“Começar a se analisar”; não é catálogo, nem análogo, é a terceira via… a função da chave! Foi nosso lema de trabalho. Um empreendimento apaixonante que fomos abrindo a cada um dos textos. Ali os achados que fomos apresentando, em citações e bibliografias fundamentada, foram armando uma tensão entre o fragmentário do recorte e sua ancoragem no centro da experiência analítica e da formação. A clínica dos inícios assim como a clara orientação da voz reflexiva foram a bússola.

Agora apresentamos “nos limiares”, uma nova série que é o nosso modo de festejar o trabalho da Escola a partir do detalhe que cada um dos leitores-investigadores quiseram sublinhar, recortar ou um imprimir à tarefa.

Citação escolhida por Romina Gamaldi

Vejamos: qual é a mudança radical que nossa civilização está experimentando? É o corpo que toma o comando. […] É um corpo separado da palavra: o caso do autismo é exemplar aqui. Predomínio do corpo, desaparecimento da dimensão psíquica. É o corpo que fala, um corpo em peças soltas que são escutadas sem a mediação da palavra. O mistério do corpo falante é outra coisa: o corpo é um enigma para o sujeito mesmo, um lugar de opacidade, de questionamento.

Alberti, C. , (2022) Liberdade de expressão. A verdade é amável? Disponível em: https://fapol.org/pt/portfolio-items/liberdade-de-expressao-a-verdade-e-amavel/

Citação escolhida por Hernan Brizo

Para a ignorância trata-se de transformar a paixão da ignorância, que é o que Freud chama de repressão: há coisas que o sujeito não deseja saber, ou que deseja não saber, não reconhecer. É a mesma definição do inconsciente, como em termos clássicos se pode chamar a paixão da ignorância: o ódio à castração. Uma vez vencida a repressão, dá lugar, abre portas, a um desejo de saber. Passa da paixão ao desejo.

Miller, J.-A., Sobre fenómenos de amor y odio en psicoanálisis. Introducción a la clínica lacaniana. Conferencias en España, Barcelona, 2007, p. 113. Tradução livre

Citação escolhida por Walter Spina

No entanto Freud – e com ele a psicanálise inteira – rende, por outro caminho, uma homenagem mais profunda e mais verdadeira à poesia e particularmente à narração. Essa homenagem reside no reconhecimento explícito de que a análise é uma atividade essencialmente verbal e que a palavra é o único instrumento terapêutico de que ela dispõe. A psicanálise não investiga os fenômenos psíquicos, e sim o discurso que, para ela, os representa. Os jogos de palavras, a transmissão oral dos sonhos, o diálogo analítico, a associação livre são o material específico do trabalho analítico, depois de ter sido o da poesia durante séculos. Considerando os fatos desse ponto de vista, a poesia não forneceu conteúdos para a psicanálise examinar, e sim seu repertório metodológico; não o objeto, e sim o instrumento da análise. A psicanálise e a poesia, portanto, têm como característica comum o fato de só na linguagem, e por meio dela, poderem conseguir os resultados a que se propõem.

Saer, J. J., Freud ou a glorificação do poeta. Folha de São Paulo (Caderno Mais!). Domingo, 15 de fevereiro de 2004. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/mais/fs1502200406.htm.

Citação escolhida por Luciana Varela

Eu disse que essas impressões devem me levar, em vez de eu carregá-las. A primeira impressão de todas me leva de volta ao início, à minha primeira sessão com o Professor. Paula abriu a porta (embora eu não soubesse então que a bela e pequena criada vienense se chamasse Paula). Ela me ajudou a tirar o casaco e fez alguma observação de boas-vindas que me constrangeu levemente, pois estou pensando em inglês e somente palavras inglesas me vêm à mente. Ela me conduziu à sala de espera (…). Eu espero nessa sala. Sei que o Professor dr. Sigmund Freud abrirá a porta que está à minha frente. Embora eu saiba isso e venha me preparando há alguns meses para essa provação, mesmo assim fico surpresa, confusa, chocada mesmo, quando a porta se abre. Tenho a impressão, depois de meu tempo de espera, que ele aparece demasiado súbito. Automaticamente, passo pela porta. Ela se fecha. Sigmund Freud não fala. Espera que eu diga alguma coisa. Não consigo falar. Olho ao redor da sala. Amante da arte grega, faço imediatamente um inventário do conteúdo do gabinete. Objetos admiráveis e inestimáveis estão exibidos nas prateleiras da direita, à minha esquerda. Falaram-me do Professor, de sua família, de seu modo de vida. […] Sei que ele teve uma recorrência muito grave de uma doença séria anterior, há cerca de uns cinco anos, e foi novamente operado daquela forma particularmente perniciosa de câncer da boca ou língua, e que por milagre (para espanto dos especialistas vienenses) ele se recuperou. Parece-me, de uma forma um tanto curiosa, que fomos ambos “milagrosamente salvos” com algum propósito. Mas tudo isso é um sentimento, uma atmosfera– algo de que me dou conta ou percebo, mas não ponho em palavras ou pensamentos. Eu não poderia ter dito isto, mesmo se, naquele momento, eu tivesse compreendido. Sei que é um grande privilégio estar aqui, disso eu realmente me dou conta.

Doolitle, H., Por Amor a Freud - Memórias de Minha Análise com Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2012, p. 74.

Citação escolhida por Lucas Horvath

Letras: Como você situaria a verdade na sua obra?

B.L.: Se o ponto de partida de Por quê voltaria cada verão foi contar minha verdade ou tirar da cabeça tudo isso que ficava só pra mim e queria torná-lo visível para outras pessoas e torná-lo material, em Onde não dá pé sentia que a justiça escondia uma verdade, que sua verdade não era a que mostrava. […] Quando chegou o veredicto do juiz, minha verdade não dependia da sua decisão e isso acredito que é o que muda a vida, foi importante, foi uma conquista, mas minha verdade estava em outro lugar já. Há uma verdade corporal que pode transformar-se em verdade material através da palavra. Quando leio a denúncia vejo que existe uma verdade super crua, e quando leio o livro focalizo em uma cena, trata-se de que o leitor sinta em seu corpo algo dessa verdade. Aí há outra instância.

Lopez Peiro, B., La literatura como fin en La ciudad analítica N°5: Verdad - Revista de Psicoanálisis, Buenos Aires, ICdeBA (2023) p. 106. Tradução livre.