Nesta oportunidade, uma entrevista ao escritor Gustavo Ferreyra, na qual ele conversa sobre seu livro La familia, ele ali a define como cardume, trama mafiosa fundada em segredos sem os quais não seria possível a construção do sujeito. Situa também, como o individualismo liberal a destrói.

Do ponto de vista da psicanálise, os três precisos textos de Miguel Furman, Maria Eliane Neves Baptista e Irene Sandner, também situam o segredo de um gozo inominável, que contém o paradoxo do horror e o mais familiar. A psicanálise, como dizem os colegas, apontará para extrair desse gozo o mais singular. Tudo isso está entrelaçado com cenas de El clan, filme baseado no Clã Puccio, caso policial dos anos 80 que comoveu a sociedade argentina e que comenta Graciela González Horowitz.

Viviana Mozzi
Diretora do VIII ENAPOL

Um clã é um grupo de pessoas unidas por laços de parentesco e ascendência, vinculado pela percepção de serem descendentes de um ancestral comum. A denominação provém do gaélicoclann, que significa “filho” ou “descendente”.[1]

Os membros do clã se solidarizam com ele para obter uma proteção básica ou um abundante sustento “necessário”.[2] A maioria dos seguidores eram arrendatários que serviam como mão de obra para os líderes dos clãs.[3]

El clan,[4]é o adequado nome do filme, que põe em cena o entrecruzamento de gozos e uma família. Descreve a realidade descarnada de um bando, destinado a sequestrar e matar pessoas por dinheiro. A. Puccio é o líder deste clã. O “canalha” que não cede de sua satisfação de gozo mesmo quando a ditadura militar chegou ao fim.

Lacan nos diz que Toda canalhice repousa nisto, em se querer ser o Outro – refiro-me ao grande Outro – de alguém ali onde se delineiam as figuras em que seu desejo será captado.[5] Esta frase ressoa na relação entre Arquímedes e Alejandro, um de seus filhos.

O pai é aquele que nomearia o almejo de todos,[6] não dando lugar às diferenças. De um lugar de impunidade, saber e gozo exerce o poder. Demanda obediência. Impõe-se em desviar seu filho de seu próprio desejo. Justifica sua conduta e afirma sua inocência pautando-se pelo argumento de uma vida adequada à satisfação das necessidades. Este pai não é vetor da lei no desejo.

Assim como os integrantes de um clã, não duvidam do líder, a mãe, atolada em seu mais-de-gozar, com o beijo de Judas pede a Alejandro que obedeça a seu pai, dizendo-lhe que o que ele faz é pelo “bem da família”.

A “obediência devida” é um conceito militar, segundo o qual os subordinados se limitam a obedecer as ordens emanadas de seus superiores.

Nesse caso, Alejandro, “serve” de mão de obra para seu pai. Lacan nos diz que “…. se o desejo do qual ele nasce é o desejo de um canalha, será um canalha infalivelmente”.[7] (Lacan, 1/6/72).

Alejandro está aprisionado em sua cobiça, mas mergulhado em uma “asfixia” marcando uma diferença com seu pai. A asfixia, acontecimento de corpo, nos diz de suas marcas de gozo. Sintoma que se manifesta diante dos ditos e atos do pai. Obediência “de vida” que leva a tentar o suicídio este sujeito dividido nas redes de uma família cúmplice. Ao menos um, Daniel, faz exceção. Escolhe, com sua tenra idade, não se envolver.

O que dizer do “pai”: o pai não é um pai que merece o respeito, nem o amor. É um “canalha”.

Este filme argentino nos confronta com a versatilidade e obscuridade deste “assunto de família”.

Tradução: Vera Avellar Ribeiro

NOTAS

  1. Clan, Wikipedia. Extraído https://es.wikipedia.org/wiki/Clan
  2. Scottish surnames or variantsScotland’s People. Extraído www.scotlandspeople.gov.uk.
  3. Roberts, J. L. (2000), Del clan, el rey, y el convenio: Historia de la montaña clanes de la Guerra Civil a la Masacre de Glencoe, Edinburgh: Edinburgh University Press, p. 13.
  4. Filme argentino, gênero policial histórico, de 2015, dirigido por Pablo Trapero.
  5. Lacan, J. O Seminário, livro 17: a avesso da psicanálise, Rio de Janeiro, JZE, 1992, p. 57.
  6. Milner J.- C., (1999), La canallada, Los nombres indistintos, Buenos Aires: Manantial.
  7. Lacan, J., “O saber do psicanalista. Conferência em Sainte-Anne”(1971/72).

Gozo – Segredo