EDITORIAL

Sandra Arruda Grostein

A entrevista feita com Gerard Wajcman, estabelecida em um vídeo por Marcelo Veras, orienta a escolha dos textos do Flash 5. Tanto sua pesquisa desenvolvida no Centro de Estudos de História e Teoria do Olhar, quanto seu livro “L’oeil absolu”, têm se mostrado uma referência frequente neste debate sobre o imaginário, em particular entre nossos colegas da EOL. O destaque está no fato dele articular na origem da beleza, um ponto de horror que apela à mostração e não à representação. Mario Goldemberg, Graciela Musachi, Angelica Marchesine, colegas da EOL, e Maria Cristina Giraldo, da NEL-Colômbia, desenvolveram em seus comentários algum aspecto sobre o olhar enquanto absoluto, seja através de um “novo encontro com Lacan”, para Graciela num deslocamento do lugar do olho e do olhar na psicanálise hoje, seja na relação com a propaganda veiculada pelo Estado Islâmico, convocando a todos os olhares para seus horrores, como comenta Angélica.

Mario, por seu lado, cita Wajcman na mutação sem precedentes em curso na história dos homens, atribuída à presença da tela do computador, do celular, Ipad, Iphone, etc, modificando as relações com o mundo, com o corpo e com o ser, e localiza o lugar da psicanálise neste processo. Maria Cristina chama a atenção para as consequências dos deslocamentos populacionais que ocorrem na Colômbia em função do conflito armado-ordinário e generalizado, cuja estatística cifra o retorno do real, sem inscrição simbólica, apoiando-se no “olho absoluto” que pretende fazer visível todo o real.

Aproveitem a leitura!

Vídeoflash 2 – Entrevista com Gerard Wacjman realizada por François Ansermet e Pierre Magistretti

Na Colômbia, o conflito armado tem esse traço que Laurent descreve nas guerras do nosso século: ordinário e generalizado. Durante 50 anos permaneceu invisível para o Outro, apesar da sua condição de omnivoyeur.

A agência da ONU para os refugiados (ACNUR) mostra que no mundo a Colômbia é o país com as maiores cifras de deslocamento territorial interno forçado pelo conflito armado: mais de 5.000.000 de colombianos que fazem parte de comunidades indígenas, afrodescendentes e famílias do campo, deixam suas terras coagidos pelas armas, para satisfazer os fins econômicos de quem privatiza a violência – a guerrilha, os paramilitares e facções criminosas do narcotráfico. Se bem a estatística seja esmagadora e pretenda cifrar aquilo que retorna no real, não há nenhuma inscrição no simbólico: o Estado em sua debilidade e o Outro social em sua indiferença desmentem esse furo que o banimento mostra na estrutura socioeconômica e política do país. O que o olho absoluto não olha? Aquilo que, como bem diz G. Wajcman, pretende fazer visível todo o real.

As pessoas deslocadas na Colômbia vivem como indigentes, deambulam nas principais cidades entre o consentimento do Outro e a negação da dimensão política do conflito armado por parte do Estado, que oferece um tratamento equivalente àquele dado em situações de desastre natural. A invenção dos camponeses deslocados da Fazenda Las Pavas, no sul do Estado Bolívar, no nordeste da Colômbia, é surpreendente: 123 famílias vivem há 45 anos em 1300 hectares que são propriedade do narcotraficante Pablo Escobar. Na primeira ordem de evacuação por parte de paramilitares, responderam com a criação de uma associação e o retorno ao cultivo da terra, até que foram novamente expulsos por narcotraficantes que venderam seus prédios a uma empresa dedicada ao cultivo da palmeira produtora de azeite. É essa empresa que produz a terceira expulsão ou deslocamento, diante da cegueira dos órgãos do Estado.

Em 2011 essas famílias voltaram à Fazenda Las Pavas pela terceira vez. Sob pressão e ameaças constantes, mantiveram sua luta pacífica: cantando suas histórias com letras que dão conta de como se arranjam frente ao real em jogo. Esses menestréis inventaram uma forma de fixação no dizível; deixaram de ser corpos inscritos nas nomeações do Estado, que pretendem nomear o inominável, para buscar serem corpos inscritos e fazerem borda com lalingua nesse furo do real. Com suas músicas, com sua luta para que o Estado lhes conceda o título de propriedade das terras e com seu constante retorno, subverteram a ordem de ferro que prospera em função da debilidade do Estado. Eles souberam transformar o traumático em ato político, sem renunciar à sua dignidade de seres falantes, sem ceder a seu desejo, sem permanecer vítimas numa posição de objeto do gozo do Outro. Em 2013 receberam o Premio Nacional da Paz, por meio do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), pelo esforço em proteger o patrimônio cultural e a memória histórica de sua comunidade.

Agradeço ao Museo Casa de la Memoria de Medellín pelos documentos oferecidos e aos meus colegas do Cartel da NEL Acción lacaniana, pela discussão deste produto.


Referências

Bassols, M., Victimología, PIPOL 7, “Victime!”, Bruselas, Julio de 2015, Fuente: http://miquelbassols.blogspot.com/

Laurent, É., A violência nas cidades, XX Encontro Brasileiro do Campo freudiano EBP, Trauma nos corpos e violência nas cidades, Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=ij_iUt-Kq-M

Wajcman, G. Panóptico Íntimo. In: Scilicet A ordem simbólica no século XXI- Não é mais o que era. Quais as consequências para o tratamento Belo Horizonte: Scriptum, 2011, p. 282-284.

Tradução do espanhol: Ishtar Rincón
Revisão: Paola Salinas

Uma e outra vez volto a 1948: “A arte da imagem poderá atuar dentro em breve sobre os valores da imago e um dia saberemos de compromissos em série de ‘ideais’ à prova de crítica, e, então, o rótulo ‘garantia verdadeira’ terá adquirido todo seu sentido. Nem a intenção nem a empresa serão novos, mas sim sua forma sistemática”.

Pois bem, já estamos nesse “dentro em breve”: um instante a mais e a invenção de Morel terá existido como garantia fantasmática. Cada passo que a ciência dá produz seu próprio real e uma posição do sujeito que é sua resposta, verificando que os valores da imago foram afetados ainda que seu lugar não o tenha sido. Nenhuma arte da imagem poderia restaurar, por mais sistemática que seja, a dimensão de janela implicada no abrir e fechar de olhos onde joga a esquize do olho e do olhar. Finalmente, o real arruína a garantia.

Nos é dito que os sonhos são um exemplo de realidade virtual já que suas imagens estão estruturadas como uma linguagem. Assim, não deixam de levar a marca tanto da perda estrutural que é própria do discurso, como da cegueira a respeito daquilo que preenche essa perda; a realidade, por mais virtual que a inventemos, é marginal em relação ao desejo e ao gozo que estão em jogo.

Novo encontro com Lacan: efetivamente as máquinas são como os humanos, também se decompõem.

Tradução do português: Paola Salinas

Interessa-me trabalhar no brainstorming, a proposta de “testemunhar em ato, nossa posição como psicanalistas, não apenas na cura, mas também na cidade”.

Assim como o século XIX foi “um século de mãos”, como dizia Rimbaud, e o século XX foi um século de máquinas, o século XXI se perfila como um século de telas. Além do cinema e da televisão, temos uma nova variedade de telas: o computador com a internet, o telefone celular, o GPS, o Ipod, o Ipad, o Ireader, os LCD, LED, full HDMI, etc, etc, inclusive porta-retratos digitais.

Através da tela, se sonha, se joga, se lê, se escreve, se vigia, enviam-se e recebem mensagens, pode-se fazer check in, compra-se, se faz laços, se goza.

Gerard Wajcman começa seu recente livro – ´O olho absoluto´(L’oeil absolu, ed. Denoël, Paris, 2010) – dizendo: “Uma mutação sem precedentes está em curso na história dos homens. Isto muda nossa relação com o mundo, com o nosso corpo, com o nosso próprio ser”.

Há um duplo aspecto do Supereu da época. Por um lado, a segurança, a vigilância eletrônica, a lógica imunitária, como conceituou o filósofo italiano Roberto Esposito em Immunitas (Amorrortu Editores, BsAs. 2005). Por outro lado, a tela como diversão, como entretenimento.

A lógica imunitária coincide com a avaliação, tudo pode ser visto, tudo controlado, satélites, vídeo-câmeras que têm mostrado sua falha no episódio do massacre de Virginia tech, efetuado por Cho Seung-Hui, a quem podemos ver e escutar hoje mesmo, seu manifesto paranoico na tela do youtube.

Há outro aspecto da Tela Global, como chama Lipovestsky: é a diversão, o entretenimento que Jacques-Alain Miller situou em seu curso ´Um esforço de poesia´, tomando o sacrifício referido à ética religiosa (sacrifício que pudemos constatar em algum dos testemunhos) e a diversão (termo de Pascal) referida à ética capitalista. O entretenimento é uma das indústrias mais poderosas, produtora de mais-valia e de mais-de-gozar.

No entanto, segurança e entretenimento não se opõem. O que mostra muito bem, o filme sobre a guerra do Iraque, ´Guerra ao terror´ (NT: título no Brasil), originalmente ´The hurt locker´, que ganhou o Oscar, que começa com uma epígrafe: “a guerra é uma droga”. As fotos de tortura e humilhações no complexo penitenciário de Abu Ghraib mostram muito bem, fotos que foram tiradas pelos soldados para enviar aos seus amigos.

A lógica imunitária, que tem como objetivo, preservar a vida, atenta contra a intimidade e o segredo de cada sujeito. A diversão como mandato rechaça o impossível do gozo. Por exemplo, são produzidos videogames, onde matar é o entretenimento. Também nesse sentido, encontramos atos de violencia sem sentido, onde o que está em jogo é a diversão.

Isto dá novas formas clínicas onde convivem o “vale tudo” e o panic attack.

É fundamental, nesse sentido, a indicação do Dr. Lacan para os analistas: “que saibam sua função de intérprete na discórdia das linguagens” e a interrogação de Jacques-Alain Miller: de que modo um psicanalista que não saiba orientar-se na sociedade na qual vive e trabalha, nos debates que inquietam a mesma, estaria apto para se encarregar dos destinos da instituição analítica?

É fundamental que nós analistas possamos ocupar o lugar, não de uma tela mais, mas de um parceiro que tenha possibilidade de ler, interpretar e responder na falha da nova ordem simbólica.

Tradução do espanhol: Maria Cristina Maia Fernandes


Notas

*Paris 29 de abril 2010 (Congreso de la AMP)

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O império das imagens” – Fernando Vitale na Télam

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