RESENHA LACAN NA ACADEMIA : CONVERSANDO COM A LITERATURA
“Cólera, um afeto que transborda” foi o título da mesa que reuniu no dia 05 de Junho, na Academia Mineira de Letras, Sabrina Sedlmayer (Professora da Faculdade de Letras da UFMG) e Márcia Rosa Vieira Luchina (Psicanalista, membro da EBP e professora da Faculdade de Psicologia da UFMG), para uma viva conversa em torno do livro de Raduan Nassar ‘Um copo de cólera’.
Escrita na década de 70, a novela de Nassar, nos apresenta o des (encontro) amoroso entre os personagens, sumariamente identificados como Ele e Ela. Após o ardente encontro erótico entre os corpos o narrador (Ele) é arrebatado por um acontecimento banal: um buraco deixado pelas formigas em sua cerca viva. Segue-se a irrupção, o jorro, o transbordamento da cólera que agora escorre, inflamando as palavras. “O esporro” é precisamente o nome escolhido pelo autor para mostrar essa incontinência do gozo pelo discurso que, em sua inclinação apolínea, tenta convulsivamente -como observou Sabrina – agarrar a verdade pela via da razão. Quanto mais se tenta apreendê-la, mais ela se esvai, mais se escancaram os furos.
Orientados pela provocação de Márcia Rosa, pudemos formular algumas perguntas. Será que a troca de insultos entre Ele e Ela, repleta de alusões ao momento político e cultural dos anos de ferro, à ideologia marxista (luta de classes e a crítica à visão pequeno burguesa), à dissimetria entre os gêneros, teria ainda lugar num mundo não mais tão nitidamente dividido pelos ideais de outrora? Como se manifesta a cólera hoje? Onde está o contorno da borda do copo para servir-nos de parâmetro? Teríamos manifestações mais difusas e líquidas dos afetos?
Uma coisa é certa: mesmo com todas as mudanças presentes no horizonte de nossa época, o ser falante padece do mesmo inevitável desencaixe, dos mesmos efeitos perturbadores decorrentes do fato lembrado por Lacan de que os pininhos acabam, de um modo ou de outro, não entrando nos buraquinhos. Nesse sentido, passadas cinco décadas, a novela de Nassar não deixa de conservar sua atualidade.
Laura Rubião