Skip to content

RUBRICA EIXO 3: COM A CRIANÇA

Manuel Zlotnik – EOL/AMP

Em outras épocas, não se deixava a criança falar. “Você não sabe o que é fome!”[1] disseram ao nosso colega Alejandro Reinoso quando era criança, e isso o calou. A criança não sabia, não tinha experiência nem conhecimento, portanto, não podia falar. Os mais velhos falavam e os mais novos se calavam; era a época da supremacia do Nome do Pai.

Hoje, os tempos mudaram drasticamente. Com a Declaração dos Direitos da Criança e a livre demanda, a criança fala e isso transforma-se em um mandato. O que ela diz é tomado literalmente e, em muitos casos, esse dito fica fixado, rígido e impossível de dialetizar. Atualmente, a criança é o que diz, ou seja, um projeto de identidade no qual será um sujeito idêntico a si mesmo.

Antes, não se falava com a criança, eram tempos mais conservadores e retrógrados. No entanto, agora que estamos em tempos mais liberais e progressistas, tampouco nos é evidente que se fale com a criança.

Tanto em uma época como em outra, fala-se à criança ou fala-se da criança, porém me inclino a pensar que não se falava – nem se fala – com a criança. A preposição com, neste caso – a meu ver –, é crucial, e essa preposição também pode supor estar sob transferência e, obviamente, supor uma análise.

Falar com a criança implica escutá-la, ou seja, uma escuta que possa abrir sentidos, abrir uma dialética, e assim fazer com que a criança não fique presa no destino de sua demanda, mas possa abrir-se para o horizonte de seu desejo.

A preposição com indica-nos algo fundamental para que a criança se abra ao horizonte de seu desejo: que ela esteja acompanhada. Com isso, queremos enfatizar que ela seja acompanhada sem nada prefixado previamente, e dessa forma, alojar a construção daquilo que será sua ficção singular, a partir da qual poderá estabelecer seu lugar e seu laço.

Para a psicanálise, é fundamental colocar em jogo o com. Creio que isso faz parte do que entendemos por desejo do analista.

Não tenho dúvidas de que o próximo ENAPOL será o enquadre mais adequado para uma elaboração coletiva, no qual poderemos tratar essa problemática detalhadamente.

 

Tradução: Rafaela Vieira de Oliveira Quixabeira

Revisão: Maria Rita Guimarães


[1] REINOSO, A. Da indignação de si à dignidade do sinthoma. Tradução: Ana Lydia Santiago. Opção Lacaniana, São Paulo: Eolia, n.82, p. 109, abr. 2020. ISSN 15193128.