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Editorial Boletim Tambor ”Fora de Série”

“Uma batida de teu dedo no tambor descarrega todos os sons
e dá início à nova harmonia.
Um passo teu é o recrutamento de novos homens e a ordem
para se porem em marcha.
A cabeça vira-se: o novo amor! Tua cabeça se volta, — o novo amor!
‘Muda nossas sinas, alveja os flagelos, a começar pelo tempo’,
cantam-te essas crianças. ‘Erige não importa onde a substância
de nossas fortunas e de nossos desejos’, pedem-te.
Sempre tendo chegado, tu te irás por toda parte” [1] .
(A uma Razão – Arthur Rimbaud)

 

Tambor – nome que escolhemos para o Boletim epistêmico do XII ENAPOL: Falar com a criança. Instrumento de percussão composto por uma caixa de ressonância coberta por uma membrana esticada, na maior parte das vezes de couro, que vibra quando golpeado. Ele pode ser tocado com as mãos, baquetas ou outros acessórios, produzindo sons que variam em intensidade e timbre. Por estar presente em todo o mundo, desde festas a rituais, nos remete aos laços que conectam uma comunidade, mas também ao que, mesmo em diferentes culturas, reverbera e marca o ritmo.

Para Lacan[2], em “A uma Razão”, encontramos no golpear do tambor dos versos de Rimbaud, a fórmula do ato analítico que é, por definição, a marca de um começo, o que faz surgir o novo. Uma batida que revira as razões, nos introduz em um outro discurso e em um novo amor. Faz falar o inconsciente, o parlêtre.

Fazer falar o inconsciente é o que move o desejo do analista. Se Freud nos ensinou que a característica principal do inconsciente é a ligação com o infantil[3], Fernanda Otoni Brisset demonstra que, para Lacan, “não se faz outra coisa em uma análise do que fazer falar a criança”, uma vez que “falar com a criança é falar da coisa louca, do gozo como tal, do real que na experiência da fala só surge enquanto virtualidade, matéria do ‘todo mundo é louco’, pois a lalíngua do parlêtre é a criança que vive no corpo falante”[4]. Dessa forma, se é na infância que estamos mais expostos às marcas criadas pelos equívocos de lalíngua, em uma análise, essas marcas podem encontrar novos destinos, arranjos, timbres e ressonâncias.

Para que ressoe o tema desse XII ENAPOL, nosso Tambor pretende preparar o terreno para esse evento que acontecerá em Belo Horizonte nos dias 5, 6 e 7 de setembro deste ano. Em cada edição publicaremos dois textos breves, alternando colegas das 3 Escolas do Campo Freudiano nas Américas – EBP, EOL e NEL. Esses textos estarão referidos diretamente a um dos 4 eixos temáticos: Eixo 1 – “Falar de ‘isso de que não se pode falar”; Eixo 2– “Falar … testemunhar da melhor maneira possível sobre a verdade mentirosa”; Eixo 3- “Falar com a criança sob transferência”; e Eixo 4 “O que fala a psicanálise da criança generalizada”. Também teremos Bibliografia, rubrica que veiculará algumas citações e vídeos que darão pinceladas, notas vibrantes que nos orientarão na vertente epistêmica do Encontro; e Conexões: um fio em direção a outras áreas da cultura que ampliarão a interlocução com o nosso tema.

O Tambor “Fora de Série” e o Tambor 1 serão Boletins de abertura e exceções a essa estrutura. Para esta edição, “Fora de Série”, temos o privilégio de contar com um trecho de uma aula do Curso de Orientação Lacaniana, Causa e consentimento, generosamente autorizado por Jacques-Alain Miller. Neste trecho, acompanhamos como Miller aborda o estatuto do trauma em psicanálise o que introduz uma discussão que orientará nossas elaborações rumo ao XII ENAPOL.

Assim, desejamos que cada texto, vídeo, som ou imagem funcione como um convite ao trabalho em torno do tema. E que possamos aprender com o que do real se repete, assim como com o que pode surgir de inédito quando falamos com a criança.

Boa leitura!

Fernanda Costa (EBP)
Lisa Erbin (EOL)
Maggie Jáuregui (NEL)
Niraldo de Oliveira Santos (EBP)


[1] Rimbaud, A. A uma Razão. In: Um tempo no inferno & Iluminações; tradução e organização Júlio Cartañon Guimarães. I. ed. São Paulo: Todavia, 2021, p. 99.

[2]Lacan comenta esse poema ao menos duas vezes em seus Seminários. No Seminário 15 “O ato psicanalítico” (Lição de 10 de janeiro de 1968) e no Seminário 20, “Mais, ainda” (lição de 19 de dezembro de 1972- p. 26).

[3] Freud, S. Observações sobre um caso de neurose obsessiva (caso Homem dos Ratos) (1909). In: Histórias clínicas/Sigmund Freud. Belo Horizonte: Autêntica, 2021, p. 358.

[4] Otoni Brisset, F. Falar com a criança – Argumento. Disponível em: https://enapol.com/xii//epistemico/argumento/