CITAS

Em “A teoria sueca do amor”, (…) traz uma série de testemunhos que encenam mutações no laço social não circunscritas apenas ao sui generis modo de vida dos suecos. Embora o amor apareça no título, todo o enredo nos leva à pergunta sobre onde ele estaria nessa cultura em que a independên-cia é um imperativo coletivo à serviço do welfare state. Essa noção, na definição comum dos manuais de ciência política, refere-se a uma responsabilidade do Estado no sentido de garantir o bem-estar básico dos cidadãos. Esping-Andersen (1991) questiona o que seria esse bem-estar básico, chamando atenção de que o welfare não pode ser compreendido apenas em termos de direitos e garantias, pois “as atividades estatais se entrelaçam com o papel do mercado e da família em termos de provisão social”. Ele lembra que os proprietários de terra têm função central no desenvolvimento do welfare state, o que ocorreu na Suécia, país em que o pleno emprego estava articulado a subsídios aos preços agrícolas. No documentário de Gandini assistimos ao que Lacan (1971-1972/2011) nomeou como foraclusão (Verwerfung) das coisas do amor: iniciativas que partem do capitalismo e deixam de fora, rejeitam, a castração

O próprio amor de objeto nos mostra uma segunda polaridade como essa, a do amor (ternura) e do ódio (agressão). (…) Não é de hoje que reconhecemos um componente sádico da pulsão sexual; como sabemos, ele pode tornar-se autônomo e, como perversão, dominar inteiramente o anseio sexual da pessoa (…), mas, como fazer derivar de Eros, conservador da vida, a pulsão sádica que tem como meta o prejuízo do objeto? Será que não cabe supor que esse sadismo é, afinal, uma pulsão de morte que foi pressionada para fora do Eu por influência da libido narcísica, de modo que ela só apareça no objeto? Depois ela passa a servir a função sexual; no estágio de organização oral da libido, o apoderamento amoroso ainda coincide com a aniquilação do objeto; mais tarde a pulsão sádica se separa e, finalmente, no estágio do primado genital, ela assume, com o propósito de reprodução, a função de lidar com o objeto sexual até o ponto em que a realização do ato sexual exigir. De fato, poderíamos dizer que o sadismo, impelido para fora do Eu, teria mostrado o caminho da pulsão sexual aos componentes libidinais; mais tarde estes impelem em direção ao objeto. Lá onde o sadismo originário não sofre nenhuma atenuação e fusão, instaura-se a conhecida ambivalência amor-ódio da vida amorosa

Sigmund Freud, Além do princípio de prazer. Edição crítica bilíngue. Coleção Obras incompletas de Sigmund Freud. Belo Horizonte. Editora Autêntica. 2020. P. 177-179.

… a melancolia toma emprestado uma parte de suas características do luto, e a outra parte do processo de regressão, da escolha narcísica de objeto até o narcisismo. Por um lado, como o luto, ela é reação à perda real do objeto, mas, além disso, está comprometida com uma condição que falta no luto normal ou, quando presente, o converte em luto patológico. A perda do objeto de amor é uma excelente ocasião para realçar e trazer à luz a ambivalência das ligações amorosas. Por isto, onde existe a predisposição à neurose obsessiva, o conflito de ambivalência empresta ao luto uma configuração patológica e o obriga a expressar, na forma de autorrecriminações, que se é culpado pela perda do objeto de amor, ou seja, que se a desejou. Nessas depressões neurótico-obsessivas [zwangsneurotischen Depressionen] após a morte de pessoas queridas nos é revelado o que o conflito de ambivalência se realiza por si só, quando o recolhimento regressivo da libido não está presente. Os motivos que ocasionam a melancolia frequentemente vão além do acontecimento claro da perda por morte e abrangem todas as situações de ofensa, desprezo e decepção, através das quais pode manifestar-se na ligação uma oposição de amor e ódio, ou uma ambivalência já existente pode ser reforçada. Este conflito de ambivalência, ora de origem mais real, ora mais constitutiva, não deve ser desconsiderado entre os pressupostos da melancolia. Se o amor pelo objeto – que não pode ser abandonado, ao passo que o próprio objeto o é – se refugiou na identificação narcísica, então o ódio entra em ação nesse objeto substituto, insultando-o, humilhando-o, trazendo-lhe sofrimento e ganhando uma satisfação sádica nesse sofrimento. O autotormento indubitavelmente gozoso [genussreiche] da melancolia significa, tal como o fenômeno correspondente na neurose obsessiva, a satisfação de tendências sádicas e de ódio, relativas a um objeto e que, por essa via, se voltaram contra a própria pessoa. Em ambas as afecções, os doentes ainda conseguem – pelo desvio da autopunição – vingar-se dos objetos originários e torturar seus entes queridos por intermédio de sua condição de doentes [des Krankseins], depois de terem se entregado à doença, para não ter que lhes mostrar diretamente a sua hostilidade. E, de fato, a pessoa que provocou a perturbação afetiva no doente e para a qual está orientada a sua condição de doente, pode ser encontrada habitualmente em seu ambiente mais próximo. Assim, o investimento amoroso do melancólico em seu objeto experimentou um duplo destino: parte dele regrediu até à identificação, mas a outra parte, sob a influência do conflito de ambivalência, foi deslocada de volta até à etapa do sadismo, mais próxima desse conflito

Sigmund Freud, Luto e melancolia. In: Neurose, psicose, perversão. Coleção Obras incompletas de Sigmund Freud. Belo Horizonte. Editora Autêntica. 2016. P.109-110

Pienso que usted traduce muy bien el problema cuando habla de la pelea infernal en la cual se encuentran. Son insoportables el uno para el otro. E inseparables. Esto responde al tipo de la pareja antinómica, como usted dice muy bien, ‘ni contigo ni sin ti’, la pareja antinómica que conocemos son los que se separan, vuelven a casarse, se separan de nuevo. También estoy de acuerdo con los términos ‘elección amorosa mortífera

Jacques-Alain Miller, La pareja y el amor: Conversaciones Clínicas con Jacques-Alain Miller en Barcelona. Buenos Aires. Paidós. 2005. P. 56

…la mortificación del otro que debe cumplirse siempre, claramente, vuelve sobre él. Él mismo se experimenta como mortificado y obtiene una satisfacción en la mortificación

Jacques-Alain Miller, La pareja y el amor: Conversaciones Clínicas con Jacques-Alain Miller en Barcelona. Buenos Aires. Paidós. 2005. P. 100

A proposição ‘eu (um homem) o amo’ é contraditada por:

(a) Delírios de perseguição, pois eles ruidosamente asseveram:

‘Eu não o amo – Eu o odeio.’

Esta contradição, que deve ter sido enunciada assim no inconsciente, não pode, contudo, tornar-se consciente para um paranoico sob essa forma. O mecanismo de formação de sintomas na paranoia exige que as percepções internas – sentimentos – sejam substituídas por percepções externas. Consequentemente, a proposição ‘eu o odeio’ transforma-se, por projeção, em outra: ‘Ele me odeia (persegue), o que me desculpará por odiá-lo.’ E, assim, o sentimento inconsciente compulsivo surge como se fosse a consequência de uma percepção externa:

‘Eu não o amo – eu o odeio, porque ELE ME PERSEGUE.’

A observação não deixa lugar para dúvidas de que o perseguidor é alguém que foi outrora amado.

(b) Outro elemento é escolhido para a contradição na erotomania, que permanece totalmente ininteligível sob qualquer outro ponto de vista: ‘Eu não o amo – eu a amo.’

E, em obediência à mesma necessidade de projeção, a proposição é transformada em: ‘Eu noto que ela me ama.’

‘Eu não o amo – eu a amo, porque ELA ME AMA.’

É possível a muitos casos de erotomania dar a impressão de que poderiam ser satisfatoriamente explicados como fixações heterossexuais exageradas ou deformadas, se nossa atenção não fosse atraída pela circunstância de que essas afeições começam invariavelmente não por qualquer percepção interna de amar, mas por uma percepção externa de ser amado. Nessa forma de paranoia, porém, a proposição intermediária ‘eu a amo’ também se pode tornar consciente, porque a contradição entre ela e a proposição original não é diametral nem tão irreconciliável como a existente entre amor e ódio; afinal de contas, é possível amar tanto ela quanto ele. Assim, pode acontecer que a proposição que foi substituída por projeção ‘ela me ama’) abra caminho novamente para a proposição da ‘língua básica’ ‘eu a amo’

Sigmund Freud, Notas psicanalíticas sobre um relato autobiográfico de um caso de paranoia (dementia paranoides). Edição Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud. vol. XII. Rio de Janeiro. Imago. 1969. P. 86

En este caso mi suposición es que ‘desamor materno’ es como un axioma, un postulado que no admite descripción. En la neurosis hay lugar para la descripción, hay un encanto por la descripción: era rencorosa y tenía mal carácter y, además, pedía demasiado, etc. Hay un relieve, hay facetas y existe el deseo del sujeto de captar esto con palabras. Al contrario, del lado psicótico, hay un carácter de axioma, un postulado. Es como una fórmula inscrita que no se presta a borrarse y que es como un punto de certeza que no se va a conmover. La expresión ‘desamor materno’ supongo que es de él, es como una significación absoluta

Jacques Alain Miller, La pareja y el amor: Conversaciones Clínicas con Jacques-Alain Miller en Barcelona. Buenos Aires. Paidós. 2005. P. 128

O estudo de vários casos de delírios de perseguição levou-me, bem como a outros pesquisadores, à opinião de que a relação entre o paciente e o seu perseguidor pode ser reduzida a fórmula simples. Parece que a pessoa a quem o delírio atribui tanto poder e influência, a cujas mãos todos os fios da conspiração convergem, é, se claramente nomeada, idêntica a alguém que desempenhou papel igualmente importante na vida emocional do paciente antes de sua enfermidade, ou facilmente reconhecível como substituto dela. A intensidade da emoção é projetada sob a forma de poder externo, enquanto sua qualidade é transformada no oposto. A pessoa agora odiada e temida, por ser um perseguidor, foi, noutra época, amada e honrada. O principal propósito da perseguição asseverada pelo delírio do paciente é justificar a modificação em sua atitude emocional

Sigmund Freud, Notas psicanalíticas sobre um relato autobiográfico de um caso de paranoia (dementia paranoides). In: O caso Schreber, artigos sobre técnica e outros trabalhos. Edição Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud, vol. XII. Rio de Janeiro. Imago. 1996. P.50

… Há segundo as línguas, muitas maneiras de dizer eu o amo. Freud não se deteve nisso, ele diz que há três funções e três tipos de delírios, e isso é um êxito.

A primeira maneira de negar isso é a de dizer – não sou eu que o ama, é ela, meu cônjuge, meu duplo. A segunda é dizer – não é ele que eu amo, é ela. Nesse nível a defesa não é suficiente para o sujeito paranoico, o disfarce não é o suficiente, ele pode ser atingido, é preciso que a projeção entre em jogo. Terceira possibilidade – eu não o amo, eu o odeio. Aí tampouco a inversão não é suficiente. É ao menos o que diz Freud, e é preciso também que intervenha o mecanismo de projeção, a saber – ele me odeia. E aí estamos no delírio de perseguição

Jacques Lacan, (1955). O Seminário, livro 3: as psicoses. Rio de Janeiro. Zahar Editor. 1992. P. 53

Mas a criança nem sempre adormece assim no seio do ser, sobretudo quando o Outro, que também tem suas ideias sobre as necessidades dela, se intromete nisso e, no lugar daquilo que ela não tem, empanturra-a com a papinha sufocante daquilo que ele tem, ou seja, confunde seus cuidados com o dom de seu amor. É a criança alimentada com mais amor que recusa o alimento e usa sua recusa como um desejo (anorexia mental)

Jacques Lacan, “A Direção do Tratamento”. In: Escritos. Rio de Janeiro. Zahar Editor. 1998. P. 634

Más allá del pudor – Y allí pasamos más allá del pudor y entramos en una zona que habitualmente es tratada por el síntoma, la vergüenza y el asco. Por e hecho que el deseo, al menos tal como lo abordamos en psicoanálisis, es singular, es de cada uno, que su objeto es fantasmático, que es profundamente extravagante, profundamente inaprensible. Es una función que escapa siempre a quien regularlo. Que desbarata el dominio, rebelde a la norma. (…) aquí el clivaje entre deseo e goce se vuelve palpable, sensible en Una semana de vacaciones

Jacques-Alain Miller & Christine Angot, Encuentro con Jacques-Alain Miller. In: Feminismos – Variaciones Controversias. Buenos Aires. EOL. Grama. 2018. P.22-23

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