. K. que Dora o coloca. É na medida em que ela é o Sr. K. que todos os seus sintomas adquirem o seu sentido definido”. p. 200

 

***

 

“Não há, propriamente, diremos nós, simbolização do sexo da mulher como tal. Em todo o caso, a simbolização não é a mesma, não tem a mesma fonte, não tem o mesmo modo de acesso que a simbolização do sexo do homem. E isso, porque o imaginário fornece apenas uma ausência, ali onde alhures há um símbolo muito prevalente.

É a prevalência da Gestalt fálica que, na realização do complexo edípico, força a mulher a tomar emprestado um desvio através da identificação com o pai, e portanto a seguir durante um tempo os mesmos caminhos que o menino. O acesso da mulher ao complexo edípico, sua identificação imaginária, se faz passando pelo pai, exatamente como no menino, em virtude da prevalência da forma imaginária do falo, mas na medida em que esta é ela própria tomada como o elemento simbólico central do Édipo”. p. 201

 

***

 

“Nesse cruzamento recíproco do imaginário e do simbólico, reside a fonte da função essencial desempenhada pelo eu na estruturação da neurose.

Quando Dora se vê interrogar a si mesma sobre o que e uma mulher?, ela tenta simbolizar o órgão feminino como tal. Sua identificação com o homem, portador do pênis, é para ela, nessa ocasião, um meio de aproximar-se dessa definição que lhe escapa. O pênis lhe serve literalmente de instrumento imaginário para apreender o que ela não consegue simbolizar”. p. 203

 

Parte 3. Capítulo 14

  1. 217; p. 219-222

 

Parte 3. Capítulo 15

  1. 224-225; p. 233

 

“Se a imagem captadora e desmedida, se a personagem em questão se manifesta simplesmente na ordem da potência, e não na do pacto, e uma relação de rivalidade que aparece, a agressividade, o temor etc. Na medida em que a relação permanece no plano imaginário, dual e desmedido, ele não tem a significação de exclusão recíproca que o afrontamento especular comporta, mas a outra função, que é aquela da captura imaginária. A imagem adquire em si mesma e logo de saída a função sexualizada, sem ter necessidade de nenhum intermediário, de nenhuma identificação com a mãe nem com quem quer que seja. O sujeito adota então essa posição intimidada que observamos no peixe ou no lagarto. A relação imaginária se instaura sozinha, num plano que não tem nada de típico, que é desumanizante, porque não deixa lugar para a relação de exclusão recíproca que permite fundar a imagem do eu na órbita que dá o modelo do outro, mais acabado”. p. 233

 

Parte 3. Capítulo 16

  1. 238; p. 241-243

 

“Isso fica na penumbra, mas nossa experiência das categorias analíticas nos permite nos referenciarmos aí. Trata-se de alguma coisa que tem essencialmente relação com as origens do eu, com o que é para o sujeito a elipse de seu ser, com essa imagem em que ele se reflete sob o nome de eu.

Essa problemática se insere entre a imagem do eu e essa imagem encarecida, cumulada em relação à primeira, a do grande Outro, a imago paterna, enquanto ela instaura a dupla perspectiva, no interior do sujeito, do eu e do ideal do eu, para não falar, nessa circunstância, do superego. Temos a impressão de que é na medida em que ele não conseguiu, ou perdeu esse Outro, que ele encontra o outro puramente imaginário, o outro diminuído e decaído com o qual não pode ter outras relações que não as de frustração – esse outro o nega, literalmente o mata. Esse outro é o que há de mais radical na alienação imaginária”. p. 238

 

***

 

“Normalmente, a conquista da realização edípica, a integração e a introjeção da imagem edípica, se faz pela via – Freud nos disse isso sem ambiguidade – da relação agressiva. Em outros termos, é pela via de um conflito imaginário que se faz a integração simbólica.

Há uma via de uma outra natureza. A experiência etnológica nos mostra a importância, por mais residual que seja, do fenômeno da couvade – a realização imaginária se faz aqui pela atualização simbólica da conduta. Não é algo dessa natureza que pudemos situar na neurose? A gravidez do histérico descrita por Eissler, que se produz em consequência de uma ruptura traumática de seu equilíbrio, não é imaginária, mas bem simbólica”. p. 242

 

Parte 3. Capítulo 18

  1. 259-260

 

Parte 3. Capítulo 19

  1. 273-275

 

“Ha o outro enquanto imaginário. É na relação imaginária com o outro que se instaura a tradicional Selbst-Bewusstsein ou consciência de si. Não é de maneira alguma nesse sentido que pode realizar-se a unidade do sujeito. O eu nem mesmo é o lugar, a indicação, o ponto de reunião, o centro organizador do sujeito, é profundamente dissimétrico a ele. Embora seja nesse sentido que ele vai começar por fazer compreender a dialética freudiana – não posso de maneira alguma esperar minha realização e minha unidade do reconhecimento de um outro que está preso comigo numa relação de miragem”. p. 274

 

***

 

“Se ainda fosse preciso confirmar isso, teríamos somente de observar de que maneira se prepara a técnica da transferência. Tudo se faz para evitar a relação de eu a eu, a miragem imaginária que poderia estabelecer-se com o analista. O sujeito não está face a face com o analista. Tudo é feito para que tudo se apague de uma relação dual, de semelhante a semelhante”. p. 275

 

Parte 4. Capítulo 20

  1. 281; p. 286-290

 

“Logo, somos conduzidos aqui a esta distinção, que serve de trama a tudo o que temos até o momento deduzido da própria estruturação da situação analítica – a saber, o que chamei o outro com minúscula e o Outro absoluto.

O primeiro, o outro com um a minúsculo, e o outro imaginário, a alteridade em espelho, que nos faz depender da forma de nosso semelhante. O segundo, o Outro absoluto, é aquele ao qual nós nos dirigimos para além desse semelhante, aquele que somos forçados a admitir para além da relação da miragem, aquele que aceita ou que se recusa na nossa presença, aquele que na ocasião nos engana, do qual não podemos jamais saber se ele não nos engana, aquele ao qual sempre nos endereçamos. Sua existência é tal que o fato, de se endereçar a ele, de ter com ele como que uma linguagem, é mais importante que tudo o que pode ser uma aposta entre ele e nós”. p. 286-287

 

Parte 4. Capítulo 21

  1. 295-296; p. 303

 

Parte 4. Capítulo 23

  1. 330

 

“É preciso um efeito de retorno a fim de que o fato de copular para o homem receba o sentido que ele tem realmente, mas ao qual nenhum acesso imaginário é possível, o de que a criança seja tanto dele quanto da mãe. E para que esse efeito de ação em retorno se produza, é preciso que a elaboração da noção de ser pai tenha sido, por meio de um trabalho que se produziu por todo um jogo de trocas culturais, levada ao estado de significante primeiro, e que esse significante tenha sua consistência e seu estatuto. O sujeito pode muito bem saber que copular está realmente na origem de procriar, mas a função de procriar enquanto significante é outra coisa”. p. 330

 

***

 

“O presidente Schreber está falto, segundo o que se sabe, deste significante fundamental que se chama ser pai. Por isso é preciso que ele cometa um erro, que ele se embrulhe, até pensar estar ele próprio prenhe como uma mulher. Foi preciso que ele próprio se imaginasse mulher, e realizar numa gravidez a segunda parte do caminho necessário para que, adicionando-se um ao outro, a função ser pai seja realizada.

A experiência da couvade, por mais problemática que nos pareça, pode ser situada como uma assimilação incerta, incompleta da função ser pai. Ela responde com efeito a uma necessidade de realizar imaginariamente – ou ritualmente, ou de outra forma – a segunda parte do caminho”. p. 330

 

Parte 4. Capítulo 24

  1. 340-341; p. 343

 

“O reconhecimento do outro não constitui uma passagem inacessível, pois que também vimos que a alteridade evanescente da identificação imaginária do eu não encontra o tu senão num momento limite onde nenhum dos dois poderá subsistir junto com o outro. O Outro, com A maiúsculo, é preciso realmente que ele seja reconhecido além dessa relação, mesmo recíproca, de exclusão, é preciso que, nessa relação evanescente, seja reconhecido como tão impegável quanto eu. Em outros termos, é preciso que ele seja invocado como aquilo que dele próprio ele não conhece. É justamente o sentido de tu és aquele que me seguirás”. p. 341

 

***

 

[assassinato d’almas]

“Esse fenômeno, que é para ele o sinal de entrada na psicose, pode tomar para nós, comentadores-analistas, toda espécie de significações, mas o único lugar em que ele pode ser colocado é no campo imaginário. Ele se relaciona com o curto-circuito da relação afetiva, que faz do outro um ser de puro desejo, o qual não pode ser por consequência, no registro do imaginário humano, senão um ser de pura interdestruição. Há aí uma relação puramente dual, que é a fonte mais radical do próprio registro da agressividade. Freud, aliás, não deixou de perceber isso, mas ele o comentou no registro homossexual. Esse texto nos traz mil provas do que eu avanço, e isso é perfeitamente coerente com nossa definição da fonte da agressividade, e seu surgimento quando se acha curto-circuitada a relação triangular, edipiana, quando esta é reduzida a sua simplificação dual”. p. 343

 

Parte 4. Capítulo 25

  1. 349-350; p. 352-354; p. 356-358; p. 360; p. 362

 

“A ampliação do eu do sujeito ás dimensões do mundo e um fato de economia libidinal que se acha aparentemente todo no plano imaginário. O sujeito que se torna o objeto do amor do ser supremo pode por’ consequência abandonar o que lhe parecia a primeira vista o mais precioso do que ele devia salvar, a saber, a marca de sua virilidade”. p. 350

 

***

 

“Não pode tratar-se pura e simplesmente de elementos imaginários. O que se reconhece no imaginário sob a forma da mãe fálica não é homogêneo, todos vocês sabem disso, ao complexo de castração, na medida em que este esta integrado a situação triangular do Édipo. Essa situação não é completamente elucidada por Freud, mas, só pelo fato de sempre ser mantida ela está ali para se prestar a uma elucidação, que só é possível se reconhecemos que o terceiro, central para Freud, que é o pai, tem um elemento significante, irredutível a toda espécie de condicionamento imaginário”. p. 354

 

***

 

“Ora, se trocas afetivas, imaginárias, se estabelecem entre a mãe e a criança em torno da falta imaginária do falo, o que é seu elemento essencial da coaptação intersubjetiva, o pai, na dialética freudiana, tem o seu, é tudo, ele não o troca nem o dá. Não há circulação alguma. O pai não tem função alguma no trio, exceto a de representar o portador, o detentor do falo – um ponto, é tudo.

Em outros termos, é o que, na dialética imaginária, deve existir para que o falo seja outra coisa que um meteoro”. p. 358

Parte 1.

Capítulo I

Nenhuma referência ao imaginário foi localizada. 

Capítulo II. p.24; p.27; p.28 ; p. 29 ; p.30 p. 33; p. 34 ; p. 35; p.36; p. 37 p. 38; p. 39

“O objeto é imaginário. A castração de que se trata é sempre a de um objeto imaginário. É essa comunidade que existe entre o caráter imaginário da falta na frustração e o caráter imaginário do objeto da castração, o fato da castração ser uma falta imaginária do objeto, que nos facilitou crer que a frustração nos permitiria alcançar bem mais facilmente ao centro dos problemas.” p. 37

Capítulo III. p. 41; p. 45; p. 49; p. 53; p. 54; p. 56 p. 57- 58

“A introdução do imaginário, tornada tão prevalente desde então, só se produz a partir do artigo sobre o narcisismo, só se articula à iraria da sexualidade em 1915, só se formula a propósito da fase fálica em 1920, mas se afirma então de uma maneira tão categórica que desde essa época se apresenta perturbadora, e mergulha toda a audiência analítica na perplexidade, de tal modo que foi com referência ao Édipo que se situou a dialética chamada, na época, pré-genital, e não, como os faço observar, pré-edipiana”. p. 53

Capítulo IV. p. 61; p. 70; p. 71- 72; p. 72; p. 73

“Freud nos diz que, no mundo dos objetos, existe um cuja função é paradoxalmente decisiva, a saber, o falo. Este objeto é definido como imaginário, não é possível de modo algum confundi-lo com o pênis em sua realidade, que é, propriamente falando, a sua forma, a imagem erigida. Esse falo tem um papel tão decisivo que sua nostalgia, tanto quanto sua presença ou sua instância, no imaginário, parecem ser ainda mais importantes para os membros da humanidade a quem falta o correlato real, a saber, as mulheres, do que para aqueles que podem se assegurar de possuir sua realidade, e dos quais toda a vida sexual fica, entretanto, subordinada ao fato de que, imaginariamente, eles assumem verdadeiramente seu uso, e, afinal, assumem-no como lícito,

como permitido, ou seja, os homens.” p. 70

Capítulo V. p. 79; p. 80; p. 81; p. 82 ; p. 78; p. 84; p. 84-85; p.86

“Segundo o artigo em questão, o sujeito tem, de fato, uma relação com um objeto interior, que é a pessoa presente, mas enquanto considerada nos mecanismos imaginários já instituídos no sujeito, e tornada objeto de uma relação fantasística. Existe uma certa discordância entre este objeto imaginário e o objeto real, em função do que, a cada instante, o analista será apreciado, medido, e deverá moldar suas intervenções.”p. 78

“Outras soluções existem para o acesso à falta de objeto. Já no plano imaginário, a falta de objeto constitui propriamente a via humana, aquela da realização da relação do homem com sua própria existência, na medida em que esta pode ser questionada.” p. 84

Parte 2

Capítulo I. p. 99; p. 108; p. 109; p. 110; p. 110; p. 11

“O que é, propriamente falando, desejado na mulher amada é justamente aquilo que lhe falta. E o que lhe falta nessa ocasião é precisamente esse objeto primordial cujo equivalente o sujeito, o substituto imaginário, iria encontrar na criança, e ao qual ele retorna.” p. 111

Capítulo II. p. 113- 114; p. 116; 121; p. 123; p. 124; p. 125; 126; p. 129, 130; p. 131

Resta, com efeito, um elemento fantasístico, essencialmente imaginário, que é a prevalência do falo, mediante o que há para o sujeito dois tipos de seres no mundo: os seres que têm o falo e os que não o têm, isto é, que são castrados. P. 124

Por outro lado, esta criança de quem ela toma conta, o que satisfaz nela? A substituição imaginária fálica, pela qual, como sujeito, ela se constitui, sem o saber, como mãe imaginária. Se ela se satisfaz cuidando dessa criança é realmente por adquirir, assim, o pênis imaginário de que foi fundamentalmente frustrada, o que vou notar pondo o pênis

imaginário no nível do menos. P. 126

Capítulo III. p.131; p. 134, 135; p. 138; p. 141; p. 148

Todavia, o simples fato de que ela se reproduza e que chegue à etapa três como substituindo e se formulando num sonho permite dizer que esse sonho, mesmo que pareça ser um sonho enganador por estar no nível imaginário e em relação direta com o terapeuta, nem por isso deixa de ser — e apenas ele — o representante da transferência no sentido próprio. P. 138

Parte 3

Capítulo I. p. 155; p. 156; p. 159; p. 160 ; p. 161 ; p. 163; p. 165

“Tudo nos indica, e a experiência analítica o acentuou, que não existe posição mais captadora, até mesmo mais devoradora no plano imaginário.” P. 156

Capítulo II. p. 179

“É na medida em que o imaginário entra em jogo que, sobre os fundamentos das duas primeiras relações simbólicas entre o objeto e a mãe da criança, pode aparecer que, tanto à mãe quanto à ela, algo pode faltar imaginariamente.” p. 179

Capítulo III. p. 189; p. 193; p. 194; p. 195; p. 197

“O falo imaginário é o pivô de toda uma serie de fatos que exigem seu postulado. É preciso estudar este labirinto onde o sujeito habitualmente se perde, e pode mesmo vir a ser devorado.” p. 194

“Em outras palavras, e na medida em que o falo imaginário desempenha urn papel significante principal que a situação se apresenta dessa forma.” p. 194

Parte 4

Capítulo I. p. 203; p. 204, p. 205, p. 206; p. 207; p. 210; 211; p. 212; p. 213; p. 214; p. 214; p. 216; p. 217

“Na segunda parte desta lição, situei para vocês o lugar onde se produz a interferência do imaginário nessa relação de frustração, infinitamente mais complexa que o emprego que se faz habitualmente, que une à criança à mãe.” P. 203

“Poderíamos dizer que o falo, a menina o tem mais ou menos situado, ou aproximado, no imaginário onde ele se encontra, no mais além da mãe, através da descoberta progressiva feita por ela da insatisfação fundamental experimentada pela mãe na relação mãe-criança. Trata-se então, para ela, de deslizamento deste falo do imaginário para o real. É isso mesmo que Freud nos explica quando nos fala da nostalgia do falo originário que começa a se produzir na menina no nível imaginário, na referência especular ao semelhante, outra menina ou menino, e nos diz que a criança será o substituto do falo.” p. 206

É devido a esta etapa, ou, mais exatamente, a esse vivido central essencial do Édipo no plano imaginário, que este complexo se expande em todas as suas consequências neurotizantes, que encontramos em mil aspectos da realidade analítica. p. 211

Capítulo II. p. 221; p. 224; p. 225; p. 233; p. 235

“Nenhuma castração, daquelas em jogo na incidência de uma neurose, é jamais uma castração real. Ela só entra em jogo na medida em que atua no sujeito sob a forma de uma ação incidindo sobre um objeto imaginário.” p. 224

“O pai imaginário é aquele com que lidamos o tempo todo. É a ele que se refere, mais comumente, toda a dialética, a da agressividade a da identificação, a da idealização pela qual o sujeito tem acesso à identificação ao pai. Tudo isso se passa no nível do pai imaginário. Se o chamamos de imaginário, é também porque ele está integrado à relação imaginária que forma o suporte psicológico das relações com o semelhante, que são, falando propriamente, relações de espécies, que estão no fundo de qualquer captura libidinal, como no fundo de qualquer ereção agressiva. O pai imaginário participa também desse registro e apresenta características típicas.” p. 225

“A ordem simbólica intervém precisamente no plano imaginário. Não é à toa que castração incide sobre o falo imaginário, mas de certo modo fora do par real. A ordem é assim restabelecida, e no seu interior a criança poderá aguardar a evolução dos acontecimentos.” p. 233

Capítulo III. p. 244; 245; 246; 250

A relação dual fundamentalmente animal não deixa de continuar prevalecendo numa certa zona, a do imaginário, e é justamente na medida em que o homem, mesmo assim, sabe calcular, que se produz, em última análise, aquilo que chamamos de um conflito. p. 244

Capítulo IV. p. 255; p. 264; p. 266; p. 267; p. 268; p. 270; p. 271; p. 273

“Demos toda sua importância à mãe, e à relação simbólica imaginária da criança com ela. Dissemos que a mãe se apresenta para a criança com a exigência daquilo que lhe falta, a saber, o falo que não tem. Dissemos: este falo é imaginário. Ele é imaginário para quem? É imaginário para a criança” p. 266

Capítulo V. p. 275; p. 275 -276; p. 277; p. 278; p. 279; p. 279-280; p. 280; p. 281; p. 282; p. 283; p. 285; p. 286; p. 288; 290

“Se o objeto imaginário desempenha aqui um papel fundamental, é na medida em que ele já está capturado na dialética do velamento e do desvelamento.” p. 278

“Ela basta, simplesmente, para libertá-lo da intervenção do elemento fóbico, torna desnecessária a conjunção do imaginário com a angústia que se chama a fobia, e desemboca na redução desta última.” p. 283

Capítulo VI. p. 296 ; P. 299

“Devido ao fato de que nada predeterminado no plano imaginário, um fenômeno completamente distinto, mas que, para a criança, aí se apega imaginariamente, vem trazer um elemento essencial de perturbação no momento em que o primeiro confronto com o crescimento se produz: é o fenômeno da turgescência.” P. 307

Capítulo VII. p. 322

“Esta é uma simples indicação, mas é clara, só que é impossível e que não se vê de forma alguma como o pequeno Hans, já tendo partido à frente em direção à avó, pode tornar a partir com o pai. Isso só é possível no imaginário.” P. 322

Capítulo VIII

Nenhuma referência ao imaginário foi localizada.

Capítulo IX. p. 350; 351

A ponto de tudo lhe ser preferível, até mesmo o forjar uma imagem angustiante em si mesma completamente fechada, a do cavalo, que, pelo menos, no centro da angústia, marca um limite, um ponto de referência. O que, nesta imagem, abre a porta ao ataque, à mordida? É um outro falo, o falo imaginário da mãe. P. 348

Capítulo XX. p. 364 ; 366; 368; 375; 378; 379

“O progresso da situação com a mãe reside no seguinte, que criança tem que descobrir aquilo que, para além da mãe, é amado por esta. Não é a criança que é o elemento imaginário, mas o i, isto é,

desejo do falo da mãe. p. 368

Capítulo XXI. p 387; p. 395

“A distinção entre o imaginário, o simbólico e o real talvez não seja bastante para expor os termos deste problema que, a partir do momento em que pode ser engajado na realidade, não me parece

próximo de ser resolvido.” p. 387

Capítulo XXII. p. 406; p. 408; p. 418; p 419

“O discurso também tem leis, e a relação entro o significante e o significado é algo distinto da intersubjetividade, ainda que isso possa se recobrir, como as relações entre o imaginário e o simbólico.” p. 406

Capítulo XI. p. 427, p. 428; 429, 440, 441, 445, 448, 450

“Mas fica claro que, novas crianças, não as haverá, e esta identificação com o desejo da mãe como desejo imaginário constitui, apenas aparentemente, um retorno ao pequeno Hans que ele foi outrora, que brincava com meninas esse jogo de esconde-esconde primitivo cujo objeto era o seu sexo.” p. 428

Parte 1.

Capítulo I . p. 14

“Creio, não obstante, que o seminário sobre a psicose lhes permitiu compreender, se não o fundamento ultimo pelo menos o mecanismo essencial da redução do Outro, do grande Outro, do Outro como sede da fala, ao outro imaginário.” p. 14

Capítulo II

Não há referências ao imaginário.

Capítulo III. p. 62

“Disso nós sabemos por toda sorte de outros traços – pela forma de seus sonhos, em particular -, e, se Freud pôde fazer todas essas descobertas, muito provavelmente foi por ser muito mais receptivo e permeável ao jogo simbólico do que ao jogo imaginário.” p. 62

Capítulo IV. p. 75

“Eis, portanto, o Bezerro de Ouro, carregado de todas as intricações de todos os enredamentos da função simbólica com o imaginário. Será nisso que reside o Witz?

Capítulo V

Nenhuma referência ao imaginário foi localizada.

Capítulo VI. p. 118

“Digamos que esse jogo dual nunca é outra coisa senão uma preparação, que permite que se divida em dois pólos opostos o que sempre ha de imaginário, de refletido, de simpatizante na comunicação, o emprego de uma certa tendência na qual o sujeito e a segunda pessoa.” P. 118

Capítulo VII . p. 126, p. 130; p. 133; p. 134; p. 136 ; p. 137

“Isso lhes permite visualizar o que eu quis dizer quando lhes falei, da ultima vez, das condições subjetivas do sucesso do chiste, ou seja, do que ele exige de outro imaginário para que, no interior do corte representado por esse outro imaginário, o Outro simbólico o entenda.” p. 130

Parte 2.

Capítulo I. p. 149; p. 164; p. 165

“Do ponto não constituído em que se encontra, ele terá de participar dela – se não com seus trocados, pois talvez ainda não os tenha, pelo menos com sua pele, isto e, com suas imagens, sua estrutura imaginaria e tudo o que se segue. Assim e que o quarto termo, o S, vem representar-se em algo de imaginário que se opõe ao significante do Édipo, e que também deve ser, para que isso funcione, ternário.” P. 164

Capítulo II. p. 169; p. 170; p. 175; p. 178; p. 181

“A história da psicanálise nos atesta que é especial mente ao campo pré-edipiano que a experiência, a preocupação com a coerência e a maneira como a teoria é fabricada e se mantém de pé fizeram com que fossem atribuídas as perturbações, profundas, em alguns casos, do campo da realidade pela invasão do imaginário.” p. 16

Capítulo III. p. 186; p. 188; p. 189; p. 192; p. 199; p. 200

“Os termos que propus para vocês no ano passado, acerca das relações entre a criança e a mãe, estão resumidos no triangulo imaginário que lhes ensinei a manejar.” p. 18

Capítulo IV. p. 205; p. 213; p. 220

“Ha algo de abstrato, e, contudo, de dialético, na relação dos dois tempos de que

acabo de lhes falar, aquele em que 0 pai intervem como proibidor e privador, e aquele em que intervem como permissivo e doador – doador no nfvel da mae. Podem acontecer outras coisas e, para examina-las, devemos agora colocar-nos no nfvel da mae e nos

interrogarmos novamente sobre 0 paradoxo representado pelo carater

central do objeto fálico como imaginario.” p. 213

Capítulo V. p. 234; 235; 236; 237; 238; 240

“Sem duvida, o falo, na medida em que e o objeto imaginário com que a criança tem de se identificar para satisfazer o desejo da mãe, ainda não pode situar-se em seu lugar.” P. 235

Capítulo VI. p. 247; 249; 255; 257

“Não podemos desconhecer que o rival não intervém, pura e simplesmente, na relação triangular, mas se apresenta, já no nível imaginário, como um obstáculo radical.” p. 257

Parte 3.

Capítulo XIV. p. 263; p. 268; p. 269; p. 275

“Na relação com sua própria imagem, o sujeito depara com a duplicidade do desejo materno em sua relação com ele como filho desejado, que é apenas simbólica. Ele a comprova, experimenta-a nessa relação com sua auto-imagem, na qual pode vir superpor-se uma porção de coisas.” p. 268

Capítulo XV. p. 284; p. 285; p. 288; p. 289; p. 296

“O sujeito estende-lhe sua vida concreta e real, que comporta desde logo desejos no sentido imaginário, no sentido da captura, no sentido de que as imagens o fascinam, no sentido de que, em relação a essas imagens, ele se sente como eu, como mestre/senhor ou como dominado.” p. 284

Capítulo XVI. p. 299; p. 300; p. 301; p. 304; p. 305; p. 309; p. 312

“O falo é terceiro no que constitui aí a relação imaginária do sujeito consigo mesmo, m-i, sempre mais ou menos fragilmente constituída. É a identificação primitiva – que, na verdade, é sempre mais ou menos ideal – do eu com uma imagem sempre mais ou menos contestada.” p. 309

Capítulo XVII. p. 317; p. 323; p. 328

“O a minúsculo é o pequeno outro, o outro como nosso semelhante, cuja imagem nos retém, nos cativa, nos sustenta, e na medida em que constituímos em torno dela aquela primeira ordem de identificações, que lhes defini como a identificação narcísica, que é o m minúsculo, o eu.” p. 323

Capítulo XVIII. p. 339

“Fizemos desde então progressos suficientes no conhecimento das imagens, das fantasias do inconsciente, para saber que o que o sujeito vai buscar nas prostitutas, nessa situação, não é outra coisa senão o que a Antiguidade romana nos mostrava, claramente esculpido e representado na porta dos bordéis – ou seja, o falo, o falo como aquilo que habita a prostituta.” p. 339

Capítulo XIX. p. 356; p. 360

Parte 4.

Capítulo XX. p. 370; p. 372

“(…) nada mostra melhor os dois patamares em que se desenvolve um sonho, o patamar propriamente significante, que é o da fala, e o patamar imaginário no qual se encarna, de certo modo, o objeto metonímico.” p. 372

Capítulo XXI. p. 386; p. 398

“(…) isso não deixa de se relacionar com toda uma dialética, uma outra que não esta, e imaginária, cuja teoria não apenas lhes foi proposta, mas a qual os pacientes são mais ou menos forçados a engolir, numa certa técnica concernente à neurose obsessiva, e na medida em que o falo como elemento imaginário desempenha nela um papel preponderante.” p. 398

Capítulo XXII. p. 401; p. 402; p. 407; p. 410; p. 411; p. 414; p. 415

“A histérica encontra o apoio de seu desejo na identificação com o outro imaginário.” p. 415

Capítulo XXIII. p. 420; p. 421; p. 422; p. 423; p. 424; p. 426

“A relação com a imagem, assim, encontra-se no nível das experiências e do próprio momento em que o sujeito entra no jogo da fala, quase na passagem do estado de infans para o estado falante.” p. 421

Capítulo XXIV. p. 448

Capítulo XXV. p. 451; p. 452; p. 454; p. 455; p. 456; p. 458; p. 465

“A relação narcísica ou especular do eu com a imagem do outro fica aquém, é anterior, inteiramente implicada na primeira relação da demanda. Essa relação situa-se na linha m-a.” p. 454

Capítulo XXVI. p. 471; p. 473; p. 474; p. 475; p. 476; p. 479; p. 482; p. 484

“Se o que é da ordem da agressividade chega a ser simbolizado e captado no mecanismo daquilo que é recalque, inconsciência, daquilo que é analisável, e até, de maneira geral, daquilo que é interpretável, é por intermédio do assassinato do semelhante que está latente na relação imaginária.” p. 471

Capítulo XXVII. p. 491; p. 494; p. 497; p. 498; p. 500; p. 501; p. 502

“É nessa contradição que o sujeito obsessivo se vê apanhado. Ele está constantemente ocupado em manter o Outro, em fazê-lo subsistir através de formulações imaginárias, com as quais se ocupa mais do que qualquer outro.” p. 497

Capítulo XXVIII. p. 513; p. 519

“A presença do falo na relação do sujeito com a imagem de seu semelhante, do pequeno outro, da imagem do corpo, é precisamente aquilo cuja função própria no equilíbrio do sujeito conviria estudar, em vez de interpretá-lo e assimilá-lo, pura e simplesmente, à sua função em suas outras aparições.” p. 519

Introdução.

Capítulo I. p. 27; p. 28; p. 33

“O sujeito se defende de seu desamparo e, com esse meio que lhe brinda a experiência imaginária da relação com o outro, constrói algo que, a diferença da experiência especular, é flexível com o outro.” p. 28

Capítulo II. p. 42; p. 47; p. 49; p. 50

“Sem dúvidas, vocês não são incapazes de adivinhar desde já o que pode ter de rico o fato de que, no campo aberto entre os dois discursos, se inscreva uma relação imaginária que reproduz de maneira homóloga a relação com o outro no jogo do refinamento.” p.47

Parte 1.

Capítulo III. p. 65; p. 69

“Se uma alucinação nos coloca problemas que lhe são próprios, se deve a que estão em jogo significantes e não imagens, nem coisas, nem percepções, essas falsas percepções do real, como dizem.” p. 65

Capítulo IV. p. 82

Capítulo V. p. 95; p. 102; p. 110

“Por trás desse sofrimento se mantém o chamariz, o único ao qual o sujeito pode aferrar-se nesse momento crucial. E qual é? É justamente o do rival, o do assassino do pai, o da fixação imaginária.” p. 110

Capítulo VI. p. 113; p. 119; p. 123; p. 125; p. 126; p. 127

“A identificação com a imagem do pai não é mais que um caso particular do que agora devemos abordar como aquilo que constitui a solução mais geral da relação sujeito objeto, da confrontação do sujeito barrado com o a do objeto, a saber, a introdução da função imaginária sob sua forma mais geral, ou seja, a dimensão do narcisismo.” p. 126

Capítulo VII. p. 129; p. 120; p. 131; p. 134; p. 135; p. 136; p. 138; p. 140; p. 142; p. 144; p. 145; p. 146; p. 147; p. 148

“Disso parte o fato de que, em toda assunção da posição madura, a posição que denominamos genital, se produz algo que tem sua incidência no nível imaginário: se chama castração.” p. 135

Parte 2.

Capítulo VIII. p. 159

“A restituição do sentido do fantasma, que é algo imaginário, se inscreve no grafo entre estas duas linhas: entre o enunciado da intenção do sujeito, por um lado, e pelo outro, da enunciação na qual o sujeito lê sua intenção sob uma forma profundamente descomposta, parcelada, fragmentada, refratada pela língua.” p. 159

Capítulo IX. p. 173; p. 174; p. 181; p. 184; p. 186; p. 187; p. 189; p. 190

“Não é ele, na medida em que aqui há outro, um outro imaginário, a minúsculo – primeira indicação que lhes permite localizar nesta cena um fantasma como tal e que lhes confirma a validade dessa localização.” p. 187

Capítulo X. p. 192; p. 193; p. 194; p. 196; p. 198; p. 199; p. 200; p. 201; p. 208; p. 209

“Assim como o eu se constitui em certa relação com o outro imaginário, o desejo se institui e se fixa em certa relação com o fantasma.” p. 193

Capítulo XI. p. 214; p. 215; p. 219; p. 221; p. 228

“Grande parte das atividades da carícia coloca em jogo o falo, na medida em que, como já lhes mostrei, este se perfila imaginariamente no mais além do parceiro natural.” p. 221

Capítulo XII. p. 236; p. 241; p. 242; p. 243; p. 244; p. 245; p. 246; p. 247; p. 248; p. 250; p. 254

“Se trata da relação do sujeito com sua própria imagem, com seu semelhante, mas na medida em que o sujeito vê este semelhante em certa relação com a mãe – que aqui é a mãe como primitiva identificação ideal, como primeira forma de Um.” p. 243

Parte 3.

Capítulo XIII. p. 261; p. 262

“Se vê então que a inconsciência do sujeito, concernente à ânsia edípica de morte, está encarnada, na imagem do sonho, sob a forma da ânsia de que o pai não saiba que o filho teve contra ele a ânsia de morte aliviadora.” p. 262

Capítulo XIV. p. 290

Capítulo XV. p. 302; p. 307; p. 316; p. 319

“(…) o significante, para dizer o vocábulo – é o mesmo que ensino, e passo meu tempo lhes dizendo isso -, o provemos com nosso imaginário, quero dizer, com nossa relação com nosso próprio corpo, já que o imaginário é isso.” p. 307

Capítulo XVI. p. 326; p. 337

“(…) a palavra faz algo que se distingue de todas as formas imanentes de captura de um com respeito ao outro, já que instaura um elemento terceiro, a saber, esse lugar do Outro no qual, ainda que seja mentirosa, ela se inscreve como verdade. Nada equivale a isso no plano imaginário.” p. 326

Capítulo XVII. p. 340; p. 342; p. 343; p. 345; p. 346; p. 347; p. 348; p. 354

“O objeto essencial em torno ao qual gira a dialética do desejo é a. O sujeito ali se coloca a prova frente a um elemento que é alteridade no nível imaginário, tal como já o articulamos e definimos muitas vezes. É imagem e é pathos.” p. 345

Capítulo XVIII. p. 361; p. 362; p. 364; p. 365; p. 371; p. 372; p. 373

“Em síntese, a propósito dos méritos de Laerte, Hamlet se refere à imagem do outro como algo que não pode senão absorver por completo a quem a contempla.” p. 364

Capítulo XIX. p. 382; p. 383; p. 384; p. 386

“Já indiquei o parentesco entre o que neste momento se produz e um mecanismo psicótico: o sujeito não pode responder a este luto mais do que com sua textura imaginária.” p. 383

Capítulo XX. p. 403; p. 406; p. 407; p. 408; p. 409

“Dito de outro modo, algo real, sobre o qual ele tem influência numa relação imaginária, é elevado à pura e simples função de significante. Este é o sentido último, o sentido mais profundo, da castração como tal.” p. 406

Capítulo XXI. p. 418; p. 419; p. 425; p. 427; 430

“A respiração é ritmo, a respiração é pulsação, a respiração é alternância vital, não é nada que no plano imaginário permita simbolizar precisamente aquilo que está em jogo, a saber, o intervalo, o corte.” p. 427

Capítulo XXII. p. 436; p. 440

“No ponto exato onde o sujeito não encontra nada que o possa articular em qualidade de sujeito de seu discurso inconsciente, o fantasma representa, para ele, o papel de apoio imaginário.” p. 440

Capítulo XXIII. p. 461; p. 468

“Tudo derivou do fato de que esse fantasma foi interpretado em termos de realidade, como uma experiência real da mãe fálica. (…) o sujeito faz surgir a necessária e faltante imagem do pai, na medida em que este é requerido para a estabilização do desejo do sujeito.” p. 461

Capítulo XXIV. p. 469; p. 471; p. 479

“Em todo domínio é legítimo situar um ponto imaginário, se podemos articular sua estrutura pelo que dele parte. Aqui, o ponto imaginário vai nos permitir situar o que, de fato ocorre dentro das diferentes formas do sujeito.” p. 471

Capítulo XXV. p. 487; p. 494; p. 501; p. 502

“(…) a forma dos fantasmas inconscientes recobre o que no perverso se apresenta como algo que ocupa o campo imaginário de seu desejo.” p. 487

Capítulo XXVI. p. 505; p. 513; p. 516; p. 517; p. 518

“A dimensão imaginária do desejo do Outro – neste caso, o da mãe –, de ordem primordial, aqui representa o papel central, decisivo, simbolizador, o qual nos permite considerar que, no nível do desejo, o perverso está identificado com a forma imaginária do falo.” p. 518

Conclusão.

Capítulo XXVII. p. 527; p. 530

“Que forma toma aqui a função imaginária, na medida em que está enganchada, em que atrai, as duas cadeias do discurso, a cadeia reprimida e a cadeia patente, manifesta?” p. 527

Eixos da subversão analítica. Capítulo II

  1. 29; p. 33-34

 

“O que serve bem para mostrar o quão pouco pesa a incidência das escolas é o fato de que a ideia de que o saber possa constituir uma totalidade é, por assim dizer, imanente ao político como tal. Sabe-se disso há muito tempo. A ideia imaginária do todo tal como é dada pelo corpo – como baseada na boa forma da satisfação, naquilo que, indo aos extremos, faz esfera -, foi sempre utilizada na política pelo partido da pregação política. O que há de mais belo, mas também de menos aberto? E o que se parece mais com o fechamento da satisfação?

A colusão dessa imagem com a ideia da satisfação, eis contra o que temos que lutar cada vez que encontramos alguma coisa que faz nó no trabalho de que se trata, o do descobrimento pelas vias do inconsciente. É o obstáculo, o limite, ou melhor, é a névoa na qual perdemos a direção e onde nos vemos obstruídos”. p. 29

 

 

Eixos da subversão analítica. Capítulo III

  1. 47

 

“A coisa não é ambígua. É no nível do Além do princípio do prazer que Freud marca com força que o que em última instância constitui o verdadeiro sustentáculo, a consistência da imagem especular do aparelho do eu, é o fato de que este é sustentado do interior por esse objeto perdido, que ele apenas veste, por onde o gozo se introduz na dimensão do ser do sujeito”. p. 47

 

Eixos da subversão analítica. Capítulo IV

  1. 54; p. 62

 

“O Você me espanca é aquela metade do sujeito cuja fórmula tem sua ligação com o gozo. Ele recebe, claro, sua própria mensagem de uma forma invertida – aqui, isto quer dizer seu próprio gozo sob a forma do gozo do Outro. É mesmo disso que se trata quando ocorre de a fantasia juntar a imagem do pai com o que de início é uma outra criança. Que o pai goze espancando-o, eis o que põe aqui o acento do sentido, como também o dessa verdade que está pela metade – pois, além disso, aquele que se identifica com a outra metade, com o sujeito da criança, não era essa criança, salvo, como diz Freud, que se reconstitua o estádio intermediário – jamais, de nenhum modo, substancializado pela lembrança -onde, com efeito, é ele. É ele que, por essa frase, constitui o suporte de sua fantasia, que é a criança espancada”. p. 62

Eixos da subversão analítica. Capítulo V

p.68; p. 76

 

Para além do complexo de Édipo. Capítulo VI

p.90

 

“Isso, a enurese, é absolutamente característico, e é como que o estigma, digamos, da substituição imaginária do pai pela criança, do pai justamente como impotente. Invoco aqui todos os que, por sua experiência com a criança, possam recolher este episódio, em função do qual é bastante frequente que se faça intervir o analista”. p. 90

 

Para além do complexo de Édipo. Capítulo VIII

p.117; p. 121

 

“No tempo em que eu formulava o que está em jogo na relação de objeto em suas relações com a estrutura freudiana, tinha afirmado que o pai real é o agente da castração. Mas não o afirmei sem ter tomado o cuidado de destacar primeiro o que há de diverso na essência da castração, da frustração e da privação. A castração é função essencialmente simbólica, ou seja, concebida exclusivamente na articulação significante – a frustração é do imaginário, e a privação, como é óbvio, do real.

O que podemos definir do fruto dessas operações? O enigma que nos propõe o falo com manifestamente imaginário, é o que devemos tomar como objeto da primeira dessas operações, a castração. Na frustração, trata-se sempre de alguma coisa bem real – por que não? -, mesmo se a reivindicação que a funda não tem outro recurso senão imaginar que esse real lhes é devido, o que não é óbvio. A privação, está claro que ela só se situa a partir do simbólico, pois em se tratando de algo real, nada poderia faltar – o que é real é real, e é preciso que provenha de outro lugar essa introdução no entanto essencial, sem a qual não estaríamos nós mesmos no real, ou seja, ali alguma coisa falta – e é justamente isto que de saída caracteriza o sujeito”. p. 117

 

Para além do complexo de Édipo. Capítulo IX

  1. 129

 

“O pai real, se é cabível tentar restituí-lo a partir da articulação de Freud, articula-se propriamente com o que só concerne ao pai imaginário, a saber, a interdição do gozo. Por outro lado, o que o torna essencial está ressaltado, é, a saber, essa castração que eu apontava há pouco dizendo que havia ali uma ordem de ignorância feroz, quero dizer, no lugar do pai real”. p. 129

 

O avesso da vida contemporânea. Capítulo XI

  1. 144; p.151

 

“Há algo que se presentifica pelo fato de que toda determinação de sujeito, portanto de pensamento, depende do discurso. Nesse discurso, com efeito, surge o momento em que o mestre, o senhor, se distingue. Seria bem falso pensar que é no nível de um risco. Tal risco, apesar de tudo, é mítico. É um rastro de mito que ainda permanece na fenomenologia hegeliana. Esse senhor seria apenas aquele que é o mais forte? Com certeza não é isto que Hegel inscreve. A luta de puro prestígio com o risco da morte pertence ainda ao reino do imaginário. O que faz o senhor? Isto é o que indica a articulação de discurso que lhes dou. Ele brinca com o que chamei, em outros termos, de cristal da língua”. p. 144

Parte 1. Capítulo I.

 

 

 

“(…) excesso aparências no discurso em que vocês estão inscritos, o discurso universitário. (…) O que é preciso para irmos além desse incómodo das aparências, para que se espere alguma coisa que permita sair delas? Nada o permite senão afirmar que uma certa modalidade de rigor no

avanço de um discurso cliva, numa posição dominante nesse discurso, o que acontece com a triagem dos glóbulos de mais-de-gozar em nome dos quais vocês se veem presos no discurso universitário.” (p.11)

 

Parte 2. Capítulo I.

 

“O efeito de verdade não é semblante. Está aí o Édipo para nos

ensinar, se vocês me permitem, que ele é sangue vivo. Só que, vejam, o

sangue vivo não refuta o semblante, ele o colore, torna-o re-semblante,

propaga-o. Um pouquinho de serragem e o circo recomeça. É por isso mesmo que a questão de um discurso que não fosse semblante pode elevar-se ao nível do artefato da estrutura do discurso. Entrementes, não existe semblante de discurso, não existe metalinguagem para julgá-lo, não existe Outro do Outro, não existe verdade sobre a verdade.” (p.14).

 

Parte 3. Capítulo I.

 

“Se há um discurso sustentável, ou pelo menos sustentado, nominalmente chamado de discurso da ciência, talvez não seja inútil nos lembrarmos de que ele partiu, muito especialmente, da consideração de aparências.

O ponto de partida do pensamento científico, digo, na história, vem

a ser o quê? A observação dos astros. (…) Não há Nome-do-Pai que seja sustentável sem o trovão, que todos sabem muito bem que é um sinal, mesmo não sabendo sinal de quê. Essa é a própria imagem do semblante.” (p.15).

 

***

“O inconsciente e seu funcionamento: isso quer dizer que, em meio aos numerosos significantes que percorrem o mundo, passa a haver, ainda por cima, o corpo despedaçado.” (p.16).

 

***

“E o que introduziu de novidade o que chamarei de hipótese freudiana? Sob uma forma extraordinariamente prudente, mas, ainda assim, silogística, foi isto: se chamarmos de princípio do prazer o fato de que, por seu comportamento, o ser vivo sempre volta ao nível da excitação mínima, e dissermos que esse princípio regula sua economia, e se for constatado que a repetição se exerce de tal maneira que restabelece incessantemente um gozo perigoso, que ultrapassa a excitação mínima, será possível — é dessa forma que Freud enuncia a pergunta — pensar que a vida, tomada em seu ciclo (o que é uma novidade em relação a esse mundo que não a comporta universalmente), comporta a possibilidade de repetição que seria o retorno a esse mundo como semblante?” (p.20).

 

***

 

“O discurso do inconsciente é uma emergência, é a emergência de uma certa função do significante. O fato de ele haver existido até então como insígnia é justamente a razão de eu o haver situado para vocês no princípio do semblante.

Mas as consequências de sua emergência, isso é que deve ser introduzido para que alguma coisa mude — algo que não pode mudar, porque isso não é possível. Ao contrário, é por um discurso centrar-se como impossível, por seu efeito, que ele teria alguma chance de ser um discurso que não fosse semblante.” (p.21).

 

Parte 1. Capítulo II.

 

“Para dar uma imagem – mas a que tipo de emburrecimento não pode conduzir a imagem! (…)” (p.25).

 

Parte 2. Capítulo II.

 

“Esse algo que resiste, que não é permeável a todos os sentidos, que é consequência de nosso discurso, a isso se chama fantasia” (p.27).

 

***

 

“Num discurso, aquilo que se dirige ao Outro como um Tu faz surgir a identificação com algo que podemos chamar de ídolo humano. Se, na última vez, falei do sangue vivo como o sangue mais inútil de propulsionar contra o semblante, foi justamente porque é impossível avançar para derrubar o ídolo sem assumir seu lugar logo depois, como aconteceu, como sabemos, com um certo tipo de mártires. Em todo discurso que recorre ao Tu, alguma coisa incita a uma identificação camuflada, secreta, que só pode ser a identificação com um objeto enigmático que pode não ser absolutamente nada, o pequeníssimo mais-de-gozar de Hitler, que talvez não passasse de seu bigode. Foi o quanto bastou para cristalizar pessoas que não tinham nada de místico, que eram o que há de mais engajado no processo do discurso do capitalista, com o que isso comporta de questionamento do mais-de-gozar sob sua forma de mais-valia. A questão era saber se, num certo nível, as pessoas ainda teriam seu pedacinho, e foi isso mesmo que bastou para provocar esse efeito de identificação.

É divertido que isso tenha assumido a forma de uma idealização da raça, ou seja, da coisa que estava menos implicada na ocasião. Podemos descobrir de onde provém esse caráter de ficção. Mas o que convém dizer, simplesmente, é que não há nenhuma necessidade dessa ideologia para que se constitua um racismo: basta um mais-de-gozar que se reconheça como tal. Quem se interessar um pouco pelo que poderá advir fará bem em dizer a si mesmo que todas as formas de racismo, na medida em que um mais-de-gozar é perfeitamente suficiente para sustentá-las, são o que está agora na ordem do dia, são o que nos ameaça quanto aos próximos anos”. (p.28/29).

Parte 3. Capítulo II.

 

“O importante é isto: a identidade de gênero não é outra coisa senão o que acabo de expressar com estes termos, ‘homem’ e ‘mulher’. É claro que a questão do que surge precocemente só se coloca a partir de que, na idade adulta, é próprio do destino dos seres falantes distribuírem-se entre homens e mulheres. Para compreender a ênfase depositada nessas coisas, nesse caso, é preciso nos darmos conta de que o que define o homem é sua relação com a mulher, e vice-versa. Nada nos permite abstrair essas definições do homem e da mulher da experiência falante completa, inclusive nas instituições em que elas se expressam, a saber, no casamento.

Para o menino, na idade adulta, trata-se de parecer-homem. É isso que constitui a relação com a outra parte. É à luz disso, que constitui uma relação fundamental, que cabe interrogar tudo o que, no comportamento infantil, pode ser interpretado como orientando-se para esse parecer-homem. Desse parecer-homem, um dos correlatos essenciais é dar sinal à menina de que se o é. Em síntese, vemo-nos imediatamente colocados na dimensão do semblante” (p.30/31).

 

***

 

“A única coisa que o diferencia dela é que esse semblante seja veiculado num discurso, e que é nesse nível de discurso, somente nesse nível de discurso, que ele é levado, permitam-me dizer, para algum efeito que não fosse semblante. Isso significa que, em vez de ter a refinada cortesia animal, sucede aos homens violar uma mulher, ou vice-versa.

Nos limites do discurso, na medida em que ele se esforça por fazer com que se mantenha o mesmo semblante, de vez em quando existe o real. É a isso que chamamos passagem ao ato, e não vejo lugar melhor para designar o que isso quer dizer. Observem que, na maioria dos casos, a passagem ao ato é cuidadosamente evitada. Só acontece por acaso.

Isso também dá ensejo a esclarecer o que acontece com o que há muito tempo diferencio da passagem ao ato, isto é, o acting out. Este consiste em fazer o semblante passar para a cena, em mostrá-lo à altura da cena, em fazer dele um exemplo. É a isso que, nessa ordem, chama-se acting out. Também chamamos isso de paixão”. (p.31/32).

***

 

“Na verdade, o mais-de-gozar só se normaliza por uma relação que se estabelece com o gozo sexual, exceto que esse gozo só se formula, só se articula a partir do falo como seu significante. (…) O falo é, muito propriamente, o gozo sexual como coordenado com um semblante, como solidário a um semblante. (…) A verdade com a qual não há um desses jovens seres falantes que não tenha de se confrontar é que existe quem não tenha falo. É uma dupla intrusão na falta, porque existe quem não o tenha e, ainda por cima, essa verdade faltava até então. A identificação sexual não consiste em alguém se acreditar homem ou mulher, mas em levar em conta que existem mulheres, para o menino, e existem homens, para a menina. E o importante nem é tanto o que eles experimentam, o que é uma situação real, permitam-me dizer. É que, para os homens, a menina é o falo, e é isso que os castra. Para as mulheres, o menino é a mesma coisa, o falo, e ele é também o que as castra, porque elas só adquirem um pênis, e isso é falho. No começo, nem o menino nem a menina correm riscos, a não ser pelos dramas que desencadeiam; por um momento, eles são o falo.

É esse o real, o real do gozo sexual enquanto destacado como tal: é o falo. Em outras palavras, o Nome-do-Pai. A identificação desses dois termos, em sua época, escandalizou certas pessoas beatas.” (p.32/33).

 

***

 

Para o homem, nessa relação, a mulher é precisamente a hora da verdade. No tocante ao gozo sexual, a mulher está em condição de pontuar a equivalência entre o gozo e o semblante. É justamente nisso que jaz a distância a que o homem se encontra dela. Se falei em hora da verdade, é por ser a ela que toda a formação do homem é feita para responder, mantendo, contra tudo e contra todos, o status de seu semblante. É certamente mais fácil para o homem enfrentar qualquer inimigo no plano da rivalidade do que enfrentar a mulher como suporte dessa verdade, suporte do que existe de semblante na relação do homem com a mulher.

Na verdade, que o semblante seja aqui o gozo para o homem é uma indicação suficiente de que o gozo é semblante. É por estar na interseção desses dois gozos que o homem sofre ao máximo o mal-estar da relação que designamos como sexual. Como diria o outro, desses chamados prazeres físicos”. (p.33/34).

 

Parte 4. Capítulo II.

 

“Só lhes indico esse escalonamento para lhes falar da distinção que há, muito rigorosa, entre o que se articula, o que é discurso, e o que é espírito, ou seja, o essencial. Se vocês já não o tiverem encontrado no nível da fala, não há esperança, não tentem procurar noutro lugar, no nível dos sentimentos.” (p.35).

 

Parte 3. Capítulo III.

 

“Freud percebeu que existia o sintoma. E aí que estamos. O sintoma é aquilo em torno do qual gira tudo de que podemos – como se costuma dizer, se essa palavra ainda tivesse sentido – ter ideia. O sintoma: é por ele que vocês se orientam, todos vocês. A única coisa que lhes interessa e que não é um completo fiasco, que não é simplesmente inepta como informação, é aquilo que tem o semblante de sintoma, isto é, em princípio, coisas que nos dão sinal, mas das quais não compreendemos nada. E só isso que há de seguro: há coisas que nos dão sinal e das quais não compreendemos nada.” (p.49).

 

Parte 3. Capítulo IV.

 

“(…) tudo que é da alçada do efeito de linguagem, tudo que instaura a diz-mansão da verdade, coloca-se a partir de uma estrutura de ficção. Em se tratando da correlação de sempre entre o rito e o mito, seria uma fraqueza ridícula dizer que o mito seria simplesmente o comentário do rito, o que serve para sustentá-lo, para explicá-lo. Segundo uma topologia, que é aquela à qual já dei um destino há muito tempo, para não precisar relembrá-la, o rito e o mito são como o direito e o avesso, sob a condição de que esse direito e esse avesso estevam em continuidade. O que significa manter no discurso analítico esse mito residual chamado mito do Édipo, Deus sabe porquê, que é, na verdade, o de Totem e tabu, onde se escreve o mito, inteiramente inventado por Freud, do pai primevo, como aquele que goza de todas as mulheres? É isso que devemos interrogar a partir de um pouco mais longe da lógica, do escrito. (…)

O que é designado pelo mito do gozo de todas as mulheres é que o todas as mulheres não existe. Não existe universal da mulher. É isso que é levantado por um questionamento do falo, e não da relação sexual, quanto ao que se passa com o gozo que ele constitui, visto que eu disse que era o gozo feminino” (p.63/64).

 

***

 

“Porventura é preciso indicar que a relação do homem e da mulher, no que é radicalmente falseada pela lei, a chamada lei sexual, mesmo assim deixa a desejar que para cada um haja sua cada uma, para responder a ela? Quando isso acontece, que é que se diz? Não, certamente, que era a coisa natural, já que, nesse aspecto, não há natureza, já que mulher não existe. A existência dela é um sonho de mulher, e é o sonho de que saiu Don Juan. Se houvesse um homem A mulher existisse, seria uma maravilha, teríamos certeza de seu desejo. Isso é uma elucubração feminina”. (p.69/70)

 

***

 

Parte 1. Capítulo VI.

 

“Esse famoso espaço realmente é, para nossa lógica, já se vai um bom tempo, desde Descartes, a coisa mais estorvadora do mundo. Esta, aliás, é uma oportunidade de falar dele, se é que convém acrescentá-lo como uma espécie de anotação à margem, como aquilo que distingo como dimensão do Imaginário. Mas há pessoas que se inquietam não forçosamente com esse escrito, mas com outros, ou que até, em alguns casos, guardam anotações do que eu possa ter dito em dada época, por exemplo, sobre a identificação. (…) Falei então do traço unário, e agora as pessoas se inquietam, e parece que isso é legítimo, em saber onde é que se deve colocar esse traço unário, se do lado do simbólico ou do imaginário. E por que não do real? Seja como for, tal como uma insígnia, ein einzinger Zug, pois é assim que isso acontece, foi em Freud, e claro, que fui pesca-lo.” (p.92/93).

 

Parte 3. Capítulo VIII.

 

“O que a histérica articula, certamente, é que, em matéria de bancar o todohomem, ela é tão capaz de fazê-lo quanto o próprio todohomem, ou seja, pela imaginação. Por esse fato, ela não necessita disso. Mas, se porventura isso lhe interessar, o falo – ou seja, aquilo de que ela se concebe castrada, como Freud sublinhou muitas vezes –, pelo progresso do tratamento analítico, ela não terá o que fazer com ele, já que não se deve crer que ela não tenha esse gozo por seu lado. Se porventura a relação sexual lhe interessar, será preciso que ela se interesse por esse elemento terceiro, o falo. E, como a histérica só pode interessar-se por ele em relação ao homem, posto não ser certo que haja mesmo um, toda a sua política se voltará para o que chamo de ter ao menos um.” (p.134).

 

Capítulo IX.

 

“É de ser constituída apenas por uma única Bedeutung que a linguagem extrai sua estrutura, a qual consiste em não podermos, pelo fato de habitá-la, utilizá-la senão para a metáfora, de onde resultam todas as insanidades míticas com que vivem seus habitantes, e para a metonímia, da qual eles extraem o pouco de realidade que lhes resta, sob a forma do mais-de-gozar.” (p.139)

***

 

“E possível que os representantes significantes do sujeito sempre se abstenham mais facilmente de ser tomados de empréstimo da representação imaginária. Temos sinais disso em nossa época.

É certo que o gozo do qual temos que nos fazer castrar só mantém com a castração relações de aparelho.” (p.147).

Parte 2. Capítulo X.

 

“A histérica, nós nos perguntamos, não é? – o que vem a ser isso, o que quer dizer a histérica em pessoa?

Parece-me haver trabalhado por tempo suficiente a partir do imaginário para lembrar, simplesmente, o que já está inscrito nessa expressão. Em pessoa quer dizer em máscara. Nenhuma resposta inicial pode ser dada por esse sentido. Para a pergunta Que é a histérica?, a resposta do discurso do analista é Vocês verão, seguindo até onde ela nos conduzir”. (p.158).

Capítulo I. p. 13; p. 17

“O que faz aguentar-se a imagem, é um resto. A análise demonstra que o amor, em sua essência, é narcísico, e denuncia que a substância do pretenso objetal – papo furado – é de fato o que, no desejo, é resto, isto é, sua causa, e esteio de sua insatisfação, se não de sua impossibilidade.” p. 13

Capítulo II. p. 21; p.26

“O que é importante não é que isto seja imaginário – depois de tudo, se o significante permitisse apontar a imagem que seria preciso para ser feliz, seria ótimo, mas este não é o caso.” p. 26

Capítulo III. Nenhuma referência ao imaginário foi localizada.

Capítulo IV.

“Esse mundo, concebido como um todo, com tudo aquilo que este termo comporta, qualquer que seja a abertura que lhe deem, de limitado, continua sendo uma concepção – é mesmo esta a palavra -, uma vista, um modo de olhar, uma tomada, imaginária.” p. 49

Capítulo V. Capítulo VI.Nenhuma referência ao imaginário foi localizada.

Capítulo VII.

“O fim do nosso ensino, no que ele persegue o que se pode dizer e enunciar do discurso analítico, é dissociar o a e o A, reduzindo o primeiro ao que é do imaginário, e o outro, ao que é do simbólico. Que o simbólico seja o suporte do que foi feito Deus, está fora de dúvida. Que o imaginário se baseia no reflexo do semelhante, é o que é certo.” p. 89

Capítulo VIII. p. 99; p. 101; p. 102

“Esse imaginário, eu o designei expressamente com o I aqui isolado do termo imaginário. Não é senão da vestimenta da imagem de si, que vem envolver o objeto causa do desejo, que se sustenta mais frequentemente – é mesmo a articulação da análise – a relação objetal.” p. 99

Capítulo IX. p. 117; p. 118

Capítulo X.

A ilusão de que não poderíamos nada transmitir a seres transplanetários sobre a especificidade da direita e da esquerda sempre me pareceu feliz, no que ela funda a distinção entre o imaginário e o simbólico. p. 142;

Capítulo XI. Nenhuma referência ao imaginário foi localizada.

Capítulo I. p. 19; p. 20; p.21

“O imaginário mostra aqui sua homogeneidade com o real, e essa homogeneidade apenas é apreendida porque o numero é binário, 1ou 0. Isso significa que ele suporta 0 2 somente porque o 1 não é o 0, porque ele 1 ex-siste ao 0, mas disso consiste para nada..” p. 19

 

Capítulo II. p. 28; p. 36; p. 37; p. 38

“Aqueles que já estão aqui há algum tempo, puderam ver ou, melhor, ouvir que não foi por acaso, mas pouco a pouco, passo a passo, que acabei por exprimir pela função do nó o que de início antecipei como o tríplice do simbólico, do imaginário e do real.” p. 28

 

Capítulo III. p. 47, p. 48, p 49, p. 51, p. 55

“Nesse esquema, o imaginário desdobra-se segundo o modo dos dois círculos, o que pode ser notado com um desenho. Direi que um desenho nada nota, na medida em que, ao ser planificado, fica enigmático. Portanto, indico aqui, na articulação do imaginário do corpo, alguma coisa como uma inibição específica que se caracterizaria especialmente pela inquietante estranheza. Eis onde me permitirei notar, pelo menos provisoriamente, o lugar da tal estranheza.” p. 47

 

Capítulo IV. p. 62; p.70

“Se pensamos que não ha Outro do Outro, ou pelo menos que não há gozo desse Outro do Outro, precisamos de fato fazer em alguma parte a sutura entre esse simbólico que se estende ali, sozinho, e esse imaginário que esta aqui. É uma emenda do imaginário e do saber inconsciente. Tudo isso para obter um sentido, o que é objeto da resposta do analista ao exposto, pelo analisando, ao longo de seu sintoma.” p.70

 

Capítulo V p. 85

“Louco, por que, afinal de contas, Joyce não o teria sido? Ainda mais porque isso não é um privilégio, se é verdadeiro que, em grande parte o simbólico, o imaginário e o real são emaranhados a ponto de um continuar no outro, na falha de operação para distingui-los como na. cadeia do no borromeano – do pretenso nó borromeano, eu diria, pois o nó borromeano não é um nó, é uma cadeia. Por que não apreender que cada uma dessas argolas continua uma na outra de um modo estritamente indistinto? Ao mesmo tempo, ser louco não e um privilegio.” p 85

 

Capítulo VI p. 89

“Quando chamamos de imaginário um elemento da cadeia, um outro, de real, e o terceiro, de simbólico, o sentido, como já lhes mostrei, está no campo entre o imaginário e o simbólico. Não podemos esperar colocá-lo em outro lugar, pois nos limitamos a imaginar tudo o que pensamos. Entretanto, não pensamos sem palavras, ao contrario do que sugeriram os psicólogos, aqueles da escola de Wurzburg.” p. 89

 

Capítulo VII p. 103; p. 112

“Fui levado a articular essa cadeia, e até mesmo a descrevê-la, conjugando nela o simbólico, o imaginário e o real. O importante é o real. Depois de haver falado longamente do simbólico e do imaginário, fui levado a me perguntar o que podia ser o real nessa conjunção. p. 103

 

Capítulo VIII p. 117

“Ha uma orientação, mas essa orientação não é um sentido. O que quer dizer isso? Retorno o que disse da última vez sugerindo que o sentido seja, talvez, a orientação. Mas a orientação não é um sentido, uma vez que ela exclui o único fato da copulação do simbólico e do imaginário em que consiste o sentido. A orienta do real, no território

que me concerne, foraclui o sentido.” p. 117

 

Capítulo IX p. 127; p. 129; p. 163; p. 164; p. 173; p. 180; p. 201; p. 202; p. 205; p. 209; p. 230

“Digamos que é o forçamento de uma nova escrita, dotada do que é preciso mesmo chamar, por metáfora, de um alcance simbólico, e também e forçamento de um novo tipo de idéia, se assim posso dizer, uma ideia que não floresce espontaneamente apenas devido ao que faz sentido, isto é, ao imaginário.” p. 127

(1958) A psicanálise verdadeira, e a falsa. Outros EscritosJorge Zahar Ed., Rio de Janeiro, 2003. p. 175, p. 176, p. 178, p. 179.

 

“O engodo imaginário em que Freud situa o eu [moi] em sua “Introdução ao Narcisismo”, desde 1914, em cujo destaque nós mesmos, no começo de nossa carreira, quisemos restaurar, sob o nome de estádio do espelho, e o fato brutal de a análise do eu ter sido introduzida (só se conheceriam os artigos de Freud por seu título, o que é mais frequente do que se supõe entre os analistas) com e sob o ângulo da psicologia coletiva, tudo isso, que é a conta de dar ao eu um status analítico em que sua função imaginária se coordena com seu valor de objeto ideal – chamemo-lo pelo nome certo: metonímico –, serviu apenas de pretexto para a introdução de uma ortopedia psíquica que se aferra com uma obstinação gagá a um reforço do eu – desconsiderando que isso é ir no sentido do sintoma, da formação defensiva, do álibi neurótico e se protegendo com uma harmonia preestabelecida da maturação dos instintos da moral, cujo postulado ficará ligado à história de nossa época como testemunho de um obscurantismo sem precedentes.”