Mario Goldenberg

Interessa-me trabalhar no brainstorming, a proposta de “testemunhar em ato, nossa posição como psicanalistas, não apenas na cura, mas também na cidade”.

Assim como o século XIX foi “um século de mãos”, como dizia Rimbaud, e o século XX foi um século de máquinas, o século XXI se perfila como um século de telas. Além do cinema e da televisão, temos uma nova variedade de telas: o computador com a internet, o telefone celular, o GPS, o Ipod, o Ipad, o Ireader, os LCD, LED, full HDMI, etc, etc, inclusive porta-retratos digitais.

Através da tela, se sonha, se joga, se lê, se escreve, se vigia, enviam-se e recebem mensagens, pode-se fazer check in, compra-se, se faz laços, se goza.

Gerard Wajcman começa seu recente livro – ´O olho absoluto´(L’oeil absolu, ed. Denoël, Paris, 2010) – dizendo: “Uma mutação sem precedentes está em curso na história dos homens. Isto muda nossa relação com o mundo, com o nosso corpo, com o nosso próprio ser”.

Há um duplo aspecto do Supereu da época. Por um lado, a segurança, a vigilância eletrônica, a lógica imunitária, como conceituou o filósofo italiano Roberto Esposito em Immunitas (Amorrortu Editores, BsAs. 2005). Por outro lado, a tela como diversão, como entretenimento.

A lógica imunitária coincide com a avaliação, tudo pode ser visto, tudo controlado, satélites, vídeo-câmeras que têm mostrado sua falha no episódio do massacre de Virginia tech, efetuado por Cho Seung-Hui, a quem podemos ver e escutar hoje mesmo, seu manifesto paranoico na tela do youtube.

Há outro aspecto da Tela Global, como chama Lipovestsky: é a diversão, o entretenimento que Jacques-Alain Miller situou em seu curso ´Um esforço de poesia´, tomando o sacrifício referido à ética religiosa (sacrifício que pudemos constatar em algum dos testemunhos) e a diversão (termo de Pascal) referida à ética capitalista. O entretenimento é uma das indústrias mais poderosas, produtora de mais-valia e de mais-de-gozar.

No entanto, segurança e entretenimento não se opõem. O que mostra muito bem, o filme sobre a guerra do Iraque, ´Guerra ao terror´ (NT: título no Brasil), originalmente ´The hurt locker´, que ganhou o Oscar, que começa com uma epígrafe: “a guerra é uma droga”. As fotos de tortura e humilhações no complexo penitenciário de Abu Ghraib mostram muito bem, fotos que foram tiradas pelos soldados para enviar aos seus amigos.

A lógica imunitária, que tem como objetivo, preservar a vida, atenta contra a intimidade e o segredo de cada sujeito. A diversão como mandato rechaça o impossível do gozo. Por exemplo, são produzidos videogames, onde matar é o entretenimento. Também nesse sentido, encontramos atos de violencia sem sentido, onde o que está em jogo é a diversão.

Isto dá novas formas clínicas onde convivem o “vale tudo” e o panic attack.

É fundamental, nesse sentido, a indicação do Dr. Lacan para os analistas: “que saibam sua função de intérprete na discórdia das linguagens” e a interrogação de Jacques-Alain Miller: de que modo um psicanalista que não saiba orientar-se na sociedade na qual vive e trabalha, nos debates que inquietam a mesma, estaria apto para se encarregar dos destinos da instituição analítica?

É fundamental que nós analistas possamos ocupar o lugar, não de uma tela mais, mas de um parceiro que tenha possibilidade de ler, interpretar e responder na falha da nova ordem simbólica.

Notas

*Paris 29 de abril 2010 (Congreso de la AMP)

 

Tradução do espanhol: Maria Cristina Maia Fernandes