Nossa quarta e última entrega de citações segue acompanhando as perguntas que o argumento nos colca… Mas não nos despedimos, continuaremos com as pérolas nos boletins Ap/berturas e novas surpresas…
Nossa via de acesso à investigação “Começar a se analisar”; nem catálogo, nem análogo, a terceira via… a função de chave!
1 – O que leva um sujeito a procurar um analista nestes tempos que correm? Como se iniciam as análises hoje?
“O neurótico é incapaz de fruição e realização; da primeira, porque sua libido não se acha voltada para um objeto real; da segunda, porque precisa despender grande parte da sua energia disponível para manter a libido na repressão e para se defender de seu ataque.”
“Vocês sabem que o sintoma não pode ser interpretado diretamente, que é preciso haver a transferência, isto é, a introdução do Outro.
(…) não é essencialmente da natureza do sintoma ter que ser interpretado. Ele não clama pela interpretação como faz o acting out, ao contrário do que vocês possam acreditar.
(…)
Em se tratando do sintoma, é claro que a interpretação é possível, mas com uma certa condição que vem somar-se a ela, isto é, que a transferência se estabeleça.”
“A entrada em análise, enquanto diferente da entrada no consultório do analista, significa que o primeiro investimento foi feito, que o analista, que se veio ver, talvez, “por acaso”, se converteu no objeto, que houve escolha de objeto. (…) A escolha do objeto analítico é, como toda escolha de objeto, propriamente transferencial no sentido de Freud, o da repetição. Não há amor que não esteja fundado em uma transferência de libido a partir dos objetos primários que são edípicos”
2 – Quando começa uma análise?
“Não nos esqueçamos de que a enfermidade do paciente que acolhemos em análise não é algo encerrado, rígido, mas que continua crescendo; seu desenvolvimento segue adiante, como o de um ser vivo. O início do tratamento não põe fim a esse desenvolvimento, mas, tendo a terapia se apoderado do paciente, disso resulta que toda nova produção da doença se concentra em um único ponto, isto é, na relação com o médico. A transferência torna-se comparável àquela camada de células denominada câmbio, situada entre a madeira e a casca de uma árvore, da qual provêm a formação de novos tecidos e o espessamento do tronco.”
“Porque, afinal, é preciso que uma porta esteja aberta ou fechada, e é assim que se está na via psicanalisando ou no ato psicanalítico. Podemos fazê-los alternar-se tal como uma porta bate, mas a via psicanalisante não se aplica ao ato psicanalítico, cuja lógica é de sua consequência.”
“No começo da psicanálise está a transferência. O que significa isso? Em primeiro lugar, que no começo da análise não está o inconsciente. O que há no começo é esse significante enigmático que causa traumatismo e deve ser decifrado. Para decifrá-lo é preciso uma relação com o analista e com o inconsciente que trabalha nesse deciframento.”
3 – Como a clínica do começo de uma análise mudou nos últimos anos?
“(…) através das redes globais de telégrafo e telefone, as proporções entre vida social e vida profissional alteraram-se totalmente: tudo é feito com pressa e agitação (…) Os nervos enfraquecidos procuram a sua recuperação em estímulos intensificados, em gozos picantes, exaurindo-se, assim, ainda mais (…)”
E.G.: O que é que não anda bem no homem hoje em dia?
J.L.: É esse grande tédio, a vida como consequência da corrida para o progresso. Graças à psicanálise, a gente espera descobrir até onde se pode chegar arrastando esse tédio.
“Constatamos essa dimensão ética cada vez que uma análise se inicia – tentamos avaliar, naquele que a demanda, se a vontade de não ser indiferente ao fenômeno freudiano está mesmo presente. Pode-se muito bem dizer: ‘Não há nada a fazer… não tenho nada a esperar ao contar meus sonhos e tentar lhes dar um sentido’. Isso é totalmente legítimo. Mas é preciso haver, na origem, um sujeito que decida, ao contrário, não ser indiferente ao fenômeno freudiano”
4 – Começar a se analisar!
“Sei que, no momento, estou imprestável como correspondente, sem nenhum direito a pleitear coisa alguma, mas nem sempre foi assim e nem continuará sendo. Ainda não sei o que está acontecendo comigo. Algo proveniente das mais recônditas profundezas de minha própria neurose insurgiu contra qualquer progresso na compreensão das neuroses e, de algum modo, você foi envolvido nisso.”
“Vemos que, embora a psicanálise consista na manutenção de uma sltuacao combinada entre dois parceiros, que nela se colocam como o psicanalisante e o psicanalista, eIa só pode desenvolver-se ao preço do constituinte ternário, que é o significante introduzido no discurso que se instaura, aquele que tem nome: o sujeito suposto saber, esta uma formação não de artifício, mas de inspiração, como destacada do psicanalisante.
Temos de ver o que habilita o psicanalista a responder a essa situação que percebemos não envolver sua pessoa.”
“Respondo facilmente à pergunta acerca de que momento entrei em análise. Entrei em análise no momento em que me tornei o número um do Departamento de Psicanálise, ou seja, quando me tornei o diretor do Departamento de Psicanálise. Posso dizer que isso me deixou louco. Me deixou louco porque tinha que distribuir coisas, as pessoas vinham me ver para me pedir cargos ou horário e, pelo visto, eu me identificava com o que não tem, com o cavalheiro errante ou com o jovem, de todo modo, não com o senhor. Era tão profundo que, como dizê-lo, dei aulas, mas – lembro muito bem – nas primeiras que dei como diretor do Departamento de Psicanálise em 1974 – não é de ontem – a angústia me sufocava. Já tinha dado aulas antes sem dificuldade, nunca foi difícil falar em público, mas ali a questão não era evitar falar em público, era realmente inexplicável. Não tinha a ver com o fato de dar aula, mas sim com ser o número um e estar do lado dos que têm. Então, aí, tive que entrar em análise”