José Fernando Velásquez

NEL Medellín

Barack Obama anunciou recentemente que o seu governo vai investir mais de três bilhões de dólares na próxima década no projeto para mapear a atividade cerebral a nível celular. O objetivo do projeto é entender mais profundamente “as causas das ações humanas e, claro, ganhar o prêmio principal da neurociência: compreender a consciência”. (1)

A reflexão sobre as manifestações corporais que estão envolvidas nas ações de um ser humano encontra imediatamente uma referência à neurociência. Não há nada mais natural para um ser humano que o seu corpo e as suas realidades de crescimento, doença, sexualidade e morte. O debate filosófico sobre o corpo e o chamado “mental” pode ser levantado como uma questão: como é possível explicar os fenômenos psíquicos ou subjetivos a partir de estados e eventos corporais?

Várias têm sido as escolas de pensamento neste ponto: um dos fundamentos é que Descartes concebeu a mente como uma entidade cuja natureza é o pensamento e tudo o mais é para ele uma substância material. Este dualismo material é o que Gilbert Ryle denunciou como “o dogma do fantasma na máquina”: a alma ou a mente imaterial (o fantasma) que vive no corpo controla os comandos do corpo material (a máquina). (2) Contrário à posição dualista de Descartes, a maior parte da ciência contemporânea tem escolhido uma explicação monista: o fisicalismo também insiste que a mente, as idéias e os sentimentos ou emoções devem inscrever-se no âmbito do físico, afirmando que os fenômenos psíquicos são idênticos aos fatos e processos cerebrais, e acreditam assim na filosofia de arrebatar seu domínio especulativo sobre a consciência do homem. O sistema nervoso se interpreta como se fosse um sistema computacional complexo que transforma a informação em estados bioquímicos e celulares, que por sua vez altera o sistema produzindo neurotransmissores e novas proteínas e também modificando os estados funcionais, tais como o sono, a ansiedade e o humor . Essa corrente chegou a especulação de supor que os seres humanos podem ser melhorados artificialmente, negligenciando a educação e o apoio social. Também se chega ao reducionismo, como estamos acostumados, por parte de certos cientistas, que promovem manchetes como “Temos a felicidade programada no DNA”, (3) “Foi encontrado o gene da preguiça” ou “Se nasce homossexual”. Parecem noções ingênuas que se espalham e circulam no discurso social aumentando a consideração biologista da natureza humana, enquanto alguns entusiastas tratam de encontrar em algum lugar do cérebro, o lugar da consciência.

Spinoza, por sua vez, disse que o dualismo se refere não a substância, mas sim as propriedades: a um mesmo sujeito pode ser atribuído propriedades mentais e físicas, mas esses atributos são diferentes e os termos para analisa-los não são intercambiáveis. Esta é a base do humanismo. O que se ressalta é o caráter subjetivo da experiência, o “modo” determinado com que o indivíduo, diferente de outros, subjetiva uma determinada situação. Presumimos que os outros desfrutam de uma vida interior de pensamentos, emoções e satisfações muito semelhantes aos nossos, mas duas pessoas podem reagir ou experimentar de maneira singular uma mesma percepção. Um exemplo disto é a estética: cada ser falante, a seu modo, tem ações determinadas por uma concepção estética singular. O emocional se acomoda a parâmetros que também estão mais além do modelo genético ou neuronal. Os humanistas, como os positivistas, também caem no extremo de considerar que mais além de nossa “natureza natural”, temos uma “natureza sobrenatural”. (4)

No debate filosófico contemporâneo somou-se Alan Turing, o pai da informática, e outros defensores da Inteligência Artificial, que sustentam a visão de que a tecnologia pode tornar-se autônoma, de que computadores devidamente programados desenvolvem uma forma de pensamento inteligente que, por sua vez, geram a sua própria realidade, tal como recriou o filme Matrix. Outros, ao contrário, como John Searle, consideram que por mais sofisticado que seja um computador, ele não deixa de ser mais um manipulador de signos essencialmente sintático, mas que não pode compreender a dimensão semântica. Nesta perspectiva do debate perguntamo-nos de forma especulativa: na Matriz, onde está o corpo pulsional? Qual lugar para o acontecimento sintomático?

O contexto social contemporâneo é particularmente semelhante ao descrito em Matrix: o mercado emite seus cantos de sereia e o sujeito fica aprisionado ao seu destino. Qualquer experiência, sentimento, emoção, sociedade, tem um preço que alguém hoje está disposto a pagar; a evolução nos levou a ser o “animal consumidor compulsivo” e pelo mecanismo da seleção natural, os indivíduos que são mais consumidores serão aqueles capazes de passar mais genes para a próxima geração, em detrimento de outros menos eficazes.

À medida que mais entramos neste real sem lei, o que observamos é que surgem novos sintomas nesse “animal consumidor”, sintomas que parecem não poder ser interpretados por esse mesmo sujeito. O que vemos é que, em muitos casos contemporâneos, o sintoma não é um sintoma próprio, mas de Outro. O sintoma não acontece na Matriz, mas sim nos sujeitos que emprestam seus corpos para que a Matrix se inscreva neles. Os corpos abusados, os corpos sobrecarregados, os corpos em situação de risco, os corpos do sintoma que não falam como as fibromialgias, os corpos consumidores de medicamentos sem os quais estão literalmente condenados a incapacidade, etc.

Nossa participação neste debate se orientará pela pergunta: Como é que estas considerações se veêm redirecionadas a partir do conceito psicanalítico do gozo do chamado parlêtre?


Tradução: Eduardo Benedicto

  1. Revista Arcadia, Nº 90, 15 de março a 11 de abril de 2013, Semana S.A., Bogotá, p. 12.
  2. Dupré, B., 50 cosas que hay que saber sobre filosofía, Ariel, Madri, 2010, p. 33.
  3. Diario El Tiempo, 23 de fevereiro de 2013.
  4. Botero, J., “Nuestra naturaleza”, Revista Arcadia, Nº 90, 15 de março a 11 de abril de 2013, Semana S.A, Bogotá, pp. 18-19.