A adolescência, momento de corte entre a infância e a adultez, não se a atravessa sem sobressaltos.
A maturação sexual, recentemente adquirida desde o orgânico, terá que ser assumida subjetivamente e o encontro com o Real do sexo……. inevitavelmente angustioso.
Renunciar aos objetos incestuosos para construir um destino próprio instala uma brecha entre o adolescente e sua família … , um mal-estar.
É ali onde aparecem, muitas vezes, uma série de fenômenos sociais que adquirem os matizes da época.
Como pensar a adolescência hoje em dia? Qual é o lugar dos filhos? O que é o traumático para cada um?. Estes são os fios escolhidos por Kuky Mildiner, Lucila Maiorano Darrigo e Silvia Macri .
Mayra de Hanzeinvestiga as “Tribos Urbanas”.
Emoldurando este número, Elsa Maluenda comenta o filme Divines, enfatizando o desejo que se realiza em “passagens ao ato “.

Liliana Zaremsky
Responsável pela Comissão de Conteúdos do VIII Enapol

Tradução: Vera Avellar Ribeiro

Freud, em 1908, escreveu O romance familiar dos neuróticos. Cita, ali, a seguinte fórmula jurídica: “O pai é sempre incerto, a mãe é certíssima”, e o faz em meio a uma descrição das fantasias nas quais as crianças substituem seus pais por outros que conheceram e que lhes parecem melhores. Essa substituição só atingiria a figura do pai quando o filho compreendesse o alcance da citada fórmula jurídica. Estamos longe daqueles dias e, hoje, aquela fórmula já não se sustenta, uma vez que basta uma análise do ADN para estabelecer com certeza a filiação. Então, se ambos são certíssimos, a criança veria prejudicada a possibilidade de fantasiar? Já não poderia imaginar ou desejar ser filho de outros pais diferentes dos que lhe couberam por acaso? Quais seriam as consequências para o necessário desapego da autoridade paterna?

No filme francês Divines, ganhador da Palma de Ouro, a melhor obra prima do Festival de Cannes deste ano, duas amiga adolescentes que vivem num dos assentamentos dos subúrbios de Paris fantasiam ter uma Ferrari, beber champagne e comprar óculos Ray-Ban. Todavia, para tornar essa fantasia realidade, querem “moneymoneymoney” e tentam consegui-lo sem reparar nos custos. Não se trata de pagar o preço pelo acesso ao desejo, porque: como falar da lei do desejo estando num assentamento nos subúrbios de Paris? Diante do empuxo ao consumo e das desigualdades sociais, esse desejo – não a busca de uma satisfação fantasiada substituindo os progenitores por outros de melhor posição social –, se realiza por meio de passagens ao ato. Podemos conjeturar que, nessa trama, como consequência da impossibilidade de servir-se do pai, o desconhecimento de qualquer classe de autoridade vem no lugar da abnegação.

Família – Filhos de um mal-entendido