Nota sobre Atividade de Abertura das Atividades do IPSM-MG e da EBP-MG

Em tempos de exacerbação do ódio, da cólera e da indignação, quais são os desafios para a psicanálise? Seguindo esta orientação – tema do IX ENAPOL, na noite do último dia 11 de março, na abertura das atividades do IPSM-MG e da EBP-MG, Ana Lydia Santiago e Henri Kaufmanner, diretores do IX ENAPOL, realizaram suas conferências, trazendo como referências centrais os afetos da cólera e da indignação.

A partir do trabalho “O afeto da cólera como toque do real”, Ana Lydia estabeleceu a indicação de que a psicologia naturalista teria retirado os afetos do campo das paixões da alma, o que se torna um contraponto essencial à visão da psicanálise sobre o assunto. Enquanto a psicologia naturalista estuda os afetos sob a ótica de um reducionismo psicofisiológico, interessa à psicanálise de orientação lacaniana devolvê-los ao campo da ética do bem dizer sobre o gozo. Ao seguir Miller, Ana Lydia encontra a indicação de que o afeto, na psicanálise, sobressai do sujeito e do significante, ou seja, “o afeto quer dizer que o sujeito está afetado nas suas relações ao Outro” (SANTIAGO, op cit MILLER, Les affects dans l’expérience analytique, p.108). Outro este, que de acordo com Henri não mais alivia os sujeitos do desvario do gozo.

De acordo com a definição de Lacan no Seminário 10 – A angústia, o afeto da cólera é provocado “quando, no nível do Outro, do significante – ou seja, sempre no nível da fé, da boa fé – não se joga o jogo”, ou seja, a linguagem aponta a impossibilidade de dar lugar ao real que atravessa o corpo do sujeito. Trata-se, portanto, de um afeto cujos fenômenos chegam ao corpo como um desacordo e indicam a impossibilidade da relação sexual. Segundo Ana Lydia, há algo que “não se mostra inteiramente capaz de dar um lugar a esse real” e que a aparece ao sujeito como uma espécie de desencaixe “os pininhos não se encaixam nos buraquinhos”. Portanto, é na tríade significante-Outro-gozo que encontraremos os fenômenos relativos à cólera como aquilo que Ana Lydia define como sendo um toque do real, real este que faz ruptura da trama simbólica em que tudo vai bem para o sujeito.

Por sua vez, ao trabalhar a indignação em seu trabalho “Indignai-vos, porém…”, Henri Kaufmanner se coloca a questão de como levar o afeto da indignação de um campo coletivo para aquele que é mais singular a cada ser falante. Seu trabalho se inspira em três fragmentos em que é possível localizar a questão da indignação, quer sejam o livro Indignai-vos!, de Stéphane Hessel, Schereber em sua indignação com Deus em função da eviração, e em Antígona. Desta forma, ele nos mostra três formas de apresentação da indignação, as quais passam pela exasperação e pela resistência e chega ao sacrifício.

Ao mesmo tempo, podemos perceber que sua fala dialoga com a exposição de Ana Lydia. Tanto para um quanto para outro, os afetos são paixões que estão colocadas para o sujeito como efeitos da linguagem sobre o corpo. Os afetos são o resultado daquilo que toca as relações do sujeito com o objeto e, segundo Henri, a indignação pode aparecer tanto do lado da cólera quanto do lado da esperança. Muitas vezes, o que indigna o sujeito tal qual o que o encoleriza pode aparecer como um fora de sentido que o exaspera ou o devolve a esperança.

Ao seguir a lógica de Hessel bem como o esquema Inibição, Sintoma e Angústia estabelecido por Lacan no Seminário 10, Henri indica que “a indignação deslocaria o sujeito dessa posição exasperada, restaurando a via do Ideal, um laço com a fantasia, produzindo um deslocamento da no eixo do movimento em direção à perturbação/efusão, o eu-moi”. A partir disto ele nos indica que a indignação não é sem objeto. E aqui nós podemos escutar o eco de Lacan ao dizer que a angústia não é sem objeto. Logo, nos interrogamos se a indignação e cólera seriam novas formas de apresentação da angústia diante de um Outro que não faz cessar o gozo? Nesta perspectiva, a cólera e a indignação poderiam ser entendidos como formas de apresentação de um desvario do gozo diante da mudança da relação do sujeito com o Outro? Também, nos interrogamos sobre qual clínica estamos diante quando lidamos com os afetos do ódio, da cólera e da indignação?

Ainda sobre a indignação, Henri a define como sendo a revelação de um impossível e, diante desta colocação, por fim nos perguntamos se o impossível que se coloca no afeto da indignação é da mesma ordem do impossível identificado por Ana Lydia a respeito do afeto da cólera, ou seja, o impossível do recobrimento do real pela linguagem – também um toque do real.

 

Fernanda do Valle