Novidades necrológicas, paixões proibidas, conselhos, segredos escandalosos, últimas vontades, nascimentos, heranças…
Há tempos, o papel e a tinta –ou algumas de suas versões modernas– tem sido um cenário formidável para o desdobramento de assuntos familiares.
Cartas que poderiam gelar o sangue, mudar o curso de uma vida, encher o destinatário de felicidade ou entristecê-lo irreparavelmente.
É porque nessas escrituras palpitam assuntos de família, damos boas-vindas à nova seção, #Asuntos Epistolares.
Você leu alguma carta publicada, que relate algum assunto de família?
Se você quer participar de #Asuntos Epistolares, nos envie seu achado a asuntosdefamilia2017@gmail.com
É indispensável indicar a referência completa da qual a carta foi extraída, e identificar-se com seu nome completo.
As contribuições serão publicadas na fanpage e na web do ENAPOL, com os dados da referência e de quem a enviou.
Dependendo da extensão do texto, selecionaremos um fragmento.
Estão todos convidados!
#Assuntos Epistolares
«[…] Estás bêbada a três dias, me dizes,
quando sabes muito bem que a bebida é como veneno para nossa família.
Não somos tua mãe e eu exemplo
suficiente?
Duas pessoas que se amavam flagelando-se sem parar,
arruinando o amor que sentiam um pelo outro,
taça vazia após taça vazia,
maldições e golpes e infidelidades?
[…] Tens que retificar. Exijo-te.
Bom, digo-te. Já sei, nossa família
não está feita para armazenar
mas sim para dilapidar. Mas faz com que isto mude.
Deves fazê-lo, simplesmente. Isso é tudo!
Filha, não podes beber.
A bebida te matará. Como acabou com tua mãe,
e comigo […]».
Poema/Carta que Raymond Carver escreveu a sua filha Christine quando ela tinha cerca de 20 anos.
Carver, R. y Adelman, B., Carver Country, Anagrama, Barcelona, 2013.
Buenos Aires, 12 de maio de 1947
Estimada Dona Leonor:
Soube da triste notícia através da revista Nuestra vecindad e depois de muitas dúvidas me atrevo a mandar-lhe meus sentidos pêsames pela morte do seu filho.
Sou Nélida Fernández de Massa, me chamavam de Nené, a senhora se lembra de mim? Há muitos anos vivo em Buenos Aires, pouco tempo depois de me casar vim para cá com meu marido, mas esta má notícia fez com que me decidisse a escrever-lhe algumas linhas, apesar de antes do meu casamento a senhora e sua filha Celina não me cumprimentarem mais. Apesar de tudo ele sempre continuou me cumprimentando, pobrezinho Juan Carlos, que descanse em paz! A última vez que o vi foi há mais ou menos nove meses.
Não sei se a senhora ainda me tem rancor, de toda forma desejo que Nosso Senhor a ajude, deve ser muito difícil resignar-se a uma perda assim, a de um filho já feito homem.
Apesar dos quatrocentos setenta e cinco quilômetros que separam Buenos Aires de Coronel Vallejos, neste momento estou a seu lado. Ainda que não goste de mim, deixe-me rezar junto a senhora.
Nélida Fernández de Massa
Puig, Manuel, Boquitas Pintadas. Boquitas pintadas de rojo carmesí. Primera Entrega, Bs. As.: Booket, 2012.
Envía:
Querido Robert,
Frequentemente fico acordada imaginando se você também está acordado. Você sente dor ou se sente sozinho? Você me tirou do período mais escuro da minha jovem vida, compartilhando comigo o sagrado mistério do que é ser um artista. Eu aprendi a ver através de você e nunca compus uma linha ou desenhei uma curva que não tenha vindo do conhecimento derivado do precioso tempo que passamos juntos. Seu trabalho, vindo de uma fonte fluida, pode ser rastreado à canção nua de sua juventude. Você então me falou de segurar nas mãos de Deus. Lembre-se, em tudo, você sempre segurou aquela mão, segure-a firme, Robert, e não solte ela jamais.
A outra tarde, quando você adormeceu no meu ombro, eu adormeci também. Mas antes disso, ocorreu-me contemplar todas as suas coisas e seu trabalho e passando por anos de trabalho na minha mente, de todo o seu trabalho, você ainda é o seu trabalho mais bonito. A obra mais bela de todas outra tarde
Patti Smith, 1989
Carta escrita por Patti Smith ao Robert Mapplethorpe poucos dias antes da morte do fotógrafo.
https://youtu.be/5fWBKJ9c60w
Querida Alia:
Não escreverei sobre o amor, somente falarei do tempo. Hoje em Berlin faz bom tempo. O céu está azul e o sol brilha por cima dos edifícios…
A vida nos coloca provas, intercambia pessoas como se combinam roupas, e ri quando sentimos atração por aqueles que não nos amam…
Bebei, amigos, bebei, grandes e insignificantes, do amargo cálice do amor! Entrada aberta, até que se esgotem os lugares. E é fácil ser cruel, basta não amar. O amor tampouco fala idiomas, nem entende aramaico, nem russo. O amor se finca nos teus pulsos.
O cervo utiliza seus chifres ao lutar, o canto do rouxinol não é em vão, mas nossos livros não nos servem de nada. A ferida é incurável.
Só nos restam as paredes amarelas dos edifícios iluminados pelo sol; nossos livros e toda a cultura da humanidade, a qual temos construído em direção ao amor.
E a obrigação de sermos ligeiros.
Mas e se dói muito?
Traduz isso em escala cósmica, aperta o coração com os dentes, escreve un libro.
Mas onde estará aquela que me ama?
Sonho com ela, tomo suas manos, a chamo pelo nome de Liusia, o capitão de olhos azuis da minha vida, caio desmaiado a seus pies e abandono o sonho.
Oh, a separação, o corpo que se despedaça, o sangue que se derrama!
Fragmento de una carta de Víktor Shklovski a Alia
Shklovski, Víktor, Zoo o cartas de no amor, Ático de los libros, Barcelona, 2010.
Carta de George Sand
Veneza, 15 de abril de 1834
[…] Não acredites, não acredites, Alfred, que eu possa ser feliz com a Idea de ter perdido teu coração. Que tenha sido tua amante, ou tua mãe, pouco importa; que tenha inspirado amor ou amizade, que tenha sido ditosa ou desgraçada contigo, tudo isso não muda em nada meu atual estado de ânimo. Sei que te amo, e isso é tudo…
[…] Ai, não! Não foi nossa culpa; seguimos nosso destino, e nosso gênio, mais áspero, mais violento que o das demais pessoas, nos impediu aceitar a vida dos amantes comuns. Mas nascemos para nos conhecer e para nos amar, não tenhas dúvida. Sem tua juventude e tuas lágrimas, que me fizeram ceder uma manhã, teríamos continuado sendo irmãos.
Sabíamos que não era conveniente, prognosticamos os males que nos ocorreriam. E bem, o que importa, depois de tudo? Passamos por uma ingrata vereda, mas ao fim alcançamos essa altura onde devíamos descansar juntos. Temos sido amantes, nos conhecemos até o fundo da alma, tanto melhor. Oh, pior para nós se tivéssemos nos separado em um dia de raiva, sem compreender-nos, sem explicar-nos! Nesse caso, um pensamento odioso teria envenenado nossa vida inteira e não teríamos acreditado nunca em nada; mas teríamos podido separar-nos assim? Não tentamos em vão muitas vezes? Nossos corações, acessos de orgulho e de ressentimento, não se quebravam, acaso, de dor e de remorso cada vez que nos encontrávamos sozinhos? Não, isso não podia ser. Devíamos, ao renunciar a um vínculo que havia se tornado impossível, permanecer unidos pela eternidade. Tens razão, nosso abraço era incestuoso, pero não sabíamos; inocentemente, e sinceramente, nos jogávamos um contra o peito do outro. E bem, de todas essas uniões, conservamos uma só lembrança que não seja casta e santa? Censuraste-me, num dia de febre e de delírio, não ter sabido nunca dar-te os prazeres do amor. Chorei por isso então, e agora estou satisfeita que haja algo de verdade nessa censura, estou satisfeita de que esses prazeres tenham sido mais austeros, mais velados que os que encontrarás em outros lugares. Ao menos não te lembrarás de mim quando estejas nos braços de outras mulheres. Mas quando estiveres só, quando necessites rezar e chorar, pensarás em teu George, em teu verdadeiro camarada, em tua enfermeira, em teu amigo, em algo melhor que tudo isso; porque o sentimento que nos une está formado de tantas coisas, que não pode comparar-se a nenhum. O mundo não o compreenderá jamais. Tanto melhor, nos amaremos e zombaremos dele. […]
Site El Mostrador. e-pístolas. Cartas históricas.
21 de Julho de 1955
Despertar. Murmúrio de pássaros. A janela transmite uma luminosidade tensa. Os pássaros continuam. Os sinto enjaulados, o que torna desagradável seu canto.
Conversas com minha mãe. Encontro boa vontade. Mostro-lhe as reproduções de Gauguin e Van Gogh. Ela gosta. Sorri diante dos peitos descobertos das taitianas. Aceita a arte e os artistas, mas sempre que seja em outro planeta. Ou seja, não admite a possibilidade da minha realização literária. Não! São caprichos, reviravoltas juvenis que passarão quando a experiência nos trouxer a expressão serena. Observa ingenuamente que não teria que pensar mais profundamente (Mãe! Acertaste em cheio!). Lhe explico que ainda não é possível. Não aceita minhas explicações. “Não há médico capaz de ajudar-te, se não começas primeiro.” (Mãe! Impossível!).
Como poderia viver sem este caderninho? Impossível imaginá-lo!
A fotografia de Proust envolto em um sudário aterrador. Quando a vi pela primeira vez, pensei que levava uma vestimenta à moda oriental e que a imagem era uma lembrança característica de alguma viagem por, suponhamos, Biskrah. Uma vez retificado meu erro, senti náuseas. Odeio as fotografias dos mortos. (A de Claudel é terrível!) Claudel… recordo que não suportei sua leitura. Excesso de universalidade. Chatice.
Um dia A. Cuadrado me disse que cada vez que morre um poeta, lê ou relê toda sua obra. Esplêndida homenagem. O dia que Arturo morra prometo ler sua Solidão impossível. Tão infantil e imatura Arturo! Assim como o vejo, com seu lindo cabelo revolto e as viciosas arrugas avermelhadas, que foi companheiro de armas de André Malraux, amigo de Federico, de Unamuno, de Neruda e de mil seres maravilhosos! Arturo, com a pena de colégio e o copo de vinho tosco a seu lado, escrevendo cartas de amor com letras lentas e ordenadas! Arturo tocando meus olhos e dizendo: Alejandra! Arrancar-te-ei um olho e prenderei um poema no buraco!
Diarios Alejandra Pizarnik, Edición a cargo de Ana Becciu, Lumen, Bs. As., 2016.
La Paix, Rodgers’ Forge
8 de agosto de 1933
Towson, Maryland
Tesouro:
Importa-me muitíssimo que cumpras com tuas obrigações. Quererias enviar-me um pouco mais de documentação sobre tuas aulas de francês? Alegra-me que estejas feliz, ainda que nunca acreditei demais na felicidade. Tampouco tenho acreditado na tristeza. São coisas que vês em cima de um cenário ou na tela ou nas páginas impressas; nunca ocorrem com você realmente na vida.
Na vida, só acredito nas recompensas pela virtude (segundo o talento que se tenha) e nos castigos por não cumprir com tuas obrigações, que sem dúvida pagam-se caros. Se tem o livro na biblioteca do acampamento, pediras à senhora Tyson que te deixe dar uma olhada em um soneto de Shakespeare onde se lê o verso «O lírio que apodrece cheira pior que erva daninha»?
Hoje não tive nenhum pensamento, é como se a vida consistisse somente em inventar histórias para o Saturday Evening Post. Penso em você, e sempre de bom grado, mas se me chamas de novo de «Papaíto», levarei o gato Blanco para passear e lhe darei uma surra no traseiro, forte, seis vezes por cada vez que fores impertinente.
Isso te fará reagir?
Eu me ocuparei da fatura do acampamento.
Como um idiota, vou concluindo.
Cosas com quais preocupar-se:
Preocupa-te com a coragem.
Preocupa-te com a higiene.
Preocupa-te com a eficiência.
Preocupa-te com a equitação.
Coisas com as quais não preocupar-se:
Não te preocupes com a opinião dos outros.
Não te preocupes com as bonecas.
Não te preocupes com o passado.
Não te preocupes com o futuro.
Não te preocupes em crescer.
Não te preocupes que alguém te supere.
Não te preocupes com o triunfo.
Não te preocupes com o fracasso, a menos que seja tua culpa.
Não te preocupes com os mosquitos.
Não te preocupes com as moscas.
Não te preocupes com insetos em geral.
Não te preocupes com os pais.
Não te preocupes com os filhos.
Não te preocupes com as desilusões.
Não te preocupes com os prazeres.
Não te preocupes com as satisfações.
Coisas nas quais pensar:
O que aspiro realmente? Se comparo-me a meus contemporâneos, sou realmente boa em relação a:
a) O rendimento acadêmico.
b) Entendo realmente às personas e sou capaz de levar-me bem com elas?
c) Procuro fazer do meu corpo um instrumento útil ou estou descuidando-me dele?
Com todo meu amor,
Papai
P. S.: Minha réplica por ter-me chamado Papaíto será batizar-te com o nome Ovo, o que implica que estas em um estado muito rudimentar da vida e que poderia quebrar-te e descascar-te conforme minha vontade, e além do mais creio que é uma palavra que teria sucesso se tivesse a ideia de contá-la a teus contemporâneos. «Ovo Fitzgerald». Acreditas que gostaria andar pela vida chamando-te de «Ovo Fitzgerald» ou «Ovo Mau Fitzgerald» ou outra versão que possa ocorrer a qualquer mente fértil? Chame-me assim uma vez mais e te juro por Deus que te perdurarei o nome e terás que arranjar-te sozinha para tirá-lo. Para que meter-se em problemas?
Enfim, muitos beijos.
F. Scott Fitzgerald, Cartas a mi hija, Prólogo de Scottie Fitzgerald Traducción y notas de Albert Fuentes, Editorial Alpha Decay, Abril 2013.
9 de abril de 1935
“Minha querida Senhora,
Lendo a sua carta, deduzo que seu filho é homossexual. Chamou fortemente a minha atenção o fato de a senhora não mencionar este termo na informação que acerca dele me enviou. Poderia lhe perguntar por que razão? Não tenho dúvidas que a homossexualidade não representa uma vantagem, no entanto, também não existem motivos para se envergonhar dela, já que isso não supõe vício nem degradação alguma. Não pode ser qualificada como uma doença e nós a consideramos como uma variante da função sexual, produto de certa interrupção no desenvolvimento sexual. Muitos homens de grande respeito da Antiguidade e Atualidade foram homossexuais, e dentre eles, alguns dos personagens de maior destaque na história como Platão, Miguel Ângelo, Leonardo da Vinci, etc. É uma grande injustiça e também uma crueldade, perseguir a homossexualidade como se esta fosse um delito. Caso não acredite na minha palavra, sugiro-lhe a leitura dos livros de Havelock Ellis.
Ao me perguntar se eu posso lhe oferecer a minha ajuda, imagino que isso seja uma tentativa de indagar acerca da minha posição em relação à abolição da homossexualidade, visando substituí-la por uma heterossexualidade normal. A minha resposta é que, em termos gerais, nada parecido podemos prometer. Em certos casos conseguimos desenvolver rudimentos das tendências heterossexuais presentes em todo homossexual, embora na maioria dos casos não seja possível. A questão fundamenta-se principalmente, na qualidade e idade do sujeito, sem possibilidade de determinar o resultado do tratamento.
A análise pode fazer outra coisa pelo seu filho. Se ele estiver experimentando descontentamento por causa de milhares de conflitos e inibição em relação à sua vida social a análise poderá lhe proporcionar tranqüilidade, paz psíquica e plena eficiência, independentemente de continuar sendo homossexual ou de mudar sua condição.”
Sinceramente seu com meus melhores desejos,
Freud
À espera de Juan Carlos Onetti
Esperando-o. Ele não disse hora. Arrumo o caos da costura de ontem, jasmins do país, diário, salus, whisky, banheiro, jasmim, comida. Às nove ele ligou para avisar que vinha, –quase adormecido, disse–. São onze. 30 graus a esta hora. A casa toda escura; todas as janelas abertas. Noites nos jardins da Espanha, o quinteto de Bruckner, lindos, angustiante. Desnuda, com um pouco de roupa branca e o penhoar branco pendurado, no espelho, de súbito, um fantasma. Vagando pela casa, chegando até a frente para ver se a linha de luz debaixo da porta se formava. E as vezes, se formava, mas aqui não chamou ninguém. Por instantes, na escuridão, recostada em uma moldura, olhei, fora do tempo, fixamente essa porta, o lugar da linha, a linha mesma larga e nítida, esperando ver a sombra dos seus pés rompendo-a. Uma das vezes contei até 39 –são 39 degraus – segundo as batidas do meu pulso lento, para esperar melhor. Depois recostei-me numa cama de lá adiante. Mas dali via o céu claro de verão, a porta, não sei, me dava uma angústia no peito, senti que ia chorar, e fui para o lado do rádio.
Tomou o taxi com sono e deu sua direção; adormeceu onde estava; veio tocou a campainha, como acontecia, ainda virá. Bom. Devo agradecer-lhe estas duas horas sérias, graves, lindas, apaixonadas, minha própria incrível beleza de hoje, a música, o silêncio, as reviradas do meu coração cada vez que a luz se acendeu, os desmaios cada vez que a vi se apagar, a integridade, a intensidade destas duas horas de amor.
Idea Vilariño [13 de enero de 1960]
Vilariño, Idea, Diario de juventud, Cal y Canto, Montevideo, 2013.
Queridos Warner Brothers
Ao que parece há mais de uma forma de conquistar uma cidade e de mantê-la sob o próprio domínio. Por exemplo, até o momento em que pensamos em fazer este filme, não tinha a menor ideia de que a cidade de Casablanca pertencera exclusivamente aos Warner Brothers. Contudo, poucos dias depois de anunciar nosso filme recebemos seu longo e ominoso documento legal que nos ameaçou para não utilizarmos o nome de Casablanca.
Parece ter ocorrido que em 1471, Ferdinand Balboa Warner, seu tataravô, ao buscar um atalho até a cidade de Burbank, tropeçou com as costas da África e, levantando seu bastão (que mais tarde trocou por centenas de ações na bolsa), as denominou Casablanca.
Simplesmente, não compreendo sua atitude. Ainda quando pensaram na substituição do seu filme, estou seguro que o amante de cinema mediano aprenderia oportunamente a distinguir entre Ingrid Bergman e Harpo. Não sei se eu poderia, mas desde agora gostaria de tertar.
Vocês reivindicam seu Casablanca e pretendem que ninguém mais possa utilizar esse nome sem permissão. O que me dizem de Warner Brothers? É também de sua propriedade? Provavelmente vocês tem o direito de utilizar o nome Warner, mas, e o Brothers? Profissionalmente, nós éramos Brothers muito antes que vocês. Nós já estávamos de volta com o fubá como The Marx Brothers quando a Vitaphone era ainda um simples lampejo no olho do inventor, e inclusive antes de nós houveram outros irmãos: os Smith Brothers [fabricantes de pastilhas para a tosse], os Karamazov Brothers; Dan Brothers, um meio de campo do Detroit; e Brother, can you spare me a dime? (que originalmente se chamava BrotherS, can you spare me a dime? Mas isto era reduzir demais a moeda, assim que despacharam um irmão, deram todo o dinheiro ao outro e o deixaram em Brother, can you spare me a dime?).
E agora, Jack, falemos de você. Você diria que o seu nome é um nome original? Pois, não o é. Era muito utilizado antes de você nascer. Sobre a marcha, me recordo dos Jacks: havia o Jack de JACK AND THE BEANTALK [conto infantil] e o Jack Estripador, que se fez uma bela reputação no seu tempo.
Enquanto você, Harry, seguramente assinará seus cheques com a firme convicção de que é o primeiro Harry de todos os tempos e de que todos os demais Harrys são impostores. Recordo dois Harrys que lhe precederam. Existiu Lighthouse Harry de fama revolucionária [refere-se a LightHORSE Harry, apelido de Lee Henry, herói da revolução dos EUA], e também um Harry Appelbaum que vivia na esquina da rua 93 com a Lexington Avenue. Desgraçadamente, Appelbaum não era demasiado conhecido. A última vez que soube dele, vendia gravatas em Weber e Heilbroner.
Falemos agora do estúdio de Burbank. Creio que é isto o que vocês, irmãos, chamam seu quartel general. O velho Burbank desapareceu. Quiçá se recordem dele. Era um homem muito habilidoso na horta. Sua mulher dizia sempre que Luther tinha dez polegares verdes. Que mulher deve ter sido! Burbank era o mago que entrecruzava todos esses frutos e legumes até deixá-los em tal estado de confusão e incerteza que nunca chegava a decidir si deveriam ir para a mesa de jantar no prato da carne ou no das sobremesas.
Isto é uma simples conjectura, mas, quem sabe?, talvez os sobreviventes de Brubank não estejam demasiado felizes perante o fato de uma fábrica de filmes a destajo tenha se instalado na sua cidade, tenha se apropriado do nome Burbank e o utilize como apresentação dos seus filmes.
Groucho Marx
Estas cartas de Groucho Marx estão atualmente na Biblioteca do Congresso, em Washington.
Carta a Charles Morton
1 de janeiro de 1945.
Tenho uma história em mente, a qual espero escrever antes de morrer. Não terá quase nada de dureza na superfície, mas a atitude de mandar tudo ao inferno, que em mim não é pose, provavelmente aparecerá de qualquer maneira.
O nome do meu tio duvidosamente honesto (tio somente pelo casamento) era Ernest Fitt, inspetor de caldeiras ou algo assim, ao menos nomeado assim. Ele já morreu. […] Tinha um irmão que era um personagem assombroso. Fora empregado ou gerente de um Banco de Waterford, Irlanda (de onde vinha toda a família da minha mãe, ainda que nenhum deles fosse católico) e roubara dinheiro. Limpou o caixa em um sábado e, com ajuda dos mações, escapou da polícia indo para o continente europeu. Em um hotel da Alemanha roubaram seu dinheiro, ou a maior parte dele. Quando o conheci, muito tempo depois, era um senhor extremadamente respeitável, sempre vestido impecavelmente e de uma incrível parcimônia. Uma vez convidou-me para a ceia. Depois da ceia inclinou-se sobre a mesa e me disse em um sussurro confidencial: “Cada um pagará o seu”. Não tinha tampouco uma gota de sangue escocesa. Puro irlandês protestante de classe média. Tenho muitíssimos parentes irlandeses, alguns pobres, alguns não pobres, e todos protestantes; alguns pela independência e alguns inteiramente pró-britânicos… Aqui as pessoas não entendem os irlandeses. […] Eu cresci com um terrível desprezo pelos católicos, e ainda hoje tenho problemas com eles. […] O desenlace divertido do meu tio foi ter terminado com uma amante judia em Londres, criou o filho dela, teve outros dois filhos ilegítimos, e ao final se casaram. Mas nunca a levou à Irlanda! […].
Chandler, Raymond, El simple arte de escribir. Cartas y ensayos escogidos, Emecé lingua franca, 2002.
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Minha querida mãe:
Escrevo esta breve carta enquanto é impossível dormir e para te dizer que penso em você. Gostaria muito, e desejo tanto poder levantar-me, dentro em pouco, ao mesmo tempo que você e tomar meu café com leite ao teu lado. Sentir que compartilhamos nosso sono e nosso despertar dentro de um espaço comum de tempo, teria, terá para mim tanto encantamento […]
Pelo menos, estou muito bem, e ilumino minha noite com planos de existência agradáveis para você, e ainda mais unidos materialmente através de uma vida em horas comuns, nas mesmas habitações, com a mesma temperatura, em conformidade aos mesmos princípios e dentro de uma aprovação recíproca, posto que agora essa satisfação, por desgraça, nos está proibida.*
*Alusão à morte recente do Dr Proust, ocorrida no dia 26 de Novembro de 1903.
Carta de Proust à sua mãe, aproximadamente em dezembro de 1903. Publicada em Correspondencia con su madre (1887-1905), Perfil Libros, Bitacora, 1998.
Carta de Simone de Beauvoir a Sartre
Querido pequeno ser:
Quero contar-lhe algo extremamente prazeroso e inesperado que aconteceu-me: há três dias me deitei com o pequeno Bost. Naturalmente fui eu quem o propôs, o desejo era de ambos; durante o dia mantínhamos sérias conversas enquanto que as noites se faziam intoleravelmente pesadas. Uma noite chuvosa, em uma granja de Tignes, estávamos deitados de costas a dez centímetros um do outro observando-nos há mais de uma hora, retardando o momento de ir dormir, sob diversos pretextos.
Ao final comecei a rir como tonta olhando-o, e ele me disse: “Do que você está rindo?”
Respondi-lhe: “Estava me preguntando que cara você faria se lhe propusesse deitar-se comigo”.
Ele replicou: “Eu estava pensando que você pensara que eu tinha vontade de beijá-la e não tinha coragem”. Enrolamos ainda uns quinze minutos mais antes de que se atrevesse a beijar-me. Surpreendeu-lhe muitíssimo que eu lhe dissesse que sempre sentira muita ternura por ele e ontem a noite acabou por confessar-me que há tempos me ama. Tenho sentido muito carinho por ele. Estamos passando dias idílicos e noites apaixonadas. Parece-me coisa preciosa e interessante, mas é leve e tem um lugar muito determinado em minha vida: a feliz consequência de uma relação à qual sempre fui grata. Até a vista querido pequeno ser; sábado estarei na plataforma e se não estiver lá, estarei na cantina. Tenho vontade de passar intermináveis semanas a sós contigo.
Te beijo ternamente,
teu Castor.
Cartas a Sartre de Simone de Beauvoir, Lumen, 1996.
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26 outubro de 1951 (manuscrita)
Adorada, não sabes a fúria que senti quando no mesmo dia em que chegamos te liguei e não me atendeste. Era tarde e desabei contra ti com coisas que D. ofendeu-se. Disse-lhe, estou cansado de traições, esta é a verdadeira M. que passeou com seu amiguinho pela Costa Azul e que nos esquece. Passei estes dias desesperado, nervoso e colérico, tanto que falei a Ivette que fosse a Paris e averiguasse tudo. Imagina você que alegria, hoje sei que chegaste. Em todo caso te descuidaste. Neste momento já terás o que te mandei, escreve que compraste algo chinês para que não causes surpresa, em relação às cartas responde a cada uma por vez. Não deixes de fazê-lo sobre teus amigos de viagem. Quero saber tudo, e de qualquer modo irei averiguar.
Meu amor, a hora se aproxima. Está tudo arranjado como convimos. Segunda-feira iremos a Viena, estarei de volta no dia 6 ou 7 e logo depois, nosso plano. Achei melhor telefonar-te, e que não vá acontecer a mesma coisa, ligo no dia 10 ou depois pela manhã. Não saias. Temos muito a falar, tomei algumas decisões que você vai gostar. Porque dormes em cima? Não tens dinheiro para o carvão? Dei uma ordem a Ines, deves fazer o que te peço, não quero que tenhas nenhum incômodo, nem que te falte nada. Arruma bem os detalhes para tua viagem, pensa o que vais dizer na tua carta a D. etc. Eu penso em ti dia e noite, noite e dia, amor meu, doçura minha, e não sei se te quero mas te quero.
Eres minha e te beijo.
Pablo Neruda
Cartas de amor. “Amor mío. La hora se acerca”
http://m.elcultural.com/revista/letras/Neruda-Cartas-de-amor-ineditas-a-Matilde-Urrutia/26578
A ARTHUR SHEEKMAN
Querido Sheek:
Dei-me conta de que não tinhas nenhuma notícia para contar-me quando li tua carta e a encontrei cheia das alfinetadas da tua filha. Tenho-lhe muito afeto, creio que é brilhante, precoce e bonita, mas se tuas cartas vão consistir na revenda de acontecimentos de Sylvia, não vejo por que não posso eliminar o intermediário e escrever diretamente a ela. Em verdade não me queixo; de fato, o que me contavas de Sylvia era muito mais divertido do que contavas de ti mesmo. (…)
Abraços a todos
Groucho Marx
Cada uma das tuas palavras confirma o que sempre soube. Os filhos são somente das mães, os pais fecundam e sua história acaba ali.
Dentro de pouco tempo nem para tal serão necessários, bastará um doador e uma seringa, e assim finalmente se encerrará a penosa história da família, o baile das ficções que tem devastado o equilíbrio psíquico de tantas gerações.
Na minha casa de Trieste somos muitos, não me faltará ajuda, nem companhia. O menino crescerá sem viseiras, sem hipocrisias, nunca se verá obrigado a colar em seu quarto um cartaz com as palavras: “a família é tão harmoniosa e estimulante como uma câmara de gás”.
Será uma criança livre e irá ao encontro de um mundo igualmente livre, sem deformações, sem as repressões impostas pelo patriarcado, pelo capitalismo e pela igreja.
Não terá temores nem angústia porque poderá crescer seguindo a bondade natural que jaz no coração de todos os homens. E sua alma será tão grande que talvez eu nunca chegue a conhecê-la de verdade, mas isso, contrariamente a ti, não me inquieta nem me faz mudar de ideia.
O desafio é precisamente este, trazer ao mundo seres mais completos do que nós. Se não se consegue fazer a revolução com armas, pode-se faze-la, pelo menos, criando os filhos de outra maneira.
G. diz que em algum lugar no céu estava escrito que nossas existências tinham que encontrar-se e unir-se em uma nova vida. Ainda que você não aceite, em alguma conjunção astral estava escrito nosso destino e o do nosso filho. Provavelmente, para realizar tal plano nos perseguimos em vidas passadas mas, como te recusas a procriar, teu karma será muito longo e desolador. Provavelmente reencarnarás em um animal: te veria bem como réptil (com o sangue frio que rega cada célula do teu corpo e do teu minúsculo cérebro), ou bem, como um mandril, com o focinho vermelho aceso, como o traseiro.
Teu filho parecerá inevitavelmente contigo, terá teus olhos, tuas mãos ou tua forma de rir, mas para mim será somente ele mesmo, e tu serás um número no catálogo pedido por correspondência. Se ele me preguntar algo de ti, contar-lhe-ei de um magnífico amor impossível, vivido em uma noite em uma praia longínqua…, farei que sonhe com seu pai.
Por sorte, G. está em minha vida. Não sei o que teria feito sem ele. Apesar do teu sarcasmo, não é um novo amante, mas uma pessoa única, muito importante para mim. Está me ajudando a reunir os pedaços do caos que tenho dentro de mim. Somente ele tem a paciência de colá-los, de dar a cada fragmento um sentido. G. sabe ver onde os demais não veem, sabe localizar, no emaranhado de caminhos e veredas de nossas vidas, o fio que nos leva à salvação.
Nunca te disse isso, mas há anos, também esperava um filho teu. Não soubeste porque, apenas alcançou o tamanho de um girino, acabou na privada. Fiz tudo sozinha, sem recorrer a ninguém. Naquele momento pareceu-me algo de escassa importância. Somente agora escavando nas ruínas, dei-me conta de quanto esse ato, na realidade, determinou a grande instabilidade da minha casa. Provavelmente já estava ameaçada devido à má qualidade do material com o qual fora construída. Atrás de mim estava minha mãe, com sua obstinação burguesa, meu pai, um homem cinzento que derramou em mim somente um afeto morno ao qual correspondi com um sentimento ainda mais frio: um coleóptero entre os coleópteros, o escaravelho da metamorfose que se protege debaixo da cama.
Mas não quero entediar-te com estas minúcias burguesas.
Então me desfiz do nosso filho porque tinha medo. Medo da responsabilidade, do compromisso, de ter que renunciar à minha juventude, de não estar preparada para combater pela revolução, medo de não estar à tua altura, de decepcionar-te. Menti a primeira vez que dormimos juntos: não tomei a pílula. E talvez abortei porque temia que me criticasses por essa mentira.
Por que não tens perguntado estas últimas vezes?
Segundo G. a resposta é clara: inconscientemente tu também desejas um filho. Mostras ares de Herodes para mascarar teu terror, mas agora, após ter lido tua carta, não me importam em nada teus medos. Meu bichinho cresce dia após dia, e é como si tivesse um pequeno sol dentro de mim: é cálido, dá luz e me ajuda a seguir.
Levarei esta gravidez até o final: tenho 30 anos e não posso continuar esperando, já não sou a menina ingênua que descreves, cativa do seu fascinante professor.
Agora trata-se de escolhas responsáveis e eu, como adulta, quero ser mãe. Não tenho um emprego, mas tenho uma casa em Trieste (presente dos meus pais burgueses que não quis rejeitar). Por enquanto, estou analisando meu subconsciente, e não é pouco. De vez em quando dou alguma aula particular e quando meus pais forem para o outro mundo, terei uma renda com que contar. Ou seja, fique tranquilo, não presenciarás nunca a penosa cena de me ver mendigar na tua porta com um filho no colo.
Sabes o que diz G.? Que cada um de nós tem um fio na mão e que esse fio nos leva à nossa estrela. Cada um de nós tem uma estrela no céu e nosso destino é aprender a segui-la. É uma estrela cometa, nosso karma está escrito em sua estrela, se soltamos o fio tudo está perdido, forma-se um enredo, um emaranhado de estrelas.
E é precisamente este, Emaranhado de estrelas, o título do seu livro mais importante. Sei que a ti não te importam em nada estas coisas, mas deves saber que se não buscas tua estrela, se não a segues, antes ou depois, se enredará com o fio de outras estrelas e será impossível desenredá-la, começará a apagar-se até desaparecer.
A estrela é um pequeno sol, mas quando se esgota, sua luz se torna fria, glacial. E é sob esta sinistra claridade como conduzirás teus passos enquanto meu filho e eu correremos felizes no final do arco-íris de nossas estrelas cometa”.
Susanna Tamaro, Escucha mi voz, Seix Barral, Buenos Aires, 2007, pp.84-87.
“A mãe da mãe”
Enquanto os olhos do mundo estão no bebê que acaba de nascer, a mãe da mãe enxerga a filha, recém-parida. O papel de avó pode esperar, pois é a sua menina que chora, com os seios a vazar.
A mãe da mãe esfrega roupinhas manchadas de cocô, varre o chão, garante o almoço. Compra pijamas de botão, lava lençóis sujos de leite e sangue. Ela sabe como é duro se tornar mãe.
No silêncio da madrugada, pensa na filha, acordada. Quantas vezes será que foi? Aguentará a manhã com um sorriso? Leva canjica quentinha e seu bolo favorito.
Atarefada, a mãe da mãe sofre em silêncio. Em cada escolha da filha, relembra suas próprias. Diante de nova mãe, novo bebê, muito leite e tanto colo, questiona tudo o que fez, tempos atrás. Tempo que não volta mais.
Se hoje é o que se tem, então hoje é o que é. Olha nos olhos, traz pão e café. Esse é o colo, esse é o leite. Aqui e agora, presente.
A mãe da mãe ajuda a filha a voar. Cuida de tudo o que está às mãos para que ela se reconstrua, descubra sua nova identidade. Ela agora é mãe, mas será sempre filha.
Toda mãe recém-nascida precisa dos cuidados de outra mulher que entenda o quanto esse momento é frágil. A mãe da mãe pode ser uma irmã, sogra, amiga, doula, vizinha, tia, avó, cunhada, conhecida. O fato é que o puerpério necessita de união feminina, dessa compreensão que só outra mãe consegue ter. O pai é um cuidador fundamental, comanda a casa e se desdobra entre mãe e filho, mas é preciso lembrar que ele também acaba de se tornar pai, ainda que pela segunda ou terceira vez.
Texto de Marcela Feriani (funpage de Facebook – Grupo “Mãe de Adolescente” – Mamá de adolescente)
Berna
Berna, 15 de Junho de 1946
Tania querida:
Esta carta é sobre Marcia. Mas antes quero agradecer o retrato, querida. Você está uma querida. Tania, não se canse muito, por favor. Tania você está cuidando da boquinha de Marcia? Não se descuide. Agora eu queria pedir um favor: pense bem na história de Marcia não estudar dança. Isso é um crime, querida. Eu não queria que Marcia tivesse razão de queixas de você. Pense bem, eu lhe peço. Ninguém tem direito de torcer e moldar demais destinos, mesmo que sejam os dos próprios filhos, suponho. Pense bem, querida: moças das melhores famílias estudam. E se ela quisesse ser dançarina, que é que tem, querida? Que coisa mais bonita existe que dançar? A Bluma passou a vida toda querendo e a mãe não deixou e ela não esquece. Mas era uma mãe antiga. Você disse que não queria que a Marcia fosse artista de nenhum modo. Querida que faz arte sofre como os outros só que tem um meio de expressão. Se você vê por mim está vendo errado. Eu sofro com o trabalho não é pelo trabalho só, é que além do mais não sou muito normal, sou desadatada, tenho uma natureza difícil e sombria. Mas eu mesma, com esse temperamento e essa anormalidade de todos os instantes – se eu não trabalhasse estaria pior. Às vezes penso que devia deixar de escrever; mas vejo também que trabalhar é a minha moralidade, a minha única moralidade. Quer dizer, se eu não trabalhasse, eu seria pior porque o que me põe num caminho é a esperança de trabalhar. Mas quem faz arte não é como eu, querida. Qualquer pessoa que escreve, por exemplo, riria disso que eu sou porque não tem nada a ver com arte. Querida, peço-lhe muito mesmo: pense antes de tirar de Marcia esta possibilidade. Deixe ela estudar dança sem empurrá-la. O mais provável é que passe o entusiasmo. Mas se não passar é porque ela sentiria sempre falta disso. Minha querida, eu vi um ballet em Paris. É tão lindo. É a coisa mais alta que se pode fazer. Não deixe passar a idade de começar a aprender, querida. A Marcia está justamente na idade. Querida, é do tempo antigo a história de que o palco é horrível. No Rio, as melhores famílias deixas as filhas estudar. Tem uma menina judia Tamara Kapeller que, dizem, será uma grande bailarina, tem 15 anos, começou cedo. Pense bem, querida, não se deixe levar por preconceitos tolos. Não marque desde logo a Marcinha com um preconceito. Pense bem e faça como quiser. Eu detestaria que a Marcia culpasse você de alguma coisa. Querida, não seja mandona demais… Quanto mais, ela ficará com o corpo bonito. Pense nisso, por favor, sim? Você ainda há de ter muito gosto na Marcinha como você tem agora. Desculpe esta carta intrometida e um pouco aflita.
Sua sempre
Clarice
Responda o que você pensa.
Mandei carta também para a rua Silveira Martins.
Lispector, Clarice, Minhas queridas, Rio de Janeiro: Rocco Editora, 2007.
Já se passaram 5 meses e eu quase renunciara à busca de alguém que fizesse minha mãe feliz. E então aconteceu: em meados de fevereiro deste ano chegou uma carta, escrita à máquina em papel azul de avião, selada em Veneza e expedida depois à minha mãe pela editora. Bird a encontrou e a levou até mamãe perguntando se poderia ficar com os selos. Estávamos na cozinha. Ela abriu o envelope e leu a carta de pé. Depois voltou a lê-la sentada, é assombroso -disse. Uma pessoa me escreve a respeito da história do amor. O livro do qual papai e eu retiramos teu nome. E ela leu a carta em voz alta.
Estimada senhora Singer:
Acabo de ler sua tradução das poesias de Nicanor Parra quem, você disse, “levava na lapela um pequeno astronauta russo e nos bolsos as cartas de uma mulher que o deixara por outro”. Tenho o livro ao meu lado, na mesa do meu quarto em uma pensão com vista para o Grande Canal. Não sei o que dizer dele, a não ser que me comoveu da forma que a gente deseja que cada livro que começamos a ler o faça. Quero dizer que, de algum modo, que quase não saberia descrever, ele me transformou. Mas não quero falar disso. O certo é que não lhe escrevo para agradecer-lhe, mas para rogar-lhe algo, que talvez lhe pareça estranho.
Na introdução a senhora menciona de passagem um escritor quase desconhecido, Zvi Litvonoff, que em 1941 fugiu da Polônia até Chiley cuja única obra publicada, escrita em espanhol, é intitulada La historia del amor. Meu pedido é este: a senhora gostaria de traduzi-lo? Seria exclusivamente para meu uso pessoal; não tenho intenção de publicá-lo, e a senhora manteria todos os direitos, caso um dia decida fazê-lo. Estou disposto a pagar pelo seu trabalho a soma que considerar justa. Estas cosas sempre me violentaram.
O que lhe parece cem mil dólares? Se considera ser pouco, lhe agradecerei se me disser.
Imagino sua reação ao ler esta carta, terá então passado uma semana ou duas aguardando nesta lagoa, após um mês sorteando o caos do sistema postal italiano antes de cruzar finalmente o Atlântico e ser transferida ao serviço de correios dos Estados Unidos, o qual a introduzirá em uma sacola que o carteiro arrastrará em um carrinho desafiando a chuva ou a neve até enfiá-la pela ranhura da sua porta. De lá cairá ao chão, onde esperará que a senhora a encontre. E depois de imaginar tudo isso me sinto preparado para o pior: que a senhora me tome por um perturbado. Mas talvez não ocorra assim necessariamente.
Talvez se lhe digo que, há muito tempo ao deitar-me, uma pessoa leu-me umas páginas de um livro intitulado La historia del amor e que, ao final de tantos anos, não me esqueço daquela noite nem daquelas páginas, talvez me compreenda.
Agradecerei se responder a estes sinais. Se então eu já tiver ido, o zelador me enviará a carta.
Na espera de notícias suas, seu estimado,
Jacob Marcus
Nicole Krauss, La historia del amor, Salamandra, Barcelona, 2006.
37 Oakfield Court
Haslemere Road
Crouch End
Londres, N.8
7 maio 1958
Querida Helene:
Tenho que agradecer as tuas duas cartas, Helene, e agradecer especialmente tua oferta, mas de verdade não precisamos de nada. Oxalá tivéssemos uma livraria própria, assim poderíamos corresponder às tuas tantas atenções, enviando alguns livros.
Envio algumas fotos recentes da minha família feliz. Não são muito boas, pois pelo visto demos a alguns familiares as que saíram melhor. Provavelmente notarás o quanto Sheila y Mary se parecem agora. É surpreendente. Frank diz que Mary, à medida que cresce, vai parecendo cada vez mais à Sheila na mesma idade. A mãe de Sheila era galesa, e eu procedo da verde Irlanda, assim que as duas meninas devem parecer com Frank, mas são muito mais bonitas que ele…, coisa que Frank não reconhecerá jamais, claro!
Se soubesses o muito que aborrece escrever, me perdoarias. Frank diz que, para a charlatã que sou, desempenho-me muito mal frente a uma página em branco.
Novamente obrigada pelas tuas cartas e bons desejos.
Que Deus te abençoe.
Nora
Helen Hanff, 84, Charing Cross Road, Anagrama, Barcelona, 2002.
De ENRIQUE VIII a ANA BOLENA (1527)
Minha senhora e amiga:
Meditando acerca do conteúdo de vossas últimas cartas, vejo-me acossado por mil pensamentos torturantes e, sem saber ao que ater-me, já que em umas frases creio descobrir uma satisfação e em outras é exatamente o contrário. Eu vos rogo encarecidamente que me digais quais são vossas intenções a respeito do amor que existe entre nós dois.
Necessito a todo custo uma resposta, já que estou há um ano ferido pelo dardo do vosso carinho, sem ter ainda a segurança de encontrar ou não um lugar em vosso coração e afeto.
Esta incerteza ultimamente tem-me privado do prazer de chamar-vos de minha dona, já que não me professais mais que um carinho comum e corriqueiro; mas se estais disposta a cumprir os deveres de uma amante fiel, entregando-vos de corpo e alma a este vosso leal servidor, se vosso rigor no me proíbe, vos prometo que recebereis não somente o nome de minha dona, mas afastarei do meu lado tantas quantas até agora tem compartilhado com vós meus pensamentos e meu afeto. Dedicar-me-ei somente a vos servir.
Em rendição suplico uma resposta para minha carta, pois anelo saber até onde e para que posso contar com vós. Se não vos for agradável responder por escrito, indicai-me algum lugar onde possa receber a resposta de palavra, e eu irei com todo meu coração. Não continuo por temor em cansar-vos. Escrito pela mão de quem não deseja ser senão vossoo,
E. Rex.
Tradução livre de “Cartas de amor de Enrique VIII a Ana Bolena”, Editorial Confluencias, España 2016.
“Las seis esposas de Enrique VIII”, Hackett Francis, Editorial Juventud, Barcelona, 1975.
Querida Amélie Nothomb:
Obrigada pelo seu ânimo de 30 de abril.
Sherezade está bem, não se preocupe. Se eu já não lhe falo dela é porque, por esse lado, nada mudou.
Temos recebido notícias de alguns soldados que tem regressado há meses. São alarmantes. Longe de atenuar-se, os males psicológico e físicos que padeciam aqui, tem-se agravado.
Os médicos os vigiam e lhes falam da sua reinserção: é o mesmo termo que empregariam se saíssemos da cadeia. E, ao que parece, os ex-presidiários se reinserem melhor que nós. São menos estranhos que isto no que temos nos transformado.
Ninguém está tão louco como para querer regressar ao Iraque, mas os meninos dizem que sua vida já não está nos EUA. A desgraça é que não tem nenhum outro lugar onde ir. Dizem que já não sabem como viver. Seis anos de guerra tem apagado todo o anterior. Entendo isso.
Em várias ocasiões creio ter-lhe escrito que desejavam regressar a América. Agora, me dou conta de que o dizia como uma evidencia, mas que na realidade não havia pensado de verdade nisso.
O que encontrarei no meu país? Além do exército, nada nem ninguém. Meus pais se envergonham de mim. Perdi a pista dos que foram meus amigos, supondo que uma misericórdia compartilhada constitua já uma amizade digna de chamar-se assim. E não esqueçamos o detalhe do meu peso. Por acaso desejas ver alguém quando engordaste 130 quilos? 130 quilos! Se pesasse 130 quilos já seria obeso. Mas não peso 130 quilos, mas engordei 130 quilos! É como se tivesse me transformado em três pessoas.
Fundei una família. Sherezade e eu tivemos um filho. Tudo isto seria encantador se eu não fosse o único a constituir esta família. Olá, meninos, os apresento a minha mulher e ao meu filho, estão quentinhos, por isso não podeis admirá-los, preferi guardá-los dentro de mim, parece mais íntimo, é mais fácil também para protegê-los e para alimentá-los, não entendo porque os estranham, existem mulheres que amamentam seus filhos, e eu decidi alimentar minha família no meu interior.
Em resumo, pela primeira vez descubro que já não tenho vontade de voltar. Odeio estar aqui, mas pelo menos tenho um enquadre de vida e de relações humanas. Não quero ver a expressão dos meus pais quando voltarem a me ver, não quero ouvir o que me dirão.
Uma vez mais, o que me salva é meu projeto artístico. Nunca estarei agradecido o bastante. É a única dignidade que tenho. Você acredita que meu pai e minha mãe entenderão? Bom, não deveria me fazer esta pergunta. A gente não se faz artista para ser compreendido por seus pais. Isso não impede que pense neles.
Me dá medo que debochem de mim. Se eu tivesse um agente ou algo parecido me sentiria menos ridículo. (…)
Melvin Mapple
Bagdad, 2009
Amélie Nothomb, Una forma de vida, Anagrama, 2012.
Enquanto escrevo, entra Renata no meu escritório e diz, furiosa: Mãe, nesta casa a única alegria é a máquina de escrever. Conto isso a Cristina e ela me sugere que venda a frase à Olivetti para que possa pagar o psicanalista que deve reconciliar minha filha com a vida ou com sua mãe.
Margo Glantz, Las genealogias. Obras Reunidas II, Fondo de cultura económica, 2008.
Queridíssimos pais e irmãos:
Não podeis imaginar a grande impressão que causou-me a notícia da morte da pobre tia Rosario, que lástima! Escrevi ao tio Luis uma carta dizendo-lhe que precisa animar-se, pois a vida segue e não podemos nos deter na metade do caminho. Ele me dá uma grande pena e Dona Amadora tão doce e tão desgraçada pois os filhos ainda que estejam agora desesperados tem muita vida pela frente, mas eles!……
Estive um dia de cama pois a notícia me produziu uma grande impressão, já estou graças a Deus tranquilo e espero que vós estejais igualmente. Que não falem diante de Isabelita destas cosas e que quando ela esteja não estejais tristes pois é uma menina e não está bem que podendo lhe deis momentos tristes e amargos. Papai que graças a Deus está melhor é necessário que não se impressione demasiadamente e se distraia, não há mais remédio! Temos uma família muito longa e é preciso ter calma, não há mais remédio.
Eu sei que vós haveis sofrido bastante porque a coisa não é para menos, mas agora há que normalizar a vida.
A carta que Paquito escreveu-me foi um terrível mau momento para mim pois todas as notícias eram imponentes. Tenho estado tristíssimo e ainda estou ainda que já naturalmente sereno.
Senhor Alberto, o presidente da Residência quer que fique neste natal aqui para ajudar em muitos assuntos mas não lhe disse nada porque sei que vós me necessitais…. mas por Deus vos suplico que não vos ponhais muito tristes quando eu for.
Irei em seguida enviai-me o dinheiro do trem e parto em seguida..
Meu livro está entregue.
Escrevei-me em seguida.
Adeus beijos a todos e abraços a todos de vosso Federico
Como está Mercedes?
Espero que as meninas continuarão sua aula de piano não incorrais na barbaridade de suspendê-la e considerar a música como una diversão.
Carta enviada por F G Lorca à sua família.
Diario El país da Espanha, a carta é inédita, mas cedida ao jornal pela Fundação Federico García Lorca.
31/1/1919
Considerando a extraordinária piora da nossa situação patrimonial como consequência da guerra, retiro todos os compromissos e disposições referentes à partilha dos meus bens (complementares ao testamento que se encontra em poder do Dr. Alf. Rie) e disponho que minha mulher Martha seja a herdeira de tudo aquilo que se encontra na casa: livros, quadros, antiguidades, tapetes, utensílios domésticos, etc. Também deixo em suas mãos a distribuição de objetos pessoais entre nossos filhos, Minna e Alexander. Meu seguro de vida da New York está em seu nome. Da mesma forma, herdará os pagamentos de dois pacientes ([C.] e Dirszt. [ay]) que se encontram na arca, se até então não se efetuou nenhum pagamento.
Somente Anna conservará os objetos de nefrita previamente combinados e o Dr. Rank receberá a bibliografia sobre o sonho, irrelevante para outro.
A coleção das minhas próprias publicações psicanalíticas, assim como a Enciclopédia britânica deveriam permanecer em casa.
Se meus livros forem reeditados depois de minha morte, o rendimento também corresponderá à minha mulher. Se sua situação o permite, disporá da soma para nossos netos.
Parto da base de que não se separará de Minna.
No que se refere ao meu enterro, disponho que se economize o quanto for possível: a categoria mais simples, nenhuma oração fúnebre, comunicação a posteriori. Prometo não afligir-me por eliminar-se toda “piedade”. Se é possível fazê-lo de forma cômoda e econômica: incineração. Se no momento de minha morte chego a ser “famoso” (nunca se sabe), que não faça diferença.
Sigm. Freud
Meu senhor Dom Diego:
Escrevo isto do quarto de um hospital e da antessala (antes de entrar no) do centro cirúrgico. Tentam apresar-me mas estou decidida a terminar esta carta, não quero deixar nada pela metade e menos ainda agora que sei o que planejam, querem ferir meu orgulho cortando-me uma pata… Quando me disseram que teriam que amputar minha perna isso não me afetou como todos acreditavam, NÃO, eu já era uma mulher incompleta quando lhe perdi, outra vez, por enésima vez talvez e ainda assim sobrevivi.
A dor não me aterroriza, bem sabes, é quase uma condição imanente ao meu ser, ainda que, sim, te confesso que sofri, e sofri muito, toda as vezes que me puseste chifres… não só com minha irmã, mas com outras tantas mulheres… Como caíram nos teus emaranhados? Tu pensas que me emputeci por aquilo com Cristina mas hoje hei de confessar-te que não foi por ela, foi por ti e por mim, primeiro por mim porque nunca soube entender o que buscavas, o que buscas, o que te dão e o que elas te deram, que eu não te dei? Por que não nos façamos de idiotas Diego, eu te dei tudo aquilo humanamente possível e sabemos disso, agora bem, como caralho fazes para conquistar tantas mulheres si estás tão feio filho de uma puta.
Bom o motivo desta carta não é para repreender-te mais do que já nos temos repreendido nesta e quem sabe quantas bostas vidas mais, é só que vão me cortar uma perna (no fim saiu com a sua, a condenada) … Te disse que eu já me fazia incompleta há tempos, mas que puta necessidade de que as pessoas soubessem? E agora já vês, minha fragmentação estará à vista de todos, da tua… Por isso antes que cheguem com a fofoca te digo eu mesma “pessoalmente”, desculpa que não pare na tu casa para dizer-te isso frente a frente mas nestas instancias e condiciones já não me deixam sair do quarto nem para ir ao banheiro. Não pretendo causar-te lástima, nem a ti nem a ninguém, tampouco quero que te sintas culpado de nada, te escrevo para dizer-te que te libero de mim, vamos, te “amputo” de mim, sê feliz e não me procures jamais. Não quero voltar a saber de ti nem que saibas de mim, se quero ter o gosto de algo antes de morrer é de não voltar a ver tua horrível e bastarda cara de mau nascido rondar pelo meu jardim.
É tudo, já posso ir tranquila a que me mochem em paz.
Despede-se quem lhe ama com veemente loucura,
Sua Frida
Extraída del Blog Frida Kahlo
http://ilovefridakahlo.blogspot.com.ar/2012/09/carta-diego-rivera-desde-el-hospital.html
Querida Linda,
Estou no meio do voo a St. Louis para dar uma conferência. Estava lendo uma historia no New Yorker que me fez pensar em minha mãe e, sem perceber, sozinha na poltrona, sussurrei: «Eu sei, mãe, eu sei» –encontrei uma pena, e pensei em ti– que algum dia voará sozinha para algum lugar, talvez eu já tenha morrido, e desejarás falar comigo.
Eu quero falar. (Linda, talvez não estejas voando, talvez estejas na tua mesa da cozinha tomando chá, em alguma tarde, quando tenhas 40. Em qualquer momento) e quero te dizer:
Primeiro, que te amo.
Dois, que nunca me decepcionaste.
Três, eu sei. Eu estive aí alguma vez. Eu também tive 40 com uma mãe morta que ainda me faz falta.
Esta é minha mensagem para a Linda de quarenta. Não importa o que aconteça, sempre serás meu passarinho, minha Linda Gray. A vida não é fácil. É terrivelmente solitária. Eu sei disso. Agora também sabes – onde estiveres, Linda, falando comigo. Mas eu tive uma vida boa –escrevi infeliz– mas vivi com capa e espada. Tu também, Linda –vive no limite. Amo-te, minha Linda, aos quarenta, e amo o que fazes, o que encontras, o que és. Sê tu mesma. Pertence àqueles que amas. Fala com meus poemas e com teu coração – estarei nos dois: se precisares de mim. Menti, Linda. Eu também amei minha mãe e ela me amou, ela nunca me apoiou, mas sinto sua falta, tanto, que tive que negar que alguma vez a amei –ou ela a mim, mas, que tonta, Anne! É assim!
Carta de Anne Sexton -poeta- a Linda Gray Sexton -sua filha-, em Anne Sexton: A Self-Portrait in Letters, edição de Linda Gray Sexton e Lois Ames, Estados Unidos, Mariner Books, 2004, p. 424. Extraída de http://cuadrivio.net/litera tura/poemas-de-anne-sexton/
Queridas filhas:
Chegou o momento. Estou nas últimas e condenada. Os scanners estão bem, mas também é preciso escutar o corpo. Nunca confesso a ninguém todos os meus males. Digo alguns a alguns e os outros a outros diferentes. Estou muito cansada. Minha vida é difícil e ela não pode fazer nada além de deteriorar-se.
Desde que tomei esta decisão me sinto serena, apesar de ter medo da passagem.
Sois as duas pessoas que mais amei neste mundo e o fiz da melhor maneira possível, creiam-me.
Dais un abraço a vossos lindos filhos.
Lucile
PS: Sei muito bem que vos causarei tristeza, mas é inevitável antes ou depois e prefiro morrer viva.
Nada se opõe à noite, Delphine de Vighan, Anagrama, Barcelona, 2012