Os sentimentos sociais de fraternidade, em que se baseia a grande subversão, passam a manter por longos períodos uma enorme influência sobre o desenvolvimento da sociedade. Manifestam-se na sacralização do sangue comum, na ênfase na solidariedade de todas as vidas do mesmo clã. […] Eles excluem uma repetição do destino do pai. À proibição de matar o totem, de fundamento religioso, junta-se a proibição de matar um irmão, de fundamento social. Ainda passará muito tempo até que o mandamento deixe de ser limitado aos membros do clã e adote a simples forma que diz: “Não matarás”. Inicialmente a horda paterna é substituída pelo clã fraterno, garantido pelo laço de sangue. A sociedade repousa então na culpa comum pelo crime cometido; a religião, na consciência de culpa e no arrependimento por ele; e a moralidade, em parte nas exigências dessa sociedade e em parte nas penitências requeridas pela consciência de culpa.
Sigmund Freud, (1996), “Totem e tabu e outros trabalhos ” (1913-1914),
Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, Vol. XIII,
Rio de Janeiro: Imago
Entre todos os grupos humanos, a família desempenha um papel primordial na transmissão da cultura. Embora as tradições espirituais, a manutenção dos ritos e costumes, a conservação das técnicas e do patrimônio sejam com ela disputados por outros grupos sociais, a família prevalece na educação precoce, na repressão dos instintos e na aquisição da língua, legitimamente chamada materna. Através disso, ela rege os processos fundamentais do desenvolvimento psíquico […].
Jacques Lacan, (2003), “Os complexos familiares na formação do indivíduo. Ensaio de análise de uma função em psicologia”,
Outros Escritos, Rio de Janeiro: JZE, p. 30
O que poderíamos dizer hoje dessa definição da família? Ela tem sua origem no matrimônio? Não, a família tem sua origem no mal-entendido, no desencontro, na decepção, no abuso sexual ou no crime. Por acaso ela está formada pelo marido, pela esposa, pelos filhos, etc.? Não, a família está formada pelo Nome-do-Pai, pelo desejo da mãe e pelos objetos a. Estão unidos por laços legais, direitos, obrigações, etc.? Não, a família está especialmente unida por um segredo, está especialmente unida por um não-dito… é um desejo não dito, é sempre um segredo sobre o gozo: do qual gozam o pai e a mãe.
Jacques-Alain Miller, (2007), “Cosas de familia en el inconsciente”,
Mediodicho, Revista de Psicoanálisis 32: “Maldita familia”, Córdoba, p. 17.
Ser pai não é uma norma, mas sim um ato de consequências, fastas e nefastas. A filiação contemporânea remete, para além das normas, ao desejo particularizado do qual a criança é o produto, seja qual for sua complexidade e a impossibilidade de o descrever. O pai contemporâneo é um resíduo, um nome, mas permanece incomensurável em relação às normas. Assim, ele continua sendo uma questão passional. A pacificação da paternidade continuará tão utópica quanto o fim da história. Nosso tempo é também o da decifração desses novos amores pelo pai, quer esses amores se desvelem por abordagens políticas ou sociológicas, ou ainda que os divulguemos através de nossa pesquisa clínica.
Eric Laurent, (2006), “Um novo amor pelo”, Opção Lacaniana.
Revista Brasileira Internacional de Psicanálise 46, S. Paulo: Ed. Eolia, p. 29
Toda família é um aparato de gozo e é nesse campo no qual se jogam os assuntos de família. Trata-se, então, de retomar esses assuntos buscando iluminar e recortar a forma singular do gozo de cada um. Quando falamos de novas configurações familiares, nos referimos às mudanças que se produziram na estrutura clássica da família tradicional de matrimônio: pai e mãe com seus filhos.
Flory Kruger
No final da análise – depois de processar aquele banho de linguagem mediante os murmúrios de lalíngua em cada um -, a família terá a possibilidade de se transformar, para cada um, em outra coisa. Caso isso ocorra, cada personagem da trama se torna, simplesmente, o elemento de um conjunto: heteróclito, inconsistente, que terá sido reduzido, depois de uma estranheza inquietante, à sua entidade real de marca.
Ernesto Sinatra