Guillermo Belaga

EOL

“No mundo da psiquiatria as classificações
nos dizem mais sobre o mundo social e estético
no qual foram construídas que sobre (sua) natureza”.
G. E. Berrrios [1]

1. Introdução
O modo em que está colocado o título do presente trabalho tenta aludir à tensão que existe entre estes termos no debate atual.

De tal forma que o transtorno bipolar, por um lado, e a mania e a melancolia, por outro, têm diferentes origens temporais e se inscrevem em diferentes paradigmas dento da psiquiatria.

A mania, a melancolia e a loucura circular da Escola Francesa, a psicose maníaco-depressiva da Escola Alemã, respondem aos grandes relatos que se conhece como a “psiquiatria clássica”. Por sua vez, G. Lantéri Laura [2] descreveu uma série de paradigmas da psiquiatria moderna consignando que estas descrições se ajustam ao paradigma das enfermidades mentais de maneira mais precisa que o paradigma alienista de Pinel e Esquirol e que justamente se inaugura no século XIX com J. Falret com sua descrição da loucura circular e se extende até a morte de H. Ey na década de setenta do século XX.

2. A razão da “Bipolaridade” e sua época
A “bipolaridade” toma sua forma atual inscrevendo-se no paradigma tecnológico que, sobretudo a partir dos anos 80-90, leva a considerar a psiquiatria como “uma neurociência clínica”.

Em 1957 Karl Leonhard propõe uma classificação das psicoses endógenas baseadas na polaridade. Assim surge essa entidade cujo antecedente iniludível são as psicoses maníaco-depressivas descritas por E. Kraepelin que agrupa os quadros afetivos nessa única categoria.

A partir do DSM III (1980) se “expressa” claramente o paradigma tecnológico na psiquiatria. Nessa edição do manual de diagnóstico se incorporam decididamente o transtorno bipolar de Leonhard e se exclui precisamente a histeria, que fala de um corpo erógeno que não se prende ao corpo biológico, e se desarticula a relação angústia-sintoma, angústia-ato.

3. O “Espectro Bipolar”
A partir do paradigma tecnológico o modelo de estudo que as neurociências impuseram é o “espectro epilético”. Desse mesmo paradigma tem surgido outros tantos no campo da psiquiatria e os mais conhecidos são: o espectro autista e o que estamos estudando, o espectro bipolar.

Essas classificações surgem de uma prática nova que vem se impondo no século XXI determinada por dois fatores históricos, dois discursos: o discurso da ciência e o discurso do capitalismo [3]. Nos dizeres de J.-A. Miller, a dominação combinada desses dois discursos conseguiu destruir a estrutura tradicional da experiência humana. Ainda assim algo que interessa particularmente para nosso tema é que o sujeito construído pelo discurso do capitalismo está organizado para conceber-se a si mesmo como empreendedor, como empresário de si, entregue à maximização de seu rendimento.

O sujeito que se inscreve no “espectro bipolar” é o que não alcança esse “management da alma”.

Deve-se esclarecer que esse debate rebaixa, inclusive, a edição vigente do DSM. Para entender a diferença, os DSM reconhecem os tipos I ao III e um transtorno bipolar “não especificado”, não enquadrado pelas outras descrições. Diferentemente, o “espectro bipolar” seria um quadro contínuo que vai do temperamento extremo ao desencadeamento pleno da enfermidade afetiva, incluindo os subtipos I; II; II½; III; III ½; IV; V e VI.

De tal forma que não só abarcaria a depressão unipolar; também o narcisista e o bordeline, os quadros “induzidos por substâncias” e o “psicopático”.

Resumidamente o “espectro bipolar” reafirma um modelo biomédico, sublinhando um corpo vivo através do conceito de temperamento e os fatores genéticos. Por sua vez, esses últimos, junto à convergência com o objeto técnico de consumo, representa um “bioengineering”, uma tecnologia do eu sustentada em um darwinismo social.

4. Os aportes freudianos
Em Freud poderíamos situar o seguinte: primeiro o que lhe interessa é definir o registro da perda de objeto. Em conexão está o modo pelo qual Freud pensa a natureza do objeto, reconhecendo-se em sua maneira de denominá-los os registros imaginário, simbólico e real: objekt, sache, ding (respectivamente). Por último chama-nos atenção o modo como, para explicar o problema da melancolia, Freud faz referência a um caso de catatonia.

Esses pontos permitem algumas conclusões: a não perda de das Ding, a Coisa. Isso torna possível colocar um par esquizofrenia/melancolia no que diz respeito aos fenômenos de corpo (a linguagem de órgãos/a hipocondria melancólica e a síndrome de Cottard). Relacionando a conexão entre o ódio e o supereu e das Ding, como também entre esses conceitos e a passagem ao ato.

Por último a tese para as psicoses de um tipo de escolha de objeto relacionada ao narcisismo primário.

Nesse sentido o que Freud considerou como narcisismo primário, Lacan o situa no nível do gozo puro e isolado do objeto a.

5. Ato melancólico e ação maníaca
Duas vinhetas clínicas permitem ilustrar as definições de Lacan, principalmente do Seminário A Angústia Televisão, e a importância que deu ao conceito clássico de kakon (o mal).

A melancolia definida a partir do ato. O caso mostra o ódio como “único sentimento lúcido” e como o sujeito deve atacar, para se liberar, o gozo autoerótico demasiado, mediante o ato suicida/homicida.

A mania definida a partir da ação até seu esgotamento. A excitação maníaca, o rechaço do inconsciente, a “não função do objeto a” se veem ilustrados por esse caso. O sujeito testemunha um quiasmo radical: o significante está em pura metonímia, por um lado e por outro, o ser do vivente.

O empuxo de lalíngua que assedia e dissolve a linguagem até que consegue se fazer mestre do significante, o suficiente para que o seu “apuro” já não seja mortífero.

O que se pode destacar ao localizar essas posições é que elas também orientam no tratamento. Em um caso o analista tenta postergar o ato, que é sua referência. No outro caso se faz partícipe da ação, “secretário” da mesma para, sem aplacá-la totalmente, consiga um funcionamento.

6. Conclusão
No Colóquio sobre o Curso “Sutilezas analíticas”, É. Laurent disse que “há muitos elementos da clínica de nossa época que vão na direção da produção de uma clínica separada de lalíngua“.

A investigação desemboca em uma tensão: os DSM, por um de lado, com seu sonho de um sintoma sem inconsciente, e, por outro, o sinthome, que permite reordenar a clínica analítica a partir de lalíngua, mas com uma perspectiva também desabonada do inconsciente.


* Membros do grupo de trabalho: Alejandra Glaze, Leticia Acevedo, Lisa Erbin, Virginia Walker, Adriana Rogora, Delfina Lima Quintana, Valeria Cavalieri, Inés Iammateo, Luciana Nieto, Daniel Melamedoff, Ramiro Gómez Quarello.
Tradução: Jorge Pimenta

  1. Berrios, G. E., Hacia uma nueva epistemologia em psiquiatria, Polemos, Bs. As., 2011.
  2. Lantéri-Laura, G., Ensayo sobre los paradigmas de la psiquiatría moderna, Triacastela, Madrid, 2000.
  3. Miller, J.-A., “Lo real en el siglo XXI”, El orden simbólico en el siglo XXI no es más lo que era, ¿Qué consecuencias para la cura?, Grama Ediciones, Bs. As., 2012, pp. 425-436.