Juan Pablo Mollo

EOL

A noção de delito é uma arquitetura sócio-jurídica, subsidiária da noção de Estado. Atua frente aos conflitos sociais, mediante a criação, interpretação e aplicación coercitiva de normas. O delito é uma abstração jurídica que não existe na realidade social, isto é, existem ações conflitivas de diferentes magnitudes e prejuízo social, que, simplesmente, têm em comum estarem descritas como delitos no código penal. Desta forma, habilitam o poder punitivo a criminalizar certas condutas e pessoas, segundo seu arbítrio seletivo.

Não existem delitos que tenham sido sempre castigados em todo tempo e lugar: não houve conduta delitual que não tenha sido permitida, nem comportamento lícito que não tenha sido proibido (nem mesmo o homicídio foi sempre proibido e castigado). O cidadão de bem e o réu, ou a virtude e o vício, são intercambiáveis na história dos códigos penais. A imputação de um delito, a identificação do delinquente e as noções de culpa, responsabilidade e castigo são relativas ao contexto cultural e ao poder punitivo de cada época. Finalmente, não se pode dar um salto, a partir de um código penal para o mundo social, e, muito menos cristalizar o delito como um pecado religioso ou uma patologia individual.

Embora o delito não tenha corpo, nem possa ter origens biológicas, étnicas ou morais, a psiquiatria positivista do século XVIII instituiu, com sua falsa ciência, a patologização do delito, ou seja, “substancializou” o delito com uma concepção biologicamente determinada da conduta individual (atualmente resgatada pelas neurociências a partir da neuroquímica cerebral e da genética molecular). Além do mais, a redução biologizante, legitimadora do poder punitivo, sempre pretendeu fazer existir o delito na realidade social, contrário à autonomia das pessoas e à soberania jurídica sobre seus corpos.

Da mesma forma, a história da penalidade verifica que o conceito de inimigo sempre está presente nos programas de criminalização de corpos humanos etiquetados como “riscos sociais” e sem direitos. A materialização dessa ideologia fica plasmada no “direito penal do inimigo”, que legitima ao Estado retirar o estatuto de pessoa a seus inimigos (jovens marginais, negros, imigrantes, subversivos, terroristas etc.), para salvaguardar a segurança dos cidadãos. Por isso, a doença endêmica do poder punitivo é o genocídio; isto é , um ataque fora do discurso e animado pelo ódio ao gozo do Outro, dirigido para o objeto inimigo (o nazismo foi a escolha de um inimigo a partir de um delírio biológico).

A pena simbólica e justificável, não é praticável ; o “consentimento subjetivo” da pena é uma fantasia da psicanálise com o direito, o pai e a doutrina cristã. A pena real encarrega-se de impor censura através da degradação social do transgresor, submetido a ser objeto de um sofrimento humilhante. Assim, a “encarnação” do delito é um ato político, sempre racista, que produz um resto corporal rebaixado à animalidade na fogueira, no campo de extermínio, ou na prisão.

Uma lógica bulímica opera na ordem de segurança do capitalismo avançado e o discurso global da ciência: engole seus membros, consome massas de pessoas através da educação, dos meios de comunicação e da participação no mercado; e mediante o sistema penal, vomita os restos abjetos para fora do corpo político-social. Com efeito, na época da crise das normas e da agitação do real, o poder punitivo já não opera a partir do semblante universal da justiça, mas com uma finalidade política de utilidade social, baseada na segregação.


Tradução: Elizabete Siqueira

Bibliografía

  1. Lacan, J., “O aturdito”, Outros escritos, Jorge Zahar, Rio de Janeiro, 2003.
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  3. Pavarini, M., El arte abyecto, Ad-Hoc, Bs. As., 2006.
  4. Young, J., La sociedad excluyente, Marcial Pons, Madrid, 2003.
  5. Zaffaroni, R., Zaffaroni, R., El enemigo en el derecho penal, Ediar, Bs. As., 2005.