Usos fálicos e o resíduo que verifica o real da pulsão
Relatores: Jésus Santiago, Ana Lydia Santiago e Fernanda Otoni Brisset
Participantes: Fernanda Costa, Maria de Fátima Ferreira, Musso Greco, Sérgio de Castro e Virgínia Carvalho
São evidentes as transformações significativas ocorridas no âmbito das relações entre os sexos. O psicanalista não permanece imune às consequentes desordens que, na contemporaneidade, afetam as posições sexuais e repercutem nas diversas formas do corpo de homem. A ideia do declínio do viril e, mesmo, do seu provável desaparecimento atrai todo o interesse por articular-se, no ensino de Lacan, a outro declínio – o do pai –, ressaltado desde Os complexos familiares, de 1938. Cabe, então, a pergunta: Que se tornou o corpo de homem com o desaparecimento do viril?
Não é sem razão a ênfase conferida por Lacan, em 1956, à tese de Alexandre Kojève, segundo a qual o viril não existe mais: Há uma mascarada viril encarnada pelo barbudo americano com seu fuzil, pelo matador de touros, pelo pescador de peixes, sedutor de mulheres e grande beberrão diante do eterno (apud MILLER, 1995, p. 180). Considera-se que há apenas semblantes de viril, um resto de homem do lado do “para todo x”, fórmula da igualdade do direito para todos, que também absorve a feminilidade no momento atual.
A desordem crescente na sexuação alcançam o que se desenha, hoje, sob a forma do corpo de homem, que busca se garantir em ofertas da ciência, em sua apropriação pelo discurso capitalista. Por desordem da sexuação designa-se o que Miller aponta como insuficiência em se referir ao binário homem/mulher, como se os seres vivos pudessem, tão nitidamente, ser repartidos em duas classes distintas (2013, p. 17). Com efeito, o que gera a diferença entre os sexos é o real do gozo e não, os semblantes da civilização. Segundo a orientação lacaniana, admite-se que, com relação a essas transformações que têm lugar no mundo atual, é possível propugnar pela diferença entre os sexos, sem cair, contudo, num “binarismo” retrógrado. Ou seja, no enfoque analítico do corpo de homem, dispensa-se o binarismo das normas heterossexuais sem, no entanto, recusar a referência ao gozo fálico e a seu para além.
A atualidade do corpo de homem
Um levantamento recente aponta, por exemplo, um aumento significativo no número de homens que buscam, na medicina estética, cirurgias para moldar o corpo a formas da moda. Por preenchimento mediante próteses de silicone nas panturrilhas ou por montagem dos músculos do peitoral e da região abdominal visam a atingir, compulsivamente, o topo desse imaginário e inflacionam o atual mercado das cirurgias estéticas masculinas. O uso de anabolizantes e o detalhamento obsessivo dos exercícios nas fichas de musculação em academias também demonstram a preocupação em modelar o corpo de homem segundo o ideal desse imaginário falicizado, bastante distante de rotinas, tradições e discursos anteriormente concernentes ao corpo viril. Enfim, a desordem instalada no campo da sexuação constitui um estímulo às formas únicas e fractais, com que cada um busca se configurar como lhe convém.
Ao afirmar que “o sujeito tem um corpo”, Lacan valoriza a dimensão do “um”, sem desconhecer, porém, o aspecto do “ter”, que remete aos usos, um por um, da forma fálica. Esse um por um dos usos do “ter fálico” torna possível dizer que, embora o sujeito tenha um corpo, ele próprio se situa numa relação de disjunção e de desacordo com esse corpo, como atestam, de maneira extremada, os transtornos dismorfofóbicos. São os vigoréxicos que testemunham como o imaginário falicizado do corpo encerra um gozo de natureza autoerótica:
A maioria dos caras que eu conheço e malham querem ser musculosos, fortes e ter uma aparência grande para aparecer para os outros e para as mulheres. Eu penso muito diferente disso. Quero me satisfazer com meu corpo, me olhar no espelho e notar volume. Não me importo se as mulheres gostam ou não. Prova disso é que várias amigas me disseram que não gostam de caras musculosos, acham feio, ridículos e não têm nada na cabeça. Não me importo e além do mais, disse para todas elas que iria correr atrás dos meus músculos até onde eu achasse que estivesse satisfeito.(VIGORÉXICO 5, In: GRECO, 2010, p.235)
As teorias de Judith Butler, filósofa americana e principal representante da crítica à teoria dos gêneros e do feminismo, constituem uma evidência direta de que há desordem no real do sexo. Para ela, é o gênero que produz a diferença entre os sexos, já que, de modo geral, se definem a masculinidade e a feminilidade em termos de performances, processos regulados de repetição, normas internalizadas sob a forma de estilo corporal, representação e teatralização pública. Essas performatividades normativas têm sido inscritas nos corpos como verdades biológicas. Mas, para Butler, as diferenças entre os sexos são, nada mais, nada menos, que uma imposição dos “semblantes e artefatos” que se depreendem do sistema dominante sexo/gênero e, por conseguinte, desconsidera inteiramente o real do gozo, que, no âmbito da psicanálise, é o que alimenta a diferença entre “ser homem” e “ser mulher”.
Se a vida sexual é mero produto de semblantes fabricados pela vida civilizada, todas as formas de lidar com o gozo são, para Butler, simples suplementos. O pênis é, do mesmo modo, um suplemento, tendo-se em vista que outro objeto também produz aquilo que supostamente deve completar. Ainda que até possa ter alguma razão ao dizer que o pênis é, igualmente, suplemento, a filósofa desconhece, no entanto, como propõe Freud, que se trata de um suplemento distinto dos outros. Querer estabelecer uma equivalência estrita entre o pênis e uma prótese de plástico é, realmente, negligenciar a interferência do valor fálico do suplemento peniano na função do desejo e do gozo. Diante dessa tentativa de dissolver qualquer pressuposto estruturante, para a subjetividade, do chamado imaginário morfológico e anatômico do pênis, Butler (2002, p. 95) recorre à noção de “falo lésbico”.
Beatriz Preciado, uma de suas discípulas, por exemplo, relata as suas experiências de intoxicação voluntária com testosterona sintética, e consequentes efeitos sobre o corpo e os afetos. Trata-se da produção de um corpo experimental, cujo impacto não se pode calcular de antemão. Preciado inicia a escrita do livro Testo Junkie. Sexe, drogue et biopolitique após a aplicação da primeira dose de testogel no seu corpo (PRECIADO, 2008) e relata, durante 236 dias e noites, a evolução dessa experiência, entrecruzando-a de considerações político-filosóficas e registros detalhados de práticas sexuais. Por essa via, a autora exemplifica a desconstrução de sua própria subjetividade e afirma que toma testosterona não para se transformar em homem, mas para trair o que a sociedade quis fazer dela e, portanto, para transar, para ressentir o que ela chama de prazer pós-pornográfico, para agregar uma prótese molecular à sua identidade transgênero, confeccionada por consolos e vibradores, textos e imagens em movimento. Enfim, para vingar a morte (PRECIADO, 2008, p. 16).
O psicanalista e as desordens na sexuação
Contrariamente ao binarismo, a sexuação proposta pela psicanálise considera, também, a plasticidade do “não todo” para além da diferença anatômica, ainda que conserve o princípio da diferença entre os sexos concernente às distintas distribuições do gozo ̶ seja ele o gozo fálico ou o gozo “não todo” fálico. Se há apenas uma posição sexuada relativa à função fálica, essa não implica nenhuma bipartição estandardizada entre o homem e a mulher; por outro lado, tampouco se pode afirmar que a diferença entre os sexos divide, de modo apriorístico e dual, o espaço de sexuação. O próprio Lacan, no Seminário 19, alerta para “esta bipartição, sempre fugidia, do homem e da mulher […]. Será que tudo que não é homem, é mulher? Tenderíamos a admitir que sim. Mas, já que a mulher é não todo, por que tudo que não é mulher seria homem?” (2012, p. 171). Insiste-se, portanto, em que homem e mulher não têm apenas valor de semblante. E, nesse sentido, o falo é um semblante que ̶ tanto no homem quanto na mulher ̶ não está apenas referido ao imaginário do corpo viril. É por isto que no tocante ao corpo de homem, deve-se dar todo o destaque a afirmativa, surpreendente, de Lacan, em O Sinthoma, de que “o único real que verifica o que quer que seja é o falo, na medida em que ele é o suporte da função do significante” (2007, p. 114). Isto quer dizer que o falo é um semblante que, em certas circunstâncias, toca o real. Ou seja, não apenas desempenha a função de limitador da infinitização do gozo, mas também se coloca em direção ao real, isto é, se mostra orientado pelo furo da inexistência da relação sexual.
Efeitos da falicização do feminino sobre o corpo de homem
Atento às mudanças que as relações entre os sexos sofrem no decurso dos tempos, Lacan acentua, de maneira esclarecedora, os aspectos essenciais do processo de sexuação no pequeno Hans. Esse caso é, segundo ele, um paradigma do tipo de relação sexual presente em meados da década de 1940 ̶ ou seja, o sujeito, do ponto de vista sexual, assume certa posição apassivada. Hans mostra-se em conformidade com a ordem sexual, pois é um menino que se interessa por meninas, mas não parece ocupar tal posição de modo viril. Supõe-se que o interesse dele pelo objeto feminino pode se preservar durante toda a sua vida, porém, sempre numa atitude passiva. Com efeito, apesar da legalidade heterossexual do objeto a que ele se apega, a legitimidade dessa escolha é duvidosa. É, então, que Lacan, quinquagenário, confronta os jovens, para explicar-lhes que as relações sexuais contemporâneas lhe parecem ser mais do tipo pequeno Hans. Conclui-se, assim, que “esses jovens charmosos esperam que as ações venham do outro lado – deixam a iniciativa às damas – esperam afinal que estas lhes tirem as calças” (apud MILLER, 1995, p. 176).
Essa falicização do feminino que implica consequências sobre o corpo de homem exprime-se, 10 anos depois, em Bonjour Tristesse, romance de Françoise Sagan, quando, em cena típica da “nouvelle vague”, a protagonista toma a iniciativa de despir o amante: “Atirei-me sobre ele, derrubando-nos, misturei meus cabelos aos seus. Senti-o ardente e vigoroso contra o meu rosto; cheirava a mar, a sal” (SAGAN, p. 52). Essa geração, ainda que não seja contemporânea à do pequeno Hans, descortina o tempo do “todos juntos, todos iguais, da democracia” (MILLER, 1995, p. 179), em que a forma viril do corpo de homem apresenta sinais do próprio declínio. Essa tendência à distribuição igualitária dos semblantes contribui fortemente para o surgimento de diversas expressões imaginárias e fálicas dos corpos. No âmbito da sexuação masculina, essa mesma tendência do “todos iguais” faz-se presente mediante consequências inestimáveis na incidência do imaginário fálico no corpo de homem.
É a clínica da psicose que lança luz sobre a interferência desse imaginário fálico no tratamento da infinitização do gozo, acarretando, muitas vezes, formas de suplência estabilizadoras. A respeito, por exemplo, da fantasia estabilizadora de Schreber – “Seria belo ser uma mulher sendo copulada.” (LACAN, 1985, p. 77) –, Lacan assinala, ainda nos anos 1950, que “o Presidente Schreber jamais integrou […] qualquer espécie de forma feminina” (1985, p.102). Essa é uma compreensão errônea do que, mais tarde, se formula como o “empuxo-à-mulher”. Assim, o que repugnava ao narcisismo do dito Presidente era a adoção de uma posição feminina diante de seu pai, o que lhe implicava a castração. Por isso, Schreber é alguém que prefere se satisfazer numa relação fundada no delírio de grandeza a saber que, a partir do momento que seu parceiro é Deus, a castração não lhe significa mais nada. Adotar essa forma grandiosa de ser a mulher de Deus consiste, portanto, como observa Lacan, em um mecanismo de compensação imaginária do Édipo ausente, um “como se” lhe tivesse dado a virilidade sobre a forma, não da imagem paterna, mas do significante do Nome-do-Pai (1985, p. 220). Vê-se que, nessa acepção das psicoses, o imaginário fálico pode, artificialmente, assumir o valor do Nome-do-Pai.
Por outro lado, Lacan recorre ao caso clínico de Mauritis Katan, psiquiatra que descreve a pré-psicose de um rapaz na puberdade e como o caso sofre uma virada com relação à posição sexual do jovem. Nesse caso, evidencia-se que não há nada da ordem do acesso a algo que possa realizar um tipo viril. A esse jovem falta tudo, afirma Lacan. E, se ele tenta conquistar a tipificação de uma atitude viril, isso se faz por imitação, por atrelamento, na esteira de um de seus companheiros (1985, p. 220). Essa compensação imaginária sob a forma da imitação do uso dos atributos fálicos inicia-se, então, pela renúncia às primeiras manobras sexuais masturbatórias da puberdade, por injunção de um companheiro. Em seguida, o sujeito interessa-se por uma menina – a mesma que atrai seu companheiro – e, na extensão dessa identificação viril, chega, até mesmo, a conquistá-la.
Em ambos os casos, a eviração é a única forma de responder à não castração: trata-se de uma suplência viril, como a tipificação de uma forma elevada para o corpo de homem, a saber, “um homem que era a mulher de Deus”. Lacan destaca que, para Schreber, vale mais ser uma mulher de espírito que um homem cretinizado (1985, p. 290).
O que o caso Schreber ensina é que, na psicose, em que deveria emergir a significação fálica, advém uma suplência, que permite certa estabilização em face do gozo invasivo do Outro. Ser a mulher de Deus, essa forma elevada inventada por Schreber, tem o valor de suplência “como se” fosse uma forma fálica, tendo-se em vista a função que o falo pode assumir de limitação do gozo do Outro. Captam-se, nessas suplências, formas plásticas que visam a conferir alguma borda à infinitização do gozo do Outro. Trata-se de artefatos, ou próteses, do falo, cuja plasticidade, em cada caso, conforma o corpo de homem, na paranoia, como marcado pela defesa do real do gozo do Outro. Pode-se dizer que esse “como se” do falo é o que permite verificar o real do gozo na psicose.
O resíduo fálico e o parceiro sexual
Ainda que, sob a lógica da sexuação, haja duas fórmulas proposicionais concernentes ao lado masculino e duas outras referentes ao lado feminino, apreendem-se esses dois lados como tendências, que, apesar de dissimétricas, não se sujeitam a uma fixação estática. É o próprio Lacan que esclarece esse ponto de vista: “Quem quer que seja ser falante se inscreve de um lado ou de outro” (2008, p. 85). Ou ainda: “[…] A todo ser falante, como se formula expressamente na teoria freudiana, é permitido, qualquer que ele seja, quer ele seja ou não provido dos atributos da masculinidade […] inscrever-se nesta parte” (2008, p. 86), mais precisamente, na parte mulher da sexuação. Isso quer dizer que pode haver trânsito de um sujeito tanto para o lado feminino quanto para o lado masculino da sexuação.
A clínica psicanalítica evidencia essa mobilidade de várias maneiras. Na conferência Feminilidade, Freud afirma que, no primeiro momento do Édipo, em que prevalece a excitação do clitóris, atividade relacionada com seus desejos sexuais frequentemente ativos e dirigidos à mãe, a menininha experimenta satisfação de um modo masculino ̶ ou seja, sua sexualidade assume conotações fálicas. O mesmo se pode dizer, a propósito desse modo de satisfação masculino, quando uma mulher exerce cuidados maternais voltados a um filho.
A nosso ver, esse teor plástico da sexuação deduz-se da formulação lacaniana do gozo feminino. É ela que permite a Lacan localizar o corpo do místico São João da Cruz do lado do “não todo”.O corpo do místico, nesse caso, aproxima-se do corpo do transexualista bem-sucedido, à medida que aquele faz a experiência de um gozo que extrapola o registro fálico. A experiência mística revela, assim, como “não se é forçado, quando se é macho, de se colocar do lado ‘Vx.Fx'” (LACAN, 2008, p. 81). Conclui-se, então, que um homem pode se situar do lado do “não todo“, ainda que o falo seja o que o atrapalha quanto a isso.
Essa plasticidade do “não todo” também interessa ao psicanalista,embora este não seja um místico. Tampouco se pode, em razão disso, conferir ao analista um lugar feminino. Como esclarece Eric Laurent não se trata da feminização do analista no sentido de convertê-lo em Tirésias, mas de sua condição de contrapor-se à homogeneização do mundo ao fazer vacilar os semblantes que apontam para a consistência do Outro (1999, p. 109).
Lacan considera a mística uma política do gozo que subverte as posições sexuais instituídas pelos semblantes da civilização. Se o corpo do místico, assim como o feminino, exprime uma política, isso decorre da demarcação do caráter contável e localizável do gozo fálico. Ao psicanalista requer-se ir além do falicismo, por mais que a virilidade, sobretudo no caso dos homens, possa ser uma marca constitutiva da existência deles. É atributo da prática analítica desvelar a verdade do regime fálico do gozo como impotente para cernir o modo de o sujeito viver a pulsão para além do horizonte fetichista da fantasia masculina (MILLER, 2012, p. 77). Em se tratando do corpo de homem, o final de análise favorece viver a pulsão para além do fetichismo, inscrito nos usos da fantasia ? E quais as consequências para o recurso do falo e do gozo fálico ?
É claro que o desvelamento dessa verdade suscita a presença da vertente opaca do gozo feminino, que concerne, igualmente, ao sujeito masculino, com a condição de que ele seja um “não todo“fálico. Fala-se em opacidade na medida em que à medida que o final da análise implica, logicamente, um indizível, um inominável do gozo. Esse gozo que resiste à nomeação, Lacan, em Mais, ainda, toma-o como algo da mulher ou do místico, uma vez que desse gozo muito pouco se diz, pois é apenas experimentado. O homem, no entanto, se mostra também vulnerável a esse inominável, já que sua existência libidinal não se apresenta inteiramente submetida ao seu apego do gozo fálico. Se a trajetória da experiência da análise desgasta e dissolve o cenário fetichista da fantasia, colocando em xeque a certeza ilusória de seu ideal viril, abre-se espaço para um uso inventivo de sua parte de gozo singular e “não todo“. No fundo, acreditar no ideal viril é a forma que certos homens encontram para suprir a falta paterna. E é justamente essa crença no viril que alimenta a suposição de A mulher ̶ ou seja, daquilo que contesta o “não todo“feminino, ao buscar fazer existir a chamada espécie mulher.
Como se fez referência antes, seja sob a forma de suplência imaginária, tal como na psicose, seja na posição apassivada dos homens modernos, não cessa a necessidade de se constituir um corpo de homem, cujo suporte é a dimensão imaginária do falo. Porém, no corpo de homem que põe termo à experiência de análise, a perda que incide sobre o regime fálico não quer dizer rechaço do uso do falo, o que significa que sua condição viril pode funcionar de outro modo.
Como já se disse, se o final de análise pode apontar a dissolução do ideal viril, isso decorre do fato desta dissolução deixar entrever uma subtração de gozo no uso imaginário do falo, cuja resultante é um resíduo, tomado por Lacan como o único capaz de verificar o que quer que seja no tocante ao real envolvido nas relações entre os sexos (LACAN, 2007, p. 114). Esse real não é senão o modo como o ser falante lida com o parceiro sexual no âmbito da pulsão que se mostra menos tapeada pelo circuito da fantasia. Em outros termos, é esse parceiro que põe à prova o corpo de homem no momento em que este busca viver a pulsão para além do uso fetichista da fantasia. Não é sem razão que o que mais caracteriza o sintoma do homem, na sua vertente de resto sintomático, o que mais há de “si” nesta vertente do sintoma, é o parceiro sexual (LACAN, 1976, p.5). É o parceiro sexual no sentido de que é uma mulher que se constitui como sinthoma para todo homem. Nesse caso, é o uso do falo que aponta para o furo no real, porque se torna ele próprio resíduo desse real e permite ao ser falante lidar com seu parceiro sexual, no sentido de um savoir faire concernente a esse parceiro, de um saber “se virar” com ele, de manipulá-lo (LAURENT, 2013).
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